Imagine um canal de televisão que se proponha a combater o ‘discurso único’ das grandes redes globais de comunicação, todas com sede nos países ricos. Uma tevê que mostre o sul com os olhos do sul, revelando tudo o que vem sendo sonegado ao público sobre as verdadeiras lutas sociais e de libertação travadas pelos povos latino-americanos. Uma emissora para romper com o bloqueio informativo imposto pelas emissoras dos países do norte hegemônico, construindo uma alternativa concreta e de grande alcance para a democratização da informação em escala internacional. Um canal que sirva, enfim, como instrumento de integração dos povos de toda a América, estimulando a participação de comunicadores populares e dos movimentos sociais latino-americanos. Difícil imaginar?
Pois é exatamente esta a proposta da Telesur, que entrou no ar às 13 horas do dia 24 de maio, com duas horas de programação e em caráter experimental, e foi transmitido pela TV Comunitária de Brasília, que acumulará também a função de sucursal brasileira da emissora. Seu sinal de satélite – NSS 806 – pode ser captado da Patagônia até o Canadá. Em Caracas (Venezuela), sede da multiestatal, as transmissões se iniciaram com uma entrevista coletiva que contou com a participação de representantes de Venezuela, Uruguai, Argentina e Cuba – países que investiram o capital inicial para a fundação da emissora.
‘Nosso Norte é o Sul’, diz a mensagem da Telesur.
Ampla estrutura
O lançamento oficial da programação da emissora está previsto para o dia 24 de julho, data em que é comemorado o nascimento de Simon Bolívar, com transmissão de três segmentos diários de oito horas. As reproduções se darão, em um primeiro momento, a partir da solidariedade de diversas emissoras públicas, educativas, universitárias e comunitárias. O sinal é capitado via satélite e o equipamento é relativamente barato para as tevês que quiserem reproduzir o material – menos de R$ 1.500, preço irrisório perto dos orçamentos usuais de tevê. O dinheiro diz respeito a um receptor digital de 400BX, uma antena para sintonizar os canais e um técnico para manusear o equipamento.
Já existem sucursais estruturadas em nove países, inclusive em Washington, nos Estados Unidos, profissionais em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, além de correspondentes em Buenos Aires, La Paz, Havana, Cidade do México, Montevidéu, Nova Iorque e Bogotá. O Brasil, formalmente, não se associou à nova empresa, mas o país é uma peça fundamental do ponto de vista operativo e logístico para a Telesur, porque vai colaborar com os países associados através de dezenas de convênios.
Com uma programação bilingüe – em espanhol e português –, a Telesur transmitirá em 40% do tempo programas jornalísticos, entre noticiários, entrevistas e reportagens. Seus organizadores prometem um jornalismo comprometido com a missão de integrar os povos latino-americanos, resgatando sua verdadeira história de lutas libertárias e defendendo suas tradições, sua cultura, sua arte e seu direito à autodeterminação.
Memória e luta dos povos
O jornalista brasileiro Beto Almeida, diretor multinacional da emissora, explica a proposta. ‘Nós faremos um jornalismo não panfletário, mas que não será imparcial. O que queremos é revelar a nobreza dos povos em luta e não permitir o esquecimento’, disse à Agência Brasil na última quarta (25/5). Já Jorge Enrique Botero, diretor de informação, descartou qualquer comparação que se faça com a CNN ou Al Jazeera. ‘Telesur é um canal para que nos conheçamos, para vermos-nos com nossos próprios olhos.’
Os outros 60% exibirão material de produtores independentes, produções do cinema latino-americano, emissoras de televisão regionais comunitárias e universitárias e de organizações sociais de toda a região. A linguagem visual, como não poderia deixar de ser, remete à história da América Latina. ‘As bases serão feitas pela informação, retomando a crônica, a reportagem, a entrevista, a investigação, sem se prender ao imediatismo’, afirmou o uruguaio Aram Aharonian, vice-presidente e diretor-geral da Telesur.
Promessa de independência
Aram Aharonian explicou que o financiamento para a construção da emissora provém dos estados que compõem a empresa multinacional. ‘Agora estamos estudando um novo modelo de financiamento.’ A Telesur foi fundada com um capital inicial de US$ 10 milhões, bancados por Venezuela (51%), Argentina (20%), Cuba (19%) e Uruguai (10%).
De acordo com Gabriel Moriotto, secretário de mídia da Argentina, a Telesur será uma emissora ‘horizontal, pluralista, ampla e democrática’. Moriotto disse não se preocupar com possíveis interferências de governantes na programação da Telesur. ‘Esse paradigma não funciona mais. As nossas sociedades estão maduras e não há espaço para confundir Estados e governos’, disse.
‘Não é uma arma para estimular modelos políticos, não é uma ferramenta de difusão de ideologias sobre outros países. A diversidade é a filosofia de programação da Telesur’, disse Andrés Izarra, ministro venezuelano de Informação e Comunicação, numa coletiva de imprensa no Teatro Teresa Carreño, em Caracas. [Com agências nacionais e internacionais. Mais informações no site da emissora].
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Editor da revista Consciência.Net, colaborador do Núcleo Piratininga de Comunicação, estudante de Comunicação Social da UFRJ e bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica (PIBIC) pela ECO/UFRJ