Friday, 08 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Muito barulho por pouco

Nas últimas duas semanas, o Brasil falou muito mais de Paolla Oliveira do que de Eduardo Cunha ou Graça Foster. Por Brasil, entenda-se a Globo, os grandes portais da internet e as redes sociais.

Famosa por encarnar diferentes “mocinhas” em novelas da emissora, Paolla conquistou o noticiário –e o imaginário popular– depois de aparecer de costas, apenas de calcinha, caminhando em direção à janela em uma cena do segundo episódio de “Felizes para Sempre?”.

A atriz vive na minissérie uma prostituta de luxo, especializada em atender casais. É também estudante universitária e namora uma mulher, que desconhece suas atividades profissionais. Entende de artes plásticas, sabe tocar piano e, num momento de folga, investiga as atividades de um empresário corrupto.

“Ela é tudo de ‘osa’, galera: ela é famosa, talentosa, gostosa, cheirosa, maravilhosa”, festejou Fausto Silva ao receber a atriz em seu auditório, no primeiro domingo de fevereiro, depois de exibidos cinco dos dez episódios de “Felizes para Sempre?”.

A surpresa com os talentos da atriz não ofuscou apenas o raciocínio de Faustão. Euclydes Marinho, autor da minissérie, se deu conta do problema. “Não posso me queixar do sucesso da Paolla e de seus belos atributos físicos. É sinal de que as pessoas estão assistindo. É um pouco frustrante este ser o maior atrativo, pelo menos no mundinho das redes sociais”, disse em entrevista ao jornal “Correio Braziliense”.

O diretor do programa, Fernando Meirelles, também sentiu o golpe. Ele explicou ao jornal que a intenção da cena era propiciar uma piada ao personagem Cláudio (Enrique Diaz). Observando a caminhada de Paolla, ele diz: “Linda a vista”.

“Se eu soubesse que aquela imagem, que dura menos que três segundos, teria a repercussão que teve, teria cortado da montagem. Nenhum moralismo nisso, é que me incomoda ver um trabalho de construção de personagem tão bem feito pela Paolla ser quase ofuscado por essa bobagem.”

Primeiro plano

Entendo a decepção tanto do autor quanto do diretor, mas o burburinho em torno da bunda de Paolla Oliveira não diz muito apenas sobre o público, mas também sobre a própria minissérie.

“Felizes para Sempre?” entrecruzou histórias de crises de relacionamento de quatro casais. Desde o ponto de interrogação no título, o programa procurou facilitar a vida do espectador de todas as formas.

O texto reuniu um amontoado de situações-clichê que a Globo, nos últimos anos, parecia ter confinado ao universo das suas novelas mais populares. Marido descobre que é estéril e se dá conta que seu filho não é dele. Ex-marido não se conforma que a mulher o trocou por outro e passa a assediá-la. Empresário poderoso vive tédio na cama com a mulher e encontra prazer com prostitutas.

A série, ambientada em Brasília, tratou superficialmente, como mero pano de fundo, das relações promíscuas entre políticos e empreiteiros. Como se a revista “Caras” fizesse uma reportagem sobre o escândalo na Petrobras. Meirelles aproveitou da série “House of Cards” o efeito de imprimir na tela mensagens de texto de celulares, e só.

Colocar a bunda de Paolla Oliveira em primeiro plano é jeca. Ainda assim, para uma série que privilegiou a embalagem em relação ao conteúdo, nem acho que foi tão ruim assim ter causado tanto barulho por causa de uma cena.

******

Mauricio Stycer, da Folha de S.Paulo