Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A história da emissora pioneira

No fim dos anos 1940, Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo, paraibano de Umbuzeiro, advogado por formação, jornalista por vocação e um dos maiores empresários do século 20, começava a tornar reais algumas de suas mais ousadas previsões. Amava os jornais impressos, mas acreditava que eles estavam com os dias contados. Em 1931, chegou a profetizar para Paulo Machado de Carvalho, que 22 anos depois fundaria a TV Record: ‘No futuro, esse negócio de rádio vai crescer de tal maneira que irão surgir rádios pequeníssimos, como uma caixa de fósforos. Os jornais impressos estão atrasados. Eu temo pelos jornais.’


Esse temor era a força que impulsionava Chatô a buscar pelo mundo as mais modernas formas de geração e transmissão de informação, sem, é claro, deixar de investir no meio impresso. Com seus Diários e Emissoras Associados, chegou a compor a maior rede de jornais do mundo (eram quase cem em todo o Brasil), além de quase trinta rádios, as duas maiores revistas para adultos do país, doze revistas infantis, agências de notícias e propaganda. Fora do ramo de comunicação, também investiu em segmentos que, na época, eram os que mais anunciavam (justamente para que anunciassem ainda mais): indústrias químicas, farmacêuticas e alimentos. Além disso, fundou o Masp – Museu de Arte de São Paulo e criou diversas fazendas-modelo em todo o país.


Agora, vamos avançar no tempo até chegarmos ao começo de 1949, na cidade de Nova York, onde Chateaubriand acabava de pagar a primeira prestação da compra de trinta toneladas de equipamentos da RCA Victor para começar no Brasil o ‘rádio com imagens’ ou ‘cinema a domicílio’ (expressões dadas na época que tentavam explicar o que seria a TV, com imagens ainda em preto-e-branco). Assinados todos os enormes contratos, David Sarnoff, diretor da empresa estadunidense, convida o empresário brasileiro a viajar com ele para a fábrica da RCA em Burbank, Califórnia, para mostrar-lhe ‘uma surpresa especial’. Logo ao chegarem, vão direto ao minúsculo auditório da empresa, onde Chatô começa a ver uma apresentação de jazz. Em cores!


Duzentos televisores contrabandeados


Surpreso, Chateaubriand pergunta a Sarnoff: ‘Que bruxaria é essa?’ Sarnoff explica que não se trata de bruxaria, mas apenas de uma nova tecnologia que eles vinham testando havia algum tempo de transmissão em cores. Para espanto de todos, Chatô abre a pasta, retira todas as cópias dos maços de contratos e os rasga em pedacinhos, esbravejando em inglês: ‘Não pense que só porque eu vim de um país atrasado o senhor vem me vender equipamento obsoleto, senhor Sarnoff! Só aceito fazer negócio com a Victor se levar transmissores de televisão em cores para o Brasil.’


Toda essa confusão fez com que, a partir daquele momento, David Sarnoff, além de mandar suas secretárias rebaterem todos os contratos de novo, tentasse convencer Chatô, de todas as maneiras possíveis, de que aquilo era só um teste e demoraria um tempo ainda para a TV em cores estar disponível ao público (e isso era verdade, já que a TV colorida só começaria nos EUA 17 anos depois).


Os primeiros estúdios foram construídos no antigo campo de peteca dos funcionários da Rádio Difusora de São Paulo, o pátio do ‘Palácio do Rádio’. Todos os funcionários das emissoras Associadas foram convocados a trabalhar neste novo meio de comunicação.


A um mês da inauguração da PRF-3-TV Tupi, um engenheiro da NBC, emissora de TV da RCA, veio a São Paulo supervisionar os preparativos, a estreia e as primeiras semanas da televisão no país. Ao perguntar aos diretores da nova estação ‘quantos milhares de televisores haviam sido vendidos’ à população da cidade até então, o profissional estadunidense recebeu uma palavra com resposta: ‘Nenhum.’


Para resolver esse problema a tempo, foram contrabandeados duzentos aparelhos de TV, sendo o segundo deles entregue, a pedido de Chateaubriand, ao presidente Dutra no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro (mesmo a cidade só vindo a ter sua primeira estação de TV quatro meses depois de São Paulo). O primeiro televisor do Brasil ele mandou entregar especialmente a Vera Faria, sua secretária particular em São Paulo.


O primeiro beijo


A cerimônia de inauguração da TV Tupi e, consequentemente da televisão brasileira, foi no dia 18 de setembro de 1950. Às 17 horas, nos estúdios do Sumaré, foram feitas as primeiras imagens, com os discursos de David Sarnoff e Assis Chateaubriand. Às 19 horas, começaram a ser apresentados diversos números musicais, infantis, humorísticas e até esportivos no especial TV na Taba, que se encerrou às 23h30min com Lolita Rodrigues cantando o ‘Hino da TV’.


Tudo foi feito ao vivo (ainda não havia o videoteipe), sem intervalos comerciais e de forma improvisada, já que uma das três câmeras que seriam utilizadas quebrou instantes antes do início das transmissões e todas as marcações de cena tiveram de ser refeitas.


Durante os anos iniciais da televisão, poucos foram os receptores vendidos e eles estavam somente nas casas de famílias de altíssimo nível de instrução e renda (a marca de 1 milhão de televisores no Brasil só foi alcançada entre 1960 e 1962). Por isso, a programação das emissoras nesses primeiros tempos era dirigida a esse público. Teleteatros, seriados nacionais e internacionais, programas de variedades, telejornais e programas de entrevistas eram as maiores atrações.


O Grande Teatro Tupi estreia em 1951 e faz história apresentando adaptações dos maiores clássicos do teatro e da literatura internacional, além de lançar na TV nomes como Bibi Ferreira, Cacilda Becker, Cláudio Marzo, Fernanda Montenegro, Fernando Torres, Francisco Cuoco, Glória Menezes, Maria Della Costa, Nathália Timberg, Procópio Ferreira, Rolando Boldrin, Sérgio Britto (que também foi, por algum tempo, diretor do programa), Tarcísio Meira e Zilka Salaberry. Outros programas de sucesso foram TV de Vanguarda (1952), Câmera Um (1956) e suas histórias de terror, além do infantil Teatrinho Trol (1956).


A primeira novela foi Sua Vida me Pertence (1951), protagonizada por Walter Foster e Vida Alves. Nessa novela também foi feito o primeiro beijo da TV brasileira, que não passou de um simples ‘selinho’, mas que, mesmo assim, causou grande impacto na sociedade conservadora da época. Foram apenas 20 episódios de, em média, quinze minutos cada um, ao vivo, exibidos duas vezes por semana.


Artigo de primeira necessidade


Os telespectadores se aventuravam com as séries nacionais Falcão Negro (1957), Alô Doçura (1954), com Eva Wilma e John Herbert, e Vigilante Rodoviário (1961). Os seriados de maior sucesso internacional também eram apresentados na emissora, como Rin-Tin-Tin, Perdidos no Espaço, Thunderbirds, A Feiticeira, Jeane é um Gênio, Zorro, Ultraman, Nacional Kid, Speed Racer e Bonanza (programa especialmente produzido pela NBC a pedido da RCA como forma de testar e apresentar a mais nova tecnologia desenvolvida pela empresa naquele momento, a TV em cores).


Já entre os programas de auditório e variedades, o Espetáculos Tonelux, de 1962, ficou na mente de muitas pessoas especialmente pelo seu comercial, protagonizado por Neide Aparecida – a maior garota propaganda da época – que, com toda a sua simpatia, olhava para a câmera e falava, pausadamente, o nome do patrocinador: ‘To… Ne… Luxxxxx!’. O Almoço com as Estrelas (1956), comandado por Airton e Lolita Rodrigues, converteu-se numa verdadeira tradição aos sábados à tarde. Anos mais tarde, esse mesmo casal também comandaria, na Tupi, o Clube dos Artistas nas noites de sexta-feira. No Rio de Janeiro, J. Silvestre fazia história, quebrando todos os recordes de audiência, com os seus programas O Céu é o Limite, de perguntas e respostas, e o Esta é a Sua Vida (ambos de 1956).


No jornalismo, o programa pioneiro foi o Imagens do Dia, exibido logo no segundo dia da TV Tupi e que não tinha horário fixo (ia ao ar entre 21h30min e 22h). O grande telejornal da Tupi nasceria somente no dia 1/4/1952: o Repórter Esso, originado do radiojornal homônimo. Muitos fatos marcantes foram registrados pela ‘testemunha ocular da história’ (slogan do programa), que também trazia os destaques internacionais da agência UPI. Cada emissora Associada possuía um locutor diferente na condução do noticiário. O Repórter Esso permaneceu no ar até 1970, depois de sofrer com a fortíssima concorrência do primeiro telejornal transmitido em rede nacional do Brasil: o Jornal Nacional (1969), da TV Globo.


Pinga Fogo, programa lançado em 1962, converteu-se num marco do jornalismo brasileiro ao apresentar, ao vivo do auditório da Tupi, grandes entrevistas com os nomes mais importantes do cenário nacional, contando sempre com um renomado time de jornalistas.


Em 1950, eram 200 aparelhos de TV, todos eles na cidade de São Paulo. Em 1964, ano do golpe militar, esse número já era 8.315 vezes maior, ou 1.660.000 televisores em todo o Brasil. Nos anos seguintes, esse número cresceria ainda mais aceleradamente, muito por causa do ‘milagre econômico’ e de uma nova política de crédito criada pelo governo, que permitia ao cidadão adquirir uma TV em 12, 24 ou 36 prestações. De produto de luxo, o televisor passou a ser um artigo de primeira necessidade, presente na maioria dos lares brasileiros. Esse fenômeno incluiu um novo público, de menor instrução e renda. Fazer com que a TV chegasse a esse novo público passou a ser a grande preocupação dos executivos das redes de televisão na época. A Tupi, assim como todas as outras emissoras, esteve atenta a esse fenômeno e entrou numa nova fase, reforçando seus gêneros de maior audiência, ao mesmo tempo em que já começava a viver suas primeiras crises.


Central de produção


Em outubro de 1959, Assis Chateaubriand, numa das ações mais surpreendentes e inacreditáveis da sua vida, simplesmente doou 49% das suas ações em todas as empresas Associadas para 22 dos seus mais próximos funcionários, compondo uma forma de administração inédita e, até hoje, única no ramo, chamada de ‘condomínio’.


Além disso, Chatô organizou o grupo de empresas, também de forma inédita no mundo, como uma ‘federação’; ou seja, as empresas não são agrupadas entre si a partir dos setores onde atuam (o que, na maioria das vezes, permite uma maior sinergia entre elas e uma maior dinamização dos recursos), mas sim pelos estados onde estão sediadas, criando diretorias com ações independentes em cada lugar. Isso foi pensado por Chatô para que, caso os Associados passassem alguma dificuldade num estado específico, os outros poderiam ajudar.


Todas essas mudanças não geraram problemas apenas por poucos meses, já que as decisões continuavam centralizadas nas mãos de Chateaubriand (que ainda possuía 51% das ações). Mas, em fevereiro de 1960, Chateaubriand sofreu uma lesão neurológica grave que lhe deixou sequelas importantes, como a perda dos movimentos dos membros e dificuldades na fala e respiração. Isso forçou a sua retirada do comando dos negócios e prejudicou ainda mais a já confusa administração das suas empresas.


Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo morreria oito anos depois, mas os primeiros sinais de crise do seu império já haviam chegado. Seus jornais perdiam terreno para o Última Hora, de Samuel Wainer. Manchete, de Adolpho Bloch, já era a maior revista semanal do Brasil (desbancando O Cruzeiro). A TV Excelsior, a TV Record, além da recém-inaugurada TV Globo, canal 4 do Rio de Janeiro, já haviam retirado a Tupi da liderança de audiência na TV havia certo tempo.


Como resposta, a Tupi inaugurou o Telecentro, moderna central de produções em São Paulo que gerava grande parte dos programas apresentados em rede nacional. Esse Telecentro chegou a ser comandado, por pouco tempo, por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, sendo esse o último cargo que ele ocupou antes de juntar-se a Walter Clark no comando da Rede Globo.


Vice-liderança isolada


Entre abril e junho de 1968, a Tupi lançou uma nova programação que tinha como objetivo retomar a liderança, mas os resultados não foram satisfatórios. Nesse contexto, Cassiano Gabus Mendes voltou a dirigir a emissora (agora como superintendente) e comandou uma das maiores (se não a maior) virada da história da televisão. As novidades trazidas por ele foram sopros de modernidade e inovação que poucas vezes se viu.


As novelas da Tupi começaram a imprimir uma dinâmica inovadora, revolucionária e bem brasileira na teledramaturgia — com novidades como, por exemplo, a abordagem de temas do cotidiano dos telespectadores, o uso de um tom coloquial nos diálogos (abandonando os formalismos), a criação de diversos núcleos com histórias quase independentes, a possibilidade de se fazer uma crítica social e familiar através da história, o surgimento de personagens com os quais o espectador se identifique com facilidade; eliminaram-se os ‘ganchos’ forçados no fim dos capítulos, os atores passaram a ter marcações mais livres em cena, entre muitas outras novidades que formam a base da telenovela brasileira até hoje.


Dessa fase, três grandes produções destacam-se pelo enorme sucesso: Antonio Maria (novela escrita e dirigida por Geraldo Vetri), Nino, o Italianinho (escrita, produzida e dirigida também por Geraldo Vetri) e o fenômeno Beto Rockfeller (escrita por Bráulio Pedroso e dirigida por Walter Lima — veja a abertura e, aqui, duas cenas da novela).


O impacto causado pelas novidades da Tupi na dramaturgia forçou a Globo a modificar radicalmente seu núcleo de novelas, antes comandado pela cubana Glória Madagan. As contratações de Janete Clair, Daniel Filho, além de autores, diretores e atores da Tupi e da recém-fechada Excelsior, logo revertem o jogo do Ibope a favor da Rede Globo, tendo como marco inicial dessa virada a novela Véu de Noiva.


Além das telenovelas, destacavam-se na programação as séries internacionais e os programas de auditório e entrevistas, especialmente Almoço com as Estrelas, Clube dos Artistas, Aerton Perlingeiro, Cidinha Campos, Flávio Cavalcanti e Silvio Santos com o seu Cidade Contra Cidade.


O sucesso de suas atrações populares, a falência da Excelsior e o enfraquecimento da Record (causado pelos sucessivos incêndios) colocaram a Tupi na vice-liderança isolada de audiência, mas muito atrás da Rede Globo que, desde 1970, ocupava, confortavelmente, a liderança nacional de audiência.


‘Miss Brasil’ e ‘Miss Universo’


Em 1971, um fato impressionante mudou os rumos da história das duas maiores emissoras de TV do Brasil e forçou o quase desaparecimento dos programas de auditório. Num mesmo domingo de setembro daquele ano, Flávio Cavalcanti e Chacrinha levaram para os seus palcos a mesma atração: uma mãe-de-santo, Dona Cacilda, que recebia ‘Seu Sete da Lira’, um exu do umbanda. Despachos e rezas ao vivo, banho de pinga na plateia, tumulto envolvendo mais de 5.000 pessoas e até mortes aconteceram naquela noite envolvendo essa apresentação.


A repercussão negativa desses acontecimentos forçou mudanças: Flávio Cavalcanti vai para a TV Rio e a Tupi estreia em seu lugar o Hoje é Dia de Show, que consegue manter, durante algum tempo, índices parecidos com o do antecessor naquele horário. Enquanto isso, a Globo cancela os programas de Dercy Gonçalves e, no lugar do Chacrinha, entra no ar o Fantástico. O único que se mantém no ar é Silvio Santos, pelo fato de não ser contratado da emissora, e sim ‘inquilino’ dela, já que ele pagava pelo horário que ocupava.


Durante toda a década de 1970, outras ótimas e bem-sucedidas novelas são apresentadas pela TV Tupi: Jerônimo, O Herói do Sertão (série de 1971 e regravada pelo SBT em 1984); Mulheres de Areia (original de 1973 e regravada pela Rede Globo exatamente vinte anos depois); O Machão (1974); A Viagem (de 1975, reprisada em 1980 e regravada pela Globo em 1994); Ídolo de Pano (um dos maiores sucessos da Tupi nessa fase, apresentado entre 1974 e 1975); Xeque-Mate (1976); O Profeta (produzida originalmente em 1977 e regravada pela Globo em 2007); Aritana (1978) e Gaivotas (1979).


Em fevereiro de 1973, Didi, Dedé, Mussum e Zacarias lançaram Os Trapalhões nos domingos da Tupi. Em janeiro de 1977, o programa se transferiu para a Globo.


Um ponto alto da trajetória da Rede Tupi (e também da TV brasileira) eram as transmissões dos concursos de ‘Miss Brasil’ e ‘Miss Universo’. A primeira ocorreu em 1951, tão logo o evento foi oficializado, e ficou no ar até o último ano da emissora, 1980.


Salários atrasados, demissões e greves


Na segunda metade dos anos 1970, a crise financeira se agrava ainda mais rapidamente na emissora, com os constantes atrasos de salário e enorme dívida com a Previdência Social. A fim de recuperar os índices de audiência do passado, a Rede Tupi traz para a sua grade muitos programas de auditório comandados por nomes como Flávio Cavalcanti, Chacrinha, Hebe Camargo, Moacyr Franco, Carlos Imperial, J. Silvestre e Silvio Santos. Silvio havia encerrado seu contrato com a Rede Globo e, em julho de 1975, passou a apresentar seu programa de domingo na Rede Tupi em conjunto com a Record e, depois, a TVS (futura SBT).


Entre 1977 e 1978, Mauro Salles ocupou a vice-presidência executiva da Tupi, enquanto Guga de Oliveira (irmão de Boni) foi para a superintendência de produção e programação, numa nova tentativa dos Diários Associados de sanear suas finanças e tornar a emissora outra vez competitiva. Mas devido a divergências internas, os dois acabaram saindo apenas três meses depois. No mesmo período é lançado o remake de O Direito de Nascer, com uma das maiores promoções até então realizadas na história da TV, mas que não obteve retorno à altura dos investimentos e serviu para aprofundar ainda mais a crise da Tupi.


Ainda em 1978, Walter Avancini assume o cargo que era ocupado por Guga de Oliveira. As manhãs e tardes passam a ser tomadas por programas religiosos e séries antigas. À noite, são lançadas as novelas Dinheiro Vivo e Como Salvar Meu Casamento. Aos domingos, após o Flávio Cavalcanti, às 22h, é apresentado Abertura, programa criado, produzido e dirigido por Fernando Barbosa Lima e que, através de grandes entrevistas e quadros dinâmicos e variados, apresentava ao Brasil o novo momento político que começava a nascer, na direção da restauração das liberdades democráticas.


Em paralelo à estreia desses programas, uma novidade aparece nas tardes de segunda a sexta da emissora Associada: o Aqui e Agora, um dos primeiros a apresentar dramas pessoais como grande atração. A TVS, em 1981, relançaria essa atração com a mesma equipe, só que com outro nome: O Povo na TV.


Mesmo com todos esses movimentos, a Rede Tupi não consegue sair da crise, que continua a se agravar cada vez mais. Durante todo o primeiro semestre de 1980, os salários permaneceram atrasados, ocorreram mais demissões e as greves e manifestações de funcionários por todo o país se intensificaram. Em São Paulo, a TV Tupi, juntamente com as rádios Difusora e Tupi SP, além do Diário da Noite e do Diário de S. Paulo, entram com pedido de concordata.


Talento e genialidade


Toda essa história chega a seu melancólico final quando equipes do Dentel foram às sete emissoras Associadas para efetuar a lacração dos seus transmissores. A TV Tupi, canal 4 da capital paulista, a primeira TV em língua portuguesa do mundo e a pioneira do Brasil, da América do Sul e do hemisfério Sul, foi a também a primeira a ser retirada do ar, e isso aconteceu sem nenhum tipo de resistência, pois os funcionários já estavam em greve.


Durante a manhã do dia 18 de julho de 1980, o processo de lacração da prosseguiu em outros pontos do país: às 9h20min foi a vez da TV Marajoara – Belém/PA; às 10h27min, TV Itacolomi – Belo Horizonte/MG; às 10h50min, TV Rádio Clube – Recife/PE; às 11h19min, TV Ceará – Fortaleza/CE e às 11h55min, TV Piratini – Porto Alegre/RS.


O momento mais dramático ocorreu na TV Tupi do Rio de Janeiro, canal 6. Foi organizada uma vigília que permaneceu no ar, ao vivo, durante quase vinte e quatro horas e que foi transmitida também para as afiliadas ainda restantes da Rede (com a greve de São Paulo, o Rio tornou-se a cabeça, ou seja, emissora geradora da programação nacional). Nessa maratona, foram proferidas pelos funcionários (e também por suas esposas) as mais variadas e desesperadas mensagens de apelo ao então presidente da República, o general João Figueiredo, chegando ao ponto de se proporem a trabalhar sem receber pelo tempo que fosse necessário, apenas para impedir que a emissora saísse do ar. O apoio recebido dos telespectadores encheu os funcionários de esperança, mas não foi suficiente para evitar o fim: às 12h33min, após a reprise da missa realizada naquele ano pelo papa João Paulo II no Aterro do Flamengo, seguida do choro dos cerca de 200 funcionários que lotavam os estúdios da Tupi no Cassino da Urca, o locutor Cévio Cordeiro leu, emocionado, um último apelo ao presidente da República, ao mesmo tempo em que a mensagem ‘Até breve, telespectadores amigos. Rede Tupi’ permanecia fixa na tela. Ao final, entra no ar o slide com o último símbolo da emissora e, logo que os cristais dos transmissores são retirados, a televisão pioneira sai do ar.


Exatamente dois meses antes de completar 30 anos no ar, a Rede Tupi de Televisão fechava as portas. Agora, começava uma intensa batalha envolvendo os funcionários desempregados, o governo e grandes grupos empresariais à época interessados em entrar no ramo de televisão, como Abril, Jornal do Brasil  (em sociedade com Walter Clark), Rádio Capital, Maksoud, Grupo Visão e Rede Rondon.


Após muita disputa, essa guerra se encerraria no dia 19 de agosto de 1981, com o anúncio dos dois grupos vencedores dessa concorrência: Silvio Santos (que, de forma inédita no mundo, no mesmo dia em que assina a concessão coloca as mesmas em funcionamento, inaugurando o Sistema Brasileiro de Televisão – SBT) e Bloch (que somente no dia 5/6/1983 iria estrear sua rede, a Manchete).


Os problemas que foram enfrentados pela Tupi durante sua trajetória não foram capazes de impedi-la de conquistar o carinho do público brasileiro e escrever, graças ao talento e a genialidade dos seus profissionais, muitas das mais belas páginas da história da televisão brasileira, que em 2010 completa 60 anos.


 


Leia também


TV 60 anos: regulação, o tema ausente — Luiz Egypto

******

Consultor e professor, Rio de Janeiro, RJ