Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A imprensa prosélita

A falta de comprovação de resultados objetivos na prática religiosa leva aos seus defensores proporem vantagens que na verdade não existem. Nenhuma possui a coragem hoje em dia defender que a sua é melhor do que as outras. Ou que as outras não funcionam para melhorar a vida. Afinal, todas são farinhas do mesmo saco das ilusões. Mas alegam que cultivar a espiritualidade ou a possuir e se dedicar a uma religião protege contra doenças, faz as pessoas viverem melhor, melhora a vida e a sociedade é mais pacífica e harmônica. É o que trata sobre o tema os artigos de Venício A. de Lima (ver aqui) e de Daniel Sottomaior (ver aqui). Eu mesmo já retruquei esta falsa verdade na matéria ‘O pensamento mágico no jornalismo’, em 26/8/2008 (ver aqui e em ‘Para isto que serve a reserva de mercado?’, em 7/10/2008 (ver aqui); que se alega que hoje em dia os médicos estão mais propensos a religião de seus pacientes. No entanto a quantidade de capas e de matérias dedicadas a este proselitismo é enorme na busca pela volta da idade média. Até a insuspeita CartaCapital e seu editor, Mino Carta, vejam só, trouxeram Deus à pauta como uma certeza de verdade inseparável para a vida sadia do homem.

Uma matéria objetiva da pesquisa realizada na London School of Hygiene and Tropical Medicine, coordenada pelo epidemiologista britânico Michel Coleman, relatada por Denise Menchen, 06/10/2008 – na Folha de S.Paulo, no Rio: ‘Câncer mata mais rápido no país, diz estudo’ (ver aqui) constatou a nossa pior qualidade de sobrevida nas doenças malignas como nos tumores de mama, próstata, cólon e reto em relação aos países desenvolvidos.

Fatos ‘negativos’ revelam imperfeições

Ao contrário do que apregoam os defensores da importância da religião para a proteção da vida, cura das doenças e da qualidade de vida, não existe relação com tal afirmação. O que se constata claramente é que os países mais desenvolvidos tecnologicamente e economicamente, possuem melhor qualidade de vida e de sobrevida nestas doenças. Ela está totalmente dependente de acesso ao conhecimento científico, dos exames, dos tratamentos, do acesso a medicamentos efetivos, da tecnologia cirúrgica empregada do que qualquer tipo de crença no sobrenatural que o paciente ou o seu médico possua ou pratique.

Assim como terremotos, tsunamis e furacões não poupam os crentes de qualquer tipo, também no caso das doenças, fenômeno natural ao qual todos os seres vivos estão sujeitos, apenas o conhecimento, a tecnologia e os medicamentos corretamente usados e disponíveis melhora a vida dos doentes. Assim como reza não cura pneumonia ou tuberculose, só o acesso aos antibióticos em qualidade e quantidade suficientes é possível de obter resultado. Rezando ou não, as ações dos medicamentos não mudam. Só o conformismo pode agir, do crente aceitar o menos, a falta de acesso, a catástrofe como imutável e vontade de Deus (ou dos deuses), a doença como prova purificadora, a dor como redentora para uma outra vida, na qual esta eles está aqui para ser castigado mesmo, ou por supostas faltas em vidas passadas.

‘Kwitko explica que por mais paradoxal que pareça, tudo que não agradar a nós estará atuando em nosso benefício, pois os fatos `negativos´ que encontramos na Terra, dos quais não gostamos (evitamos ser voluntários), são justamente os gatilhos que farão vir à tona as nossas imperfeições, o que viemos tratar aqui, o que precisamos eliminar (forças destrutivas de Allan Kardec)’, garante o médico gaúcho, pediatra e homeopata Mauro Kwitko, criador da Escola de Psicoterapia Reencarnacionista, no livro Como aproveitar a sua encarnação, pela editora Madras.

Maior país católico do mundo

Enquanto a mídia bate na tecla da religião e do espiritualismo, nosso povo vai atrás iludido pela má qualidade da nossa saúde pública, achando que estão faltando práticas esotéricas para melhorar as coisas e santinhos nas paredes de hospitais para melhorar o efeito medicamentoso e aumentar a sobrevida e os resultados.

Programa da National Geographic sobre o Alcorão entrevista um imã fundamentalista questionando como eles justificavam o suicídio como arma se o Alcorão, e por conseqüência Alá, proibia terminantemente isto. A desculpa dada para o repórter é que é a única arma que eles têm, pois não contam com as armas superiores do inimigo. Mesmo que Alá não tenha dado esta exceção, os mesmos continuam a iludir os incautos servindo de bucha de canhão para seus planos de poder, afirmando que neste caso eles sabem mais do que Alá, que não sabia que não devia ter proibido tal ato. E que os inimigos estarem melhores de vida não lhes despertam a suspeita de que talvez eles é que estejam errados e Alá está mandando os inimigos para demover seus planos.

Neste aspecto, a recuperação dos feridos civis e militares no Iraque ou Afeganistão é totalmente dependente da falta da mesma tecnologia, que diferencia a recuperação dos lesionados e a rede de apoio na recuperação médica do militar da coalizão e os resultados precários obtidos pelos civis, soldados e policiais iraquianos e insurgentes feridos. Assim como a qualidade da alimentação das tropas estrangeiras é superior à local, mesmo que os locais tenham uma dedicação ao Islã muito maior do que os invasores, vindos de países cristãos ricos. Pois a América cristã pobre padece das mesmas deficiências alimentares, de falta de saúde e saneamento. Como o nosso caso em relação ao câncer, mesmo sendo orgulhosamente o maior país católico do mundo.

Trabalho era um engodo

Mesmo assim, polulam na nossa mídia programas religiosos de televisão e rádios prometendo a fortuna na terra para quem seguir seus pastores e o reino eterno para os fiéis pagadores do dízimo. Claro que por pastores regados a uma vida forra sustentada pelos dízimos dos fiéis carentes. Revistas como a Superinteressante, Galileu, Veja, IstoÉ e a insuspeita CartaCapital se unem na pregação da necessidade da volta de Deus ao ambiente público e mental, esquecidos da sua inutilidade na história para prevenir desastres, evitar a escravidão, eliminar pobreza, deter a eclosão de epidemias (quanto mais esclarecer seus motivos) e melhorar a saúde e promover a convivência pacífica entre os fiéis. Coisa que ocorre em todos os cantos do mundo. A guerra e os atentados por motivação religiosa.

Assim causa espanto a enormidade de tempo que a mídia, revistas, jornais televisão e rádios gastem fazendo proselitismo em vez de divulgar conhecimento científico, espírito crítico, medidas para melhorar a vida e prevenir a saúde realmente eficazes. Nada contra alegações religiosas se elas se confirmassem fora da apregoação.

A Superinteressante publicou em 2000 o artigo: ‘SAÚDE – Rezar resolve?’ Na Duke University, pesquisadores investigam uma tese explosiva: orações poderiam ajudar a curar doentes, por Peter Maass (ver aqui), mas nunca, até hoje, voltou ao assunto mostrando que era um engodo o trabalho, cujo resultado foi igual quando ampliado o número de participantes, e até mesmo no teste-piloto que levou a esta matéria o grupo ‘beneficiado’ da reza tinha uma morte que o pesquisador, Dr. Mitchell Krucoff, considerou evento ‘não importante’ (Follow-Up Study on Prayer Therapy May Help Refute False and Misleading Information About Earlier Clinical Trial, ver aqui).

Mostrar provas ou arrecadar dízimo

Dr. Harold G. Koenig é co-diretor do Center for Spirituality, Theology, and Health at Duke University Medical Center, grande pregador dos benefícios da religião. No entanto, assim como se devem ter dúvidas de trabalhos de laboratórios farmacêuticos, o mesmo deve ser com o de pessoas dedicadas a religião, pois os ganhos que obtém, mesmo que não financeiros, são passíveis de verem coisas onde não existem. O que exemplifiquei na crítica da matéria de capa da IstoÉ, referida acima.

A BBC, no aspecto das alegações de médiuns, noticiou: ‘Nova lei britânica causa protesto de médiuns’ (ver aqui). O Office of Fair Trading, órgão do governo britânico de proteção ao consumidor criou uma nova lei de proteção do consumidor que deve facilitar os processos em casos de clientes insatisfeitos com seus serviços. Como alguns destes videntes cobram pelas consultas, a nova lei passará a classificá-los como ‘comerciantes’. As novas regras da União Européia têm o objetivo de proteger todos que forem enganados por comerciantes, não importando qual a mercadoria que está sendo vendida. As mudanças serão colocadas em prática a partir de maio. Alguns médiuns já começaram a divulgar, em suas propagandas, alertas em que se eximem de responsabilidades, como por exemplo: ‘Isso é apenas uma experiência, os resultados podem não ser garantidos’.

Carole McEntee Taylor, uma das fundadoras da Associação dos Trabalhadores Espirituais da Grã-Bretanha, teme que clientes insatisfeitos possam entrar com processos, caso os resultados não sejam os esperados. Para Taylor, o que videntes e médiuns praticam é espiritualismo, uma religião, e, assim como todas as outras religiões, suas práticas não deveriam exigir provas. (Porque, obviamente, não existe comprovação, mas ao mesmo tempo se denominam ‘trabalhadores’ e cobram bem pelos seus serviços de benefícios não comprovados.) Eu diria que todas deveriam mostrar provas antes de cobrar consultas ou arrecadar dízimo.

Fiéis podem ter desconto

Não se trata de por em dúvidas as crenças, mas de cobrar pelas alegações feitas. ‘É preciso educar o público a respeito de espiritualismo, a filosofia’, afirma. ‘Se eles forem educados sobre esta filosofia, não serão enganadas por pessoas que fazem alegações ridículas, pessoas que falam `se você me der tanto em dinheiro, poderei consertar´.’ A legislação provocou o protesto principalmente de médiuns e videntes, que terão que colocar avisos como ‘apenas para entretenimento’ se quiserem evitar processos de clientes insatisfeitos.

A mistura da religião com a prática médica é muito preocupante e danosa. Veja a notícia: Cairo, 20 ago. 08 / 07:54 pm .- ‘O Sindicato de Médicos do Egito, dominado pelos `Irmãos muçulmanos´, uma facção extremista do Islã, proibiu o transplante de órgãos entre quem professa a fé islâmica e os cristãos’ (ver aqui). Aqui, não se sentindo representados pelas associações médicas laicas existentes, já contamos com a Associação dos Médicos Espíritas do Brasil), o Capítulo Brasileiro da Associação Médica de Israel, a Associação dos Médicos Católicos), Associação de Dentistas e Médicos Evangélicos; Associação Médica Líbano Brasileira).

Pastores lançam projeto para fiéis só consumirem produtos de evangélicos, onde as empresas e prestadores de serviço cadastrados poderão ter acesso a descontos em serviços como odontologia e saúde. Dentistas e médicos cadastrados também são, preferencialmente, evangélicos (ver aqui).

Uns são mais iguais que outros

Para o cardiologista, fundador da Associação dos Médicos Católicos de Porto Alegre, o conceito do médico ateu é passado, ‘pois todos sabem que ajudam muito mais o paciente se ele olha para nós e vê além de tudo um modelo de fé’. Fernando Lucchese acredita que o fato de dividir responsabilidade do ato médico com a divindade faz com que os pacientes tenham mais confiança. ‘Se eu disser: `Eu vou fazer tudo o que posso para te restituir a saúde e nisso vou ser guiado por Deus, e acredito Nele´, o doente tem uma reação bem mais positiva frente aos seus problemas.’

Interessante que este Deus guia as mãos deste rico cirurgião no tratamento de seus ricos pacientes, enquanto negligencia as preces das crianças pobres e de suas mães sofridas que morrem por falta de vacinas, saneamento, água limpa, de medicamentos e farmácias accessíveis do SUS (sempre em falta crônica).

É o que eu digo em relação às pessoas dominadas pelos pensamentos religiosos. Não as amedronta qualquer mentira em nome da sua fé. Os fins, pensam, justificam os meios, nem que para isto eliminem a verdade. Os maiores crimes da humanidade não foram cometidos por loucos. Mas por aqueles que se diziam guiados. Abraão degolaria o filho num delírio. Moisés extermina milhares que tirara do cativeiro por apenas adorarem o bezerro de ouro feito pelo seu irmão, Aarão. O extermínio dos cananeus pelo povo que se auto-escolhera. Ricardo Coração de Leão mandou degolar três mil prisioneiros sarracenos que se entregaram para economizar comida. A morte de 20 mil protestantes na noite de São Bartolomeu. Os crimes nos campos de extermínio. O onze de setembro. Todos foram feitos por pessoas tidas como completamente normais. E pior, são venerados pelos seus atos de insanidade, inspirando atos iguais.

Parece que a filosofia que está prosperando é que todos somos iguais, mas para alguns, uns são mais iguais do que outros. Onde vamos parar já sabemos pela história da humanidade. Agora, contando com a ajuda da mídia.

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Médico, Porto Alegre, RS