Você já assistiu a algum programa exibido, diariamente, durante as tardes pelas emissoras de TV aberta? Você pode até nunca ter visto nenhuma destas atrações, mas certamente já ouviu alguém falar bem ou mal do programa. Estes programas, pela exposição de problemas da vida dos telespectadores, de veracidade muito questionada, tenta ‘ajudar’ pessoas comuns a resolverem problemas particulares, com participação da platéia, que opina diretamente sobre as decisões que devem ou não ser tomadas pelos participantes.
Este tipo de espetáculo, comum na pobre televisão brasileira de hoje, ‘faz a ponte entre a individualidade e o espaço público que ela (TV) ocupa, ou melhor, substitui’ [Khel, Maria Lucia, Bucci, Eugênio, Videologias, Boitempo Editorial]
Desta forma a televisão usa sua influência sobre a população para se colocar no lugar do Estado, que deveria ser o único a influir na vida do cidadão, mesmo assim apenas quando tenha transgredido algum preceito legal do convívio social. Porém, a televisão também faz estas interferências, só que ao contrário do Estado, que age de forma coercitiva, a TV usa a linguagem subjetiva para interferir em nossas vidas, gostos e costumes.
Na busca de referências
Mas como essa interferência se conduz? O telespectador dos dias de hoje é um consumidor em potencial. Em frente à TV ele consome o tempo inteiro, mesma achando que está apenas se divertindo. ‘Consome, aqui, não quer dizer apenas que o trabalhador contempla essas imagens, mas que se identifica com elas, espelho espetacular de sua vida empobrecida’ [ibidem, p. 44]. Ou seja, o telespectador se identifica com o drama vivido pelos participantes da atração, muitas vezes se colocando no seu lugar, chorando suas lágrimas e vivenciando sua dor.
Este tipo de identificação com o drama alheio tem explicação se analisarmos o pensamento do filósofo Gui Debord. Segundo ele, ‘o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediadas pelas imagens’ [Debord, A sociedade do espetáculo, p. 14]. Nos dias de hoje, com o desenvolvimento das tecnologias, o homem está cada vez mais isolado, mesmo podendo entrar em contato com várias partes do mundo sem sair de casa.
Quando esse isolamento é quebrado, os indivíduos obtêm reconhecimento social (mesmo que momentâneo) e encontram assim a visibilidade procurada e não encontrada por muitos. ‘Dependemos do espetáculo para confirmar que existimos e para nos orientar em meio aos nossos semelhantes, dos quais nos isolamos’ [Hannah Arendt, The Human Condition, Chicago, The University of the Chicago Press, 1958]. Desta forma, o espetáculo sensacionalista consegue segurar o telespectador, muitas vezes o enganando, fazendo promessas e revelações ‘bombásticas’ que não são cumpridas, porque todos precisamos e buscamos naquele drama referências que nos façam identificar com aquelas pessoas.
Desejo social
Nos intervalos da apresentação do espetáculo midiático, merchandising de empresas lhe oferecem diversos produtos, balizados pelos apresentadores, que lhe garante satisfação plena no consumo deste ou daquele material. ‘As mensagens televisivas, em especial a publicidade, em sua unidade técnica oferecem imagens à identificação e enunciados que representam, para o espectador, indicações sobre o desejo do outro’ [Khel, Maria Lúcia, Bucci, Eugênio, Videologias, p. 46].
Esta transformação do desejo do indivíduo no desejo do outro, própria da indústria de massa, nos leva a reiterar a afirmação de Gui Debord, de que quando o indivíduo não é reduzido a mais um competidor na massa ele é tratado como consumidor. Assim, ainda segundo Debord, a alienação do telespectador pelo objeto contemplado faz com que ele, cada vez menos, compreenda sua existência e seus desejos.
A conclusão: o desejo é social. A influência do espetáculo televisivo em nossas vidas faz com que venhamos a desejar o que os outros desejam. E sobre nossos desejos e vontades que a indústria de massa, calcada no capitalismo, se movimenta. Ela nos passa e vende a falsa impressão de necessidades, para depois nos vender as soluções, que são apenas momentâneas, já que ela mesma nos cria novas necessidades.
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Estudante de Jornalismo