Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

A arte de rir da TV

A estreia da segunda temporada de “Tá no Ar” desencadeou uma espécie de competição entre fãs de diferentes programas de humor, cada um reivindicando para o seu favorito o posto de “mais ousado” e “original” na arte da crítica à mídia.

A disputa envolve fãs de “TV Pirata”, “Casseta & Planeta”, “Hermes e Renato”, “Comédia MTV” e “Pânico”, entre outros, além de humorísticos estrangeiros.

Não pretendo entrar no mérito dessa discussão. É difícil comparar programas de humor de épocas e contextos diferentes.

A questão que se coloca, na minha opinião, é entender o lugar que o “Tá no Ar” ocupa hoje na programação da televisão aberta e, em particular, da Globo. Por esse ponto de vista, me parece um humorístico bastante ousado e atrevido.

Matéria-prima para humoristas nunca faltou dentro da própria TV. A baixa qualidade é tão abundante hoje quanto há dez, 20 ou 30 anos. Cresceu nesse período, talvez, a influência do pensamento conservador e a força de diferentes lobbies em favor do politicamente correto.

Por outro lado, o humorismo se viu, nos últimos anos, enredado em problemas criados por seus próprios protagonistas –muitas piadas de mau gosto, mais desejo de chocar do que de fazer pensar, além de pura falta de talento.

Brincadeira arriscada

É nesse contexto que o sinal verde dado pela Globo a uma equipe de alto nível, liderada por Marcius Melhem e Marcelo Adnet, merece ser avaliado. O resultado é um programa que se destaca nitidamente na paisagem.

No primeiro episódio de 2015, o “Tá No Ar” fez piada com uma publicidade das Casas Bahia, o segundo maior anunciante em mídia no Brasil em 2014 (investiu R$ 1,145 bilhão). Em tempos de incerteza econômica, a mensagem ao mercado me pareceu clara –não há limites para o humor neste terreno.

No segundo episódio, o alvo foi o concorrido mercado de cervejas. Em um bar, três homens passam uma cantada em duas mulheres. Para a decepção deles, elas são lésbicas. Surge, então, a mensagem da marca fictícia: “Lebskol, porque homem de comercial de cerveja é muito babaca”.

O encerramento do programa de estreia, com o clipe da fictícia escola “Amarelo e Cinza”, na véspera do Carnaval, teve o mérito de antecipar a discussão que ganharia espaço dias depois, sobre a origem do dinheiro que financia os luxuosos desfiles das escolas de samba do Rio. “Festa da hipocrisia/ camarote lado a lado/ o político e o bicheiro/ celebrando abraçados/ tem quizumba na bufunfa”.

A abertura do segundo episódio também afrontou outro problema sério –o da audiência. Numa época em que a fuga da audiência para a TV paga e outras mídias assusta a Globo, o “Tá no Ar” estampou na tela um aviso aos fãs do “BBB”, lembrando que o reality “continua passando em outro canal”.

Muitos leitores dirão que tanto o Multishow quanto o canal que exibe o “BBB” 24 horas por dia também pertencem à Globo. Correto. Mas, enfrentando a dura concorrência de “A Praça É Nossa”, do SBT, a brincadeira do humorístico de Marcius Melhem e Marcelo Adnet é bastante arriscada.

Não menos corajosa, por fazer piada com pregadores evangélicos muito populares que atuam na televisão, foi a animação sobre a “Galinha Convertidinha”. “Meu pastor é animadinho/ Canta e Dança de Montão/ De Montão/ Quando quer mais dinheirinho/ Compra um horário na televisão”.

Não é pouca coisa em 2015.

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Mauricio Stycer, da Folha de S.Paulo