Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Enfim, jornalismo da Globo acorda

No programa Bom Dia Brasil apresentado na sexta-feira (23/1) o jornalismo da TV Globo parece ter acordado: foi um festival de realismo do começo ao fim, relembrando os velhos tempos do jornalismo de combate tão em falta na mídia brasileira.

O único ponto falho se ateve ao aprofundamento das matérias, nada que uma boa suíte não possa resolver. Mas foi através dessa nova fase exibida pela emissora que finalmente o telespectador ficou sabendo a extensão do drama das populações de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais de que o esvaziamento das reservas de água poderá ser um problema nacional – e é – mas cujo agendamento pelo governo federal ainda parece distante.

Há uma grande confusão entre acadêmicos que colocam o jornalismo de combate como se ele fosse um instrumento de enfrentamento do poder público. Não é. Como não é um jornalismo de sustentação de teses, sejam quais forem. O jornalismo de combate tem como alma uma linha de posicionamento crítico, mas não persuasivo. A persuasão é um instrumento usado no jornalismo doutrinário.

O jornalismo usado pela primeira vez em anos pelo programa Bom Dia Brasil é o que a fração esclarecida da população deseja: o realismo, jornalismo sem disfarce nem truques, sem oba-oba, sem magnanimidades.

São Paulo experimenta o racionamento de água há mais de dois anos. Mas há dois anos a emissora se limita a transmitir o ponto de vista do governo Alckmin. O jornalismo da emissora estava devendo à população uma explicação real sobre a questão hídrica. Neste programa chegou perto, mas ainda não pôs no ar um especialista em recursos hídricos capaz de dizer com todas as letras que não se trata mais de “crise hídrica”. Crise é algo temporário, passageiro. Falta permanente é ausência absoluta.

Realidade oculta

Desde o começo do século 18 que o mundo sabe que a água é um recurso finito, acaba, como o petróleo. Os sucessivos governos de São Paulo sempre trataram a água como um recurso infinito: primeiro impermeabilizaram (asfaltaram) todo o estado, impedindo a infiltração de água no solo. Segundo, não controlaram a abertura de poços artesianos (esses poços são as reservas para uso futuro). Ou seja, antes da completa impermeabilização, deixaram a população usar toda reserva de água do futuro. A mídia foi um completo silêncio desde então.

Venceu um velho hábito nosso de cada dia: preocupa-nos o presente, o futuro a Deus pertence. Afinal, água cai do céu e como Deus é brasileiro não vai faltar chuva nunca.

Mas está aí a chuva. A mídia, que nunca entendeu nada de água, nunca incentivou uma educação ambiental para conduzir a população a não desperdiçar água.

Num show de jornalismo de combate, o Bom Dia Brasil incluiu uma realidade que a própria TV Globo parecia ocultar: o parque de energia eólica (dos ventos) já é capaz de entrar com 10 na formação da central da matriz energética brasileira. Precisaria de apenas R$ 600 milhões para a instalação da sua linha de transmissão. Neste programa, o próprio programa descobriu o mistério: os R$ 600 milhões foram gastos na construção de um estádio de futebol para a Copa do Mundo, já fechado para reforma e ninguém cobra nada.

Veja-se como é importante a liberdade de expressão, a imprensa livre: o racionamento de água e de energia já começou. Basta um pouco de realismo no noticiário para se restabelecer uma linguagem que por si só denuncia os truques, as maquiagens destinadas a ocultar a realidade da população.

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Reinaldo Cabral é jornalista e escritor