Nos últimos tempos, até reluto em acompanhar telejornais matinais; me soam ofensivos. Mas hoje, entre o gesto de ligar o aparelho de TV e já iniciar a busca dos canais infantis, como de costume depois que meu filho passou a apreciar os desenhos animados, um comentário chamou minha atenção: o papa Francisco disse que é permitido dar palmadas em crianças (ver aqui).
Acompanhei a peça meio que boquiaberto. A correspondente internacional disse ter repercutido mal a afirmação do pontífice em todos os países europeus, onde na maioria as palmadas são proibidas, inclusive aqui no Brasil. A apresentadora do telejornal lamentou a atitude do argentino Francisco e torce por uma retratação se declarando fã do mesmo. O xará do papa ao lado da moça se resignou a um silêncio obsequioso.
Não nego que, primeiro, tive uma sensação reconfortante, isso mesmo, me senti bem por não acompanhar sistematicamente os telematinais. As tantas coisas que poderiam serem ditas sobre a declaração super reveladora do chefe desse grande clube do bolinha, da igreja, não poderiam se dizer ali. Logo, podendo optar, continuarei não acompanhando.
A Igreja Católica é uma instituição milenar que exclui seus funcionários da seara reprodutiva. Mas os auto-intitulados guias espirituais se julgam com a responsabilidade de orientar seus fiéis com relação à criação de seus filhos. Essa ironia é maravilhosa: o papa Francisco, que oficialmente não pode ter filhos, aconselha seus fiéis a utilizar do expediente da violência na formação educacional da sua prole.
Um “conselho ultrapassado”
Interferir na educação não é uma coisa nova para a Igreja católica. O perfil de profissional da educação foi todo moldado por essa instituição. No século 16, os primeiros professores que exerceram essa atividade em nosso país eram irmãos da Companhia de Jesus, jesuítas. De lá para cá outras tantas ordens religiosas se dedicaram à tarefa de ensinar. Isso pode ajudar a entender o motivo de alguns dos próprios professores acreditarem ser portadores de uma missão e que podem oferecer a salvação aos alunos que levarem em conta o que eles têm a dizer.
Contribuir com o perfil dos professores como missionários abnegados não basta à Igreja. Os sermões de seus funcionários, durante seus rituais religiosos, certamente têm alguma dimensão formativa, mas foi-se o tempo em que as palavras dos padres eram realmente ouvidas e levadas a sério, uma vez que deixaram de ser os únicos detentores do conhecimento e que outros atores sociais dividem o fardo de civilizar a sociedade.
Na verdade, os fiéis ouvem, das palavras dos sacerdotes, as que lhes parecem plausíveis e razoáveis. O chefe da Igreja católica aconselhar as famílias a aderirem à violência, felizmente não é garantia de que essas o farão. Não fosse dessa forma, a população dos países católicos seria bem mais numerosa, considerando que a Igreja e seus funcionários, ao menos oficialmente, proíbem o uso de métodos contraceptivos. Diga-se de passagem que, para o Brasil, os fiéis não levarem essa não adesão aos contraceptivos não está sendo muito bom, considerando que a taxa de natalidade está abaixo do nível de reposição.
Mais digno para um líder religioso seria dizer conversem com seus filhos, conheçam-nos, passem mais tempo com eles, dialoguem. Isso pode parecer clichê, embora considere acertado. Mas não, o chefe da Igreja preferiu dizer: podem usar de violência, não batam na cara que é humilhante. Caberia agora um outro clichê bobo até, violência gera violência, ou coisa do tipo, mas apesar de ser verdadeiro já se desgastou pelo uso.
Só me resta imaginar o comentário que gostaria de ouvir no telejornal e que talvez me animasse a voltar a acompanhar esse tipo de programa, mas seria impossível num meio tão católico, onde a correspondente internacional mal teve tempo de dizer que o conselho papal soou como ultrapassado, a apresentadora, fã confessa, mal expressou uma discordância amarelada e o colega ao lado adere a um silêncio devoto.
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José Alexandre Silva é professor