Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A ganância da TV sufoca os clubes

“Na dúvida, siga o rio…”

A simplória sugestão fez a fama de homens respeitados como sábios e definiram os rumos na história das civilizações. Para quem está perdido, o curso de um rio pode ser a salvação, pois às margens das águas sempre há outras almas, almas pioneiras que construíram vilas, povoados, cidades…

Pode parecer estranho mencionar, em texto esportivo, um caminhante perdido nos confins do mundo, mas a referência se encaixa perfeitamente à falta de norte que gere os destinos do futebol brasileiro. Os dirigentes têm dúvidas; os clubes, dívidas, e todos sonham com o mágico caminho que possa levá-los ao paraíso. É o que desejam, mas isso custa dinheiro, muito dinheiro. E onde está o vil metal, já que nem os sabichões do marketing esportivo descobriram como transformar a paixão do torcedor em ininterrupta fonte de rendas? No apaixonante circo do futebol, em que profundas análises sociológicas comprovam que a alienação é fato incontestável, milhões de vozes reavivam a chama que santifica ídolos com pés de barro, inflam egos e dão origem ao ouro que é acumulado por uns poucos.

Ora, se o futebol – mesmo o brasileiro – é um negócio de milhões, para onde vai a grana? Clubes faliram, os salários atrasam e a luz que há no fim do túnel não é do sol, são os faróis de uma locomotiva desgovernada. Pode ser a morte para muitos clubes; a solução existe apenas para quem ousar encará-la. Para não ter de ir muito longe, pois para os mineiros a Bahia é ali mesmo, o clube de mesmo nome despencou outra vez para a segunda divisão (já esteve na terceira), abraçado com o Vitória, eterno rival até nas derrotas. E o desastre na terra do acarajé também fez de Minas uma vítima: o Galo já cantou em poleiro de segunda enquanto o América – tadinho! – correrá outra vez sem saber se terá fôlego para subir um degrau.

O que pode ser feito? Ora, na dúvida, siga o exemplo. O melhor é o da TV, que investe tostões e fatura milhões. O sistema de venda de pacotes de pay-per-view é um sucesso na Europa, onde os clubes cedem as imagens e recebem uma justa fatia do bolo. Na Espanha, o milionário Real Madrid foi dos últimos a negociar o patrocínio na camisa e tem dinheiro suficiente para investir incontáveis milhões e se reforçar a cada temporada, o mesmo acontecendo com o Barcelona. Na Inglaterra, o Manchester United criou um canal para assinantes que cobre o dia a dia do clube e gera uma expressiva receita. Se ainda há dúvida, eis o exemplo.

Não, não seria viável um canal de televisão para cada grande clube brasileiro, mas perfeitamente possível a criação de um canal nacional para os esportes, sob a gerência de um conselho formado por clubes, sindicatos de jogadores, representantes de federações, governo, entre outros. A Confederação Brasileira de Futebol, que gasta tanto e tão mal, poderia financiar a implantação da rede e o dinheiro da venda de pacotes e de espaços publicitários seria a redenção não apenas do futebol, também de todos os esportes nessa santa terrinha onde já não cantam os sabiás, dizimados pelos estilingues da estupidez.

Divisão do bolo

Alguém duvida? É fácil comprovar a tese, pois os números não falseiam e a cada ano as emissoras de TV a cabo comemoram a adesão de novos assinantes, que se somam aos milhões existentes desde que o sistema foi implantado. Cada pacote vendido, incluindo os do futebol, aumenta o bolo. É uma montanha de dinheiro. Dados da Associação Brasileira de Televisão por Assinatura confirmam o crescimento: no primeiro trimestre de 2014, exatos 18.426.381 eram assinantes e no segundo trimestre, com aumento de 6,9%, as adesões pularam para mais de 19 milhões. No primeiro trimestre, o faturamento foi de R$ 7,5 bilhões e no semestre seguinte ultrapassou R$ 8 bilhões. Números da Agência Nacional de Telecomunicações indicam que o Brasil terminou outubro de 2014 com 19,7 milhões de acessos, tendo crescido, em apenas um mês, 218 mil (em outubro de 2013 foram 173 mil). O faturamento do setor em 2012 foi de R$ 23,8 bilhões e em 2013 superou R$ 28 bilhões. Sobre a atividade futebol, ainda há a publicidade estática nos estádios e as valiosíssimas inserções antes, durante e após transmissões. O merchandising multiplica os lucros, pois os programas da semana recorrem às imagens para a contínua exploração da fraqueza nacional pelo jogo de bola.

É dinheiro demais. E o que recebem os clubes, responsáveis diretos pela atração dos telespectadores? Muito pouco, apenas uma fatia que nem chega a 5% do bolo. Pelo contrato, em 2015 os 20 clubes da primeira divisão vão receber cerca de R$ 1 bilhão e, em 2016, menos de R$ 1,5 bilhão. Separados em grupos, Flamengo e Corinthians receberão, cada um, R$ 110 milhões em 2015 e R$ 170 milhões anuais no triênio 2016/18. Atlético, Cruzeiro, Grêmio, Internacional, Fluminense e Botafogo vão faturar, cada um, apenas R$ 45 milhões em 2015, e R$ 60 milhões, de 2016 a 2018.

Óbvio que a televisão, principalmente no Brasil, é um negócio, mas não deveria ser apenas isso, um negócio qualquer, pois se trata de concessão pública. Se a TV Globo, por exemplo, investe alto na produção de novelas, shows e jornalismo, nada mais justo que lucre com a empreitada. O mesmo não acontece com o esporte, pois a empresa não remunera os artistas da bola, não constrói e nem aluga estádios. Não paga nem a pipoca do porteiro. O raciocínio é simples: se não há investimento e nem risco, o lucro é injusto.

Após denunciar a “dinâmica perversa” que privilegia alguns clubes e sacrifica a maioria, o deputado Raul Henry (PMDB-PE) apresentou o projeto de lei 7.681/14, para alterar a Lei Pelé (9.615/98). Segundo a proposta, 50% do que se recebe da televisão seriam rateados igualmente; 25% distribuídos proporcionalmente conforme a classificação de cada clube e 25% para rateio proporcional à média de jogos transmitidos. Assim é na Inglaterra. Na Itália, os números pouco variam: 40%, 30% e 30%. O que se pretende é evitar que o futebol brasileiro seja espanholizado, com apenas poucos clubes em condições de disputar os títulos. Na Espanha, Barcelona e Real Madrid conquistaram 11 dos últimos 15 títulos nacionais.

Simples assim: com a rede exclusiva para o esporte, o faturamento seria rateado entre os participantes de cada competição nacional, o mesmo ocorrendo nos campeonatos regionais. Sempre respeitando a justa divisão do bolo, pois cada clube receberia conforme sua torcida comprasse mais ou menos pacotes ou jogos isolados. É a saída, talvez a única, para libertação do futebol brasileiro. Os clubes não seriam forçados a ceder os principais talentos para os donos de euros e dólares.

Perguntarão alguns: e a empresa que monopoliza as transmissões? Ora, ela que vá garimpar ouro em outras minas.

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Hermínio Prates é escritor