Uma medida do sucesso de um texto de jornal, nos dias atuais, é o número de compartilhamentos que alcança nas redes sociais. Outra é o volume de discordâncias que provoca.
Por esta segunda métrica, “Muito barulho por pouco”, coluna que publiquei há duas semanas na “Ilustrada”, foi muito bem-sucedida –ainda que esta não tenha sido a minha intenção.
As divergências ocorreram pelo fato de eu ter feito alguns juízos negativos a respeito de “Felizes para Sempre?”, minissérie que a Globo exibiu entre o final de janeiro e o início de fevereiro.
Não vou, aqui, torturar o leitor reiterando os meus argumentos ou tentando rebater os questionamentos dos que (em sua maioria, gentis) não concordaram com os meus pontos de vista. Mas gostaria de pedir licença para, em vez de comentar algum programa, usar a coluna desta semana para fazer algumas observações sobre os leitores-espectadores.
Escrevendo sobre televisão diariamente há mais de cinco anos, observo que nenhum outro ramo do entretenimento, nem mesmo o cinema ou a música, muito populares, mexe tanto com os leitores.
A razão me parece óbvia. A televisão é a forma de entretenimento mais barata e popular que existe. A maioria das pessoas assiste desde criança e, naturalmente, acumula um enorme repertório a respeito. Este conhecimento incorporado facilita não apenas a compreensão do que se vê na tela como o diálogo com quem escreve a respeito.
Conhecimento e sensibilidade
Frequentemente desenvolvo textos a partir de sugestões, assim como modelo meu ponto de vista a partir de críticas que considero pertinentes, isso sem falar, é claro, das muitas correções que já fiz a partir de observações de leitores.
O passo seguinte desse raciocínio é mais ousado. A opinião do público merece ser considerada como uma parte da “crítica”, tal como a feita por profissionais especializados?
Esse é o centro do argumento de uma dissertação de mestrado, defendida na ECA-USP em 2011 e publicada em livro dois anos depois como “Qualidade na TV – Telenovela, Crítica e Público” (2013, ed. Atlas, 224 págs., R$ 62).
A publicitária Clarice Greco, autora do estudo, classifica a opinião do espectador como “crítica popular”. Ela entende que a proliferação de premiações de “melhores do ano” feitas com base no voto popular demonstra que “a opinião do público ganhou importância e tem sido aceita como critério de valorização das obras”.
Acho um exagero. Quase todos esses “prêmios” são enquetes de internet, cujo objetivo principal é fazer propaganda da marca das empresas de comunicação que as promovem.
Clarice vai além ao constatar, corretamente, que o campo da crítica especializada em TV no Brasil é muito pequeno. A maioria dos jornalistas que escreve a respeito se dedica, também, a outras tarefas, como o noticiário a respeito do assunto.
Isso leva a pesquisadora a questionar “se os jornalistas aos quais chamamos de críticos de TV, no Brasil, não seriam telespectadores comuns, com a diferença de que possuem voz nas mídias mais abrangentes”.
O argumento é interessante, mas não se sustenta, na minha opinião. Ele parece considerar que basta ver muita televisão para escrever a respeito. Fazer uma crítica exige mais que isso –conhecimento histórico, capacidade de argumentação, sensibilidade e, não menos importante, coragem para confrontar o senso comum.
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Mauricio Stycer, da Folha de S.Paulo