Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O fenômeno Laura Bozzo

Figuras como Laura Bozzo permanecerem no ar nunca foi por opção do público. Diz mais a respeito dos executivos de TV, que pensam em produtos de má qualidade. Há quatro anos, o mercado de televisão do México recebia, entre surpreso e desapontado, a contratação da apresentadora Laura Bozzo pela Televisa. A señorita Laura, até então, apresentava um programa popularesco na concorrente TV Azteca. Foi parar na terra da tequila após ser acusada de participação no governo ditatorial de Alberto Fujimori. Com brigas entre os participantes, muitos choros e uma moralidade latente, a atração parecia longe das produções que consagraram a maior emissora mexicana.

A chegada de Laura deu um toque diferente. As tardes do Trece, da Azteca, eram ocupadas por séries nacionais, reprises e programa de fofoca. O canal 2, da Televisa, seguia na liderança com reprises, telejornal, novelas e séries originais. Bozzo traria seu barraco televisivo, formato de sucesso e apogeu no México nos anos 1990, capitaneado pela cubana Cristina Saralegui. O Show de Cristina, produzido pela americana Univision, foi peculiar por apresentar brigas entre um musical de sucesso. Em uma semana, poderia receber a estrela Thalía. No próximo show, saíam as curvas da Maria do Bairro e entravam os problemas entre mãe e filha.

Mas, afinal, por que contratar Laura Bozzo? Ela sempre foi criticada pela imprensa pelos excessos cometidos. Em um especial de seu programa no Peru, pagou a uma pessoa da plateia para lamber as axilas suadas de um fisiculturista. Pelo público, as opiniões são divididas: ama-se muito ou odeia-se em medida maior. Não que a audiência incomodasse, nem que a Televisa precisasse de uma guinada. Por outro lado, a união entre uma potência e um atrativo comercial é sempre desejável. Os intervalos comerciais são preenchidos, em grande parte, por produtos farmacêuticos: para dor, acabar com a papada e cicatrizes, bem direcionado ao público-alvo da atração: mulheres pós-quarenta anos.

O certo mesmo é que figuras como Laura Bozzo, doutora María Polo, Christina Rocha e Geraldo Luis permanecerem no ar nunca foi, e nunca será, por opção do público. Diz mais a respeito dos executivos de TV, seus gostos e modos de produção. Os programas de gosto duvidoso são o jeito mais fácil de fazer entretenimento, pensado por pessoas que preferem apostar em produtos de má qualidade.

Vida conjugal desvassada

Assim, em 26 de janeiro de 2011, estreou Laura, seguindo o mesmo modelo de programas que a peruana apresentara em sua pátria, na Argentina e nos EUA, antes de ir para o México. É curioso notar que em todos os países o esquema é o mesmo: Laura é a adorada do povo, a advogada dos pobres. Por isso, é sempre recebida com muitos aplausos. Os casos são a única atração do programa e se sucedem ao longo da exibição. Quanto mais choro, mais tempo fica no vídeo. Laura opina sobre tudo, mesmo com poucas falas dos participantes. Sempre começa ouvindo o lado “oprimido”. Pronto! Sua opinião já está formada.

Indignada, já disse a uma convidada: “Nesse programa sempre tem vítimas e algozes, mas uma vítima não pode ser uma putinha, senhores. Como vamos ter [no palco] uma vítima que vai confessar que o filho é de outro, se ela dorme com todos! Pode ser uma vítima, senhores?” Ouve como resposta o som de estridente “não” da plateia. Já domesticados, os telespectadores concordam com Laura.

Em seguida, a apresentadora pede que entre o desgraciado. A plateia vaia. O convidado não reconhece que bate nos filhos? Uma câmera escondida mostra. O convidado não quer entender que Laura está certa? Pior para ele. Ela deu conselho e tentou convencê-lo por bem. Agora só resta ele ser retirado à força do palco e, quem sabe, encaminhado para a delegacia. Muito Christina Rocha? Laura foi a pioneira. Mas se os seguranças não resolvem, lá está a señorita destemida. Em um episódio deprimente, Laura bateu com as fichas do programa no participante.

Mesmo com acusações de mentir para o público, a apresentadora sempre garante que os casos apresentados são reais. Quando começam controvérsias a esse respeito, a sábia Laura já tem dois planos em mente. Ela própria suspeita no ar da idoneidade do caso e pede para os participantes saírem do palco, ou demite, também diante das câmeras, o produtor do quadro. Ninguém mente para a señorita Laura.

Nem seu marido. A infelicidade já foi tema da atração. Um programa concorrente noticiou que o namorado de Laura, o cantor Christian Suárez, tinha traído. Laura derrubou as pautas do dia e discutiu sua vida conjugal. Quis entender os motivos da suposta traição. Claro que Suárez negou. Ninguém trai señorita Laura. Ao final, o casal se reconcilia.

Não há fome, nem miséria

Laura tenta ser “gente como a gente”. A começar pelo título do programa. Repare que quando uma emissora quer que seu apresentador já tenha familiaridade com o público, o passo certeiro é dar o nome do condutor ao show. Dessa forma, fixa-se uma certa intimidade. É como se o telespectador já conhecesse de antemão e sentisse um apelo emocional. Juízes são chamados pelo nome e sobrenome. Isso indica respeito. Amigos, a gente só diz o primeiro nome ou apelido, pra mostrar intimidade. Desde o início, os programas de Bozzo se chamam Laura en América, Laura sem Censura, Laura em Ação, Laura de Todos e, por fim, Laura.

No caso de Laura, é ainda mais fundamental – afinal, ela não só é a figura-chave dos programas, mas é alguém que resolve todos os conflitos levados para a atração. No programa especial de segunda-feira (26/1), o GC exibia a todo tempo na tela: “Quarto aniversário – mudando vidas”. As vinhetas especiais enfatizavam que estar no palco com Bozzo era uma “forma de recuperar as pessoas”. Um claro eufemismo e um processo de mudança de palavras digno da novilíngua de 1984.

Os convidados já entram no palco pedindo ajuda. A televisão, em países ainda em desenvolvimento, representa a última instância de mudança de vida. Quem vai ao programa Laura não o faz pelos mesmos motivos que alguém briga em The Jerry Springer Show. No programa americano, sair no tapa é uma válvula de escape. Se brigar na rua, poderá estar sujeito às leis. No palco da atração, vale tudo. Não se processa alguém, não se faz queixa na delegacia. O objetivo não é ganhar algo, mas mostrar superioridade em relação ao outro.

Já em Laura, o motivo é receber algo em troca na atração. A apresentadora pode ajudar com carro e casa. Mas certo mesmo é o acompanhamento psicológico durante a atração. Sim, é o fenômeno mundial da consulta express. Em 15 minutos, o profissional está apto a dar recomendações aos pacientes. Ou seja, quem vai ao programa como convidado, sai de lá paciente.

Em sua chegada à Televisa, o grafismo do programa abandonou os tons quentes de vermelho, amarelo e laranja. Passou a ser rosa, mais calmo e acolhedor, como os logotipos das produções que sucedem o Laura. A Televisa é famosa em todo o mundo pelas novelas mexicanas. Nessas produções, o México é uma maravilha. Não há fome, nem miséria e muito menos passeatas contra o governo. Laura poderia representar, então, uma mostra do que é a realidade mexicana. Mas Bozzo é muito mais fantasiosa do que os folhetins do século 19.

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Emanuel Luiz Brandão é estudante de Jornalismo