Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A identidade visual através da ‘recópia’

Copiar não é fácil. Muitas vezes, a consequência é o trabalho mal feito ou réplica pobre de algo que já existe. Décadas atrás, muitos profissionais, programas ou modelos do telejornalismo brasileiro se pautaram em exemplos americanos, por ser uma atividade nova e ainda pouco difundida por aqui. Precisava-se, portanto, de um modelo. O Repórter Esso, na TV Tupi de Assis Chateaubriand, se estruturou da mesma forma dos programas americanos. Estruturas do radiojornalismo também foram importadas e adaptadas para a TV.

Os programas de telejornalismo americanos foram adaptados à realidade e à linguagem brasileira. Apenas a forma como as notícias eram distribuídas, os assuntos que regiam cada grupo de notícias e a forma como os jornalistas se portavam diante das câmeras é que foram incorporados. Já na importação do modelo do rádio, as alterações foram ainda mais intensas. A linguagem precisou sofrer uma adaptação pela limitação do tempo e a necessidade de aliar texto com imagem, os profissionais precisaram usar a voz em acordo com boa apresentação física. A voz pode conquistar mais a atenção e o respeito dos telespectadores pela forma como ela é utilizada.

Portanto, o telejornalismo brasileiro, desde sua implantação passou por uma série de embasamentos em outros modelos para que chegasse ao que é hoje. Com o passar dos anos, o Repórter Esso cedeu espaço, em 1969, ao Jornal Nacional. Mais ainda do que outros, o JN importou da forma mais fiel possível o modelo americano de telejornalismo, não sendo utilizada apenas a forma de ancoragem, que permitia maior mobilidade e oportunidade de emissão de opiniões dos apresentadores nos temas expostos.

No Jornal Nacional, o modelo de apresentação em bancada, não permite tanta maleabilidade. Dois apresentadores revezando-se na leitura das matérias, com roupas, cortes e posturas impecáveis, lendo as cabeças de forma fiel e sem emitir opinião ou qualquer tipo de comentário (cenário que gradativamente está mudando nos dias atuais).

Similaridade pode ser considerada cópia?

O sucesso de um modelo alerta a atenção de concorrentes. As emissoras Bandeirantes, SBT e Record, anos mais recentes no mercado, passaram a desempenhar o papel que o Repórter Esso e Jornal Nacional desempenharam em seu início, o de reprodutor. As técnicas de reprodução, em especial no século 20, atingiram níveis absurdos de qualidade e com elas todas as reproduções são capazes de manter suas características básicas e ainda melhorá-las no que for preciso. O avanço tecnológico foi utilizado como agente facilitador da reprodução, da cópia.

Mas, por mais perfeita que seja uma cópia, por mais fiel que sejam as reproduções de seu modelo, ainda assim alguma característica imperfeita, visível, estará presente. O Jornal Nacional só terá o efeito de sua exibição realmente como é de seu desejo se for exibido na Rede Globo, pois há todo um processo de sedução, legitimidade e credibilidade passada pelo canal e pelo programa ao telespectador. A bagagem histórica que o programa e o canal despertam nos telespectadores com apelo do discurso audiovisual de qualidade é imensamente maior do que a vontade de consumo de uma determinada informação. O consumo pode até acontecer, mas não se tornará fiel. Interpretando Walter Benjamin, à reprodução, por mais fiel que seja, sempre irá faltar algo. Por mais que uma obra seja de qualidade, ela irá perder alguma característica que a faça ser assistida por um grupo de telespectadores. A reprodução em massa de um produto origina a perda de sua aura.

Rede Globo e Rede Record na atualidade são as duas grandes forças do telejornalismo brasileiro. Estão disputando ao máximo, seja da forma de conteúdo, ou pela forma judicial, onde se atacam e impetram processos uma contra a outra. Investimentos que superam a casa dos milhões, como a Record fez ao gastar mais de R$100 milhões no lançamento e contratação de um time de 100 jornalistas para compor equipe e colocar no ar o novo site R7, que vem para competir com o G1, da concorrente. Aparências ou não, essa similaridade de conteúdos, de formas e de áreas de atuações podem ser consideradas cópias?

Originalidade deve embasar a qualidade

Todo e qualquer conteúdo precisa ser embasado em algum outro modelo para que alcance algum lugar. Se uma fórmula de sucesso, como o Globo Repórter, por exemplo, está no ar há tanto tempo, por que não a Record colocaria no ar o Repórter Record? Se o Fantástico, da Globo, não atraísse a atenção de centenas de milhares de cidadãos, nada mais natural do que a sua concorrente colocasse no ar o Domingo Espetacular.

Seja pela originalidade ou pela tentativa da cópia, grandes programas de telejornalismo, de apresentação e de repórteres são vistos no cenário atual. Todo profissional desempenha uma função no mercado e, devido a seu sucesso, tende a ser copiado ou a servir de inspiração para outros. O que não se deve é lutar pela similaridade a todo custo. É necessário buscar um exemplo e aprender a criar e amadurecer suas próprias características ao longo do tempo.

O repórteres, ao desempenharem seu ofício, ao gravarem a passagem, precisam exercitar a qualidade diária de sua função, devem manter a qualidade ao nível mais alto, pelo menos tentando chegar até ela. É preciso que esse profissional busque o máximo de originalidade possível e elabore sua performance de maneira a auxiliar o telespectador a compreender ao fato, e não ser mais importante que ele. Ao tentar se parecer com algum outro repórter de sucesso, ele poderá nada mais do que diminuir a eficiência de sua função primária, que é informar com clareza. Estará assumindo papel de estrela, e não de repórter.

Outro aspecto a ser observado é o mimetismo que na ciência é considerado a semelhança com um organismo semelhante, também pode ser apropriado para o tema aqui tratado. O profissional que usa do mimetismo pode ser claramente detectado no desempenhar de sua função. É possível identificar a sua imitação por usar de características semelhantes a quem ele quer se parecer. Acaba se confundindo com ele, seja nos gestos, na fala, no olhar ou até mesmo na forma de se vestir e no jeito em que penteia os cabelos.

Mas existem ainda aqueles profissionais que não usam do mimetismo, mas de outra estratégia bem semelhante, a camuflagem. Perfis que se camuflam podem ser considerados cópias quase perfeitas que se assemelham em tanto com o profissional espelhado que chegam a se aproximar ao extremo do ideal, mas, por ser uma reprodução, não conseguem desempenhar o papel sem perder a aura. Isso tudo, para evitar a detecção da cópia, ou seja, da reprodutividade de sua performance diante das câmeras.

A originalidade deve, portanto, embasar a qualidade de um trabalho. Quanto mais original e regido por características próprias ele for, mais eficiente se dará sua função e objetivo.

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Jornalista, Juiz de Fora, MG