Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

A revolução das sandálias havaianas

Até os anos 1990, periferias e favelas eram temas incipientes na programação da grande mídia – leia-se Rede Globo. Os últimos anos evidenciam mudanças estratégicas na emissora que associa, desde então, um discurso conhecidamente elitista aos gostos e desejos da chamada nova classe C. Recentes novelas, como Avenida Brasil e Cheias de Charme, desenrolaram suas tramas sob o mote da periferia, com aceitação do grande público, inclusive da elite mais conservadora do país. Há quem defenda – o rapper Criolo, por exemplo – que a Classe C é um público consumidor que não se enquadra na classe B, ou muito menos na A.

O programaEsquenta!, apresentado por Regina Casé, figura como mais uma das atrações globais pautada no público C, direcionada a ele e ao público em geral. Não é de agora que Regina Casé se tornou porta-voz dos excluídos e representante, na Globo, das políticas e estilos dos suburbanos. Com roupas extravagantes, amparada por um cenário exagerado em cores e formas que lembram alegorias carnavalescas – ao estilo Chacrinha –, a apresentadora empunha o microfone para apresentar personagens e histórias tristes em meio a um clima de carnaval e alegria que transmite um falso ar de happy end.

A forma caricata com a qual se dá a inclusão da periferia no espaço da cidade transforma a intenção (por melhor que ela seja) em um esvaziamento provocado pela própria inclusão que o programa propõe. O exagero representacional de uma “alegria abobalhada” produz retratos que alimentam a imagem estigmatizada e estereotipada da periferia, que incorre na exclusão dessa própria periferia.

As mudanças observadas na grade de programação da Rede Globo evidenciam uma transformação ao estilo “sandálias havaianas”, que, de calçado popular, concretizou um novo estilo, o fashionable popularesco. A periferia se tornou uma organização social alternativa que oferece outros gostos e sabores, outra cultura àqueles que desejam provar do exótico. A transformação da favela e periferia em público consumidor e objeto consumido é o ponto crítico que desperta a discussão sobre as imagens da periferia disseminadas pela mídia.

E enquanto Esquenta! promove o entretenimento dominical despretensioso, muitos de nós se inquietam pela representação que o programa faz de uma felicidade abobalhada que esconde justamente o fato de pessoas viverem de forma tão desigual.

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Anielle Morais é jornalista e professora