Vamos fazer um exercício de memória. Pense na programação da TV à tarde levando em conta todas as emissoras abertas. Talvez você se lembre do saudoso Cinema em Casa, que mudou de horário incontáveis vezes, saiu do ar, voltou e está fora da grade novamente. Tivemos também Tá Na Tela, A Escolinha do Professor Raimundo, Mais Você, Canal Aberto, Melhor da Tarde, De Olho nas Estrelas, novelas portuguesas, novela venezuelana, novelas mexicanas inéditas e reprises, Chaves, Chapolin, séries, Boa Tarde, Hora da Verdade, Tudo a Ver em suas várias reformulações, Programa Cor-de-Rosa, Note e Anote, Eliana e Alegria, Charme, Muito Mais, Programa do Ratinho, Palmirinha. Muitas atrações você pode não ter assistido e se recorda apenas dos programas que estão no ar. Até a Sessão da Tarde está com os dias contados.
Desde 2000 até os dias de hoje muitos programas saíram do ar, mudaram de horário ou de emissora, mas uma apresentadora se mantém intacta e virou sinônimo de programas vespertinos: a polêmica Sônia Abrão, que em 7 de fevereiro completou 15 anos como apresentadora e uma nova fase da televisão vespertina. Mais conhecida pelo A Casa É Sua e A Tarde É Sua, da RedeTV!, Abrão teve passagem pela Record, com o Sônia E Você, e no SBT, com o Falando Francamente. Foi a partir de sua ida para o canal do Baú da Felicidade que o estilo mais “show” do que “jornalismo” foi intensificado. Afinal, ninguém passa incólume por Silvio Santos.
A jornalista cobria televisão para o jornal Notícias Populares e frequentava os auditórios de Silvio Santos, Flávio Cavalcanti, Raul Gil, Chacrinha, J. Silvestre e Hebe Camargo. A desenvoltura de Sônia chamou a atenção dos comunicadores. Logo, Abrão passou para a frente das câmeras, sendo jurada nos principais programas. Ela ficou mais conhecida do público ao ser jurada do “Troféu Imprensa” e repórter do helicóptero do Gugu no Domingo Legal. A fama na TV a levou para o rádio, veículo em que foi campeã de audiência na rádio Capital durante quatro anos.
Estilo influenciou outros programas
Em 2000, assumiu o A Casa É Sua. Antes da entrada de Sônia, o programa era apresentado pela ex-Fantástico Valéria Monteiro. Gravado em uma casa real no bairro do Morumbi, em São Paulo, suas pautas não se diferenciavam dos programas femininos da época. A fórmula não deu certo e a RedeTV! decidiu terceirizar a produção. A atração passou a ser exibida ao vivo direto da produtora Câmera 5, propriedade do irmão de Sônia. O novo A Casa É Sua passou a ser vespertino e contava com Meire Nogueira nas pautas femininas, Castrinho dava uma dose de humor e Sônia era responsável pelas notícias de famosos e geral. Mas Sônia não estava contente com o formato. Logo passou a apresentar sozinha o programa. Saíram os desfiles de moda, o artesanato e a culinária.
Sônia passou a apresentar um “jornalismo show” e criou um estilo copiado pelos concorrentes. O programa leva a sério na mesma medida o apagão no governo FHC, levando ao estúdio uma dona de padaria que, mesmo economizando, teve sua rede elétrica cortada, quanto a sensação do SBT Casa dos Artistas.
Sônia é capaz de falar durante horas sobre ambos os assuntos com a mesma intensidade, entre um merchan e outro. A apresentadora pauta o programa pelas notícias de jornais e revistas. Chega, inclusive, a ler no ar, linha por linha, matérias que a interessam. Sônia passava as tardes com o suor dos outros no rosto.
O estilo influenciou os programas do horário. Mulheres, da Gazeta, e Note e Anote, da Record, intensificaram as pautas de fofoca. O Melhor da Tarde, da Band, foi criado para concorrer com A Casa É Sua. Contava com um fofoqueiro “profissional”, o jornalista Leão Lobo. Não foi páreo para Sônia.
Nem sempre teremos Paris
Outra aposta certeira do programa foi a pauta policial. O programa de Sônia foi o primeiro a conversar com o sequestrador de Eloá, Lindemberg. Em seguida, a Record também fez o mesmo. Hoje, qualquer programa ou horário da TV com baixa audiência intensifica a cobertura de crimes. Até a Globo entrou na onda. Mas lá tudo é chique. Ana Maria Braga apresentava notícias de crime logo pela manhã. Falava de “presunto” na mesa do café. Recuperou os números perdidos.
O programa de Sônia geralmente tem um assunto durante duas horas. Todas as pautas não saem do GC. Esta é a maneira de fisgar o telespectador que zapeia atrás de novidades. Sônia capta bem o espírito da RedeTV!: programas com produção barata, pautas simples, muitas notícias sobre as emissoras concorrentes, fofocas de celebridades, merchans, uma aura de seriedade e um assunto por programa.
O trunfo é ter um público-alvo definido: a dona de casa. A telespectadora de Sônia interessa a políticos. Eduardo Campos esteve na atração para falar das propostas de sua candidatura à presidência. No ano passado, o ex-ministro da Pesca e Aquicultura Marcelo Crivella foi ao programa falar das ações da pasta e aproveitou para comentar sobre política.
É bom também para a emissora vender merchandising. De produtos de limpeza a plano odontológico, a telespectadora pode precisar de tudo. O programa se paga apenas com merchan. O patrocínio direto é uma renda a mais para a atração.
A aposta em programas com baixo de custo de produção é justificada também pela baixa audiência. De meio-dia às três da tarde, a RedeTV! vende horário para a Igreja Universal. Sônia pega a audiência no traço.
A RedeTV! apostou em série francesa no horário nobre. Napoleão tinha no elenco Isabella Rossellini e Gérard Depardieu. A audiência não foi satisfatória e não podia ter merchan. Nem sempre teremos Paris. Mas Sônia Abrão estará na nossa TV durante muitos anos.
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Emanuel Luiz Brandão é estudante de Jornalismo