Altamiro Borges (aqui) e Paulo Henrique Amorim (aqui) destacam fatos que demonstram a decadência da TV Globo. O texto de Miro mostra que o Faustão – em crise de audiência (e de faturamento?) – demitiu a banda de músicos. E que o Fantástico enfrenta a pior crise de sua longa história. O Paulo Henrique relata como a audiência do JN encolheu em dez anos: o jornal apresentado por Bonner perdeu um de cada quatro telespectadores de 2000 para 2010 – são números oficiais do Ibope.
São fatos. Não é bom brigar com eles. Mas é bom analisar esse processo com cautela.
Quando entrei na TV Globo, em 1995, o JN dava quase 50 pontos de audiência. Era massacrante. O Globo Repórter dava perto de 40 pontos.
Em 2005/2006, quando eu estava prestes a sair da emissora, o JN já tinha caído para a casa dos 36 ou 37 pontos (havia dias em que o jornal local conseguia mais audiência do que o principal jornal da casa) e o Globo Repórter se segurava em torno de 30 ou 32 pontos (programa que desse menos de 30 abria crise, era preciso sustentar a marca dos 30).
Avanços sociais
Esse tempo ficou pra trás. O JN já caiu pra menos de 30 pontos. E o Globo Repórter hoje patina em 24 ou 25 – dizem-me.
O Jornal da Record dobrou de audiência. Em São Paulo chega a 10 pontos, em outros estados passa dos 12 ou 13. Nas manhãs, a Globo e a Record (com o SBT um pouco atrás) brigam pau a pau. E a Record vence em muitos horários matutinos, há meses. Aos domingos, a Globo também sofre. A grande jóia da coroa da emissora carioca é o horário nobre durante a semana: novelas + JN. Nesse caso, os números revelam que o domínio da Globo se reduz, ainda que de forma lenta.
Muita gente espera o dia em que a Globo vai passar por uma hecatombe e deixará de ser a Globo. Acredito que isso não vai acontecer: a queda será lenta, negociada, chorada…
A Globo poderia ter quebrado ali pelo ano 2000. No primeiro governo FHC, Marluce Dias da Silva (então diretora geral) tivera duas idéias ‘brilhantes’: tomar dinheiro emprestado, em dólar, para capitalizar a empresa de TV a cabo do grupo; e centralizar as operações numa holding. Ela acreditou nas previsões do Gustavo Franco e da Miriam Leitão, de que o Real valeria um dólar para todo o sempre. Passada a reeleição de FHC, em 1998, o Brasil quebrou, veio a crise cambial e a Globo ficou pendurada numa dívida em dólar que (de uma semana para outra) triplicou.
A dívida era da TV a cabo mas, como Marluce e os geniais irmãos Marinho tinham centralizado as operações na holding, contaminou todo o grupo. A Globo entrou em default. Quebrou tecnicamente. Poderia ter virado uma Varig. Mas conseguiu (sabe-se lá com quais acordos e pressões políticas) equalizar a dívida.
Quando saiu da crise, em meados do primeiro mandato de Lula, a Globo (o jornalismo) estava já sob os auspícios de Ali Kamel – o Ratzinger. Ele conduziu a empresa para a direita: contra as cotas nas universidades, contras as políticas de combate ao racismo (‘Não somos racistas’, diz), contra o Bolsa-Família. O grande público não percebe isso de forma racional. Mas (mesmo que de forma despolitizada) sente que a Globo ficou contra todos os avanços sociais dos últimos oito anos. Lentamente, foi-se criando uma antipatia no público. Ouve-se por aí: a Globo não fica do lado do povão.
Elefante branco
Não é à toa que um fenômeno novo surge nas grandes cidades, como São Paulo. Nas padarias, restaurantes populares, pontos de táxi, era comum ver televisores ligados sempre na Globo. Isso há sete ou oito anos. Acabou. De manhã, especialmente, a programação da Record e do SBT (e às vezes também dos canais a cabo) entra nas padarias, ocupa os lugares públicos.
Essa é uma mudança simbólica.
Mas é bom não brigar com outro fato: boa parte do público segue a ter admiração e carinho pela programação da Globo. E há motivos para isso, entre eles a qualidade técnica. A iluminação, a textura da imagem, o cuidado com o bom acabamento. Tudo isso a Globo conseguiu manter – apesar de muitos tropeços aqui e ali.
Fora isso, apesar de toda crítica que façamos (e eu aqui faço muito) ao jornalismo global, é bom não esquecer que na TV da família Marinho há sim ótimos profissionais, gente séria que tenta (e muitas vezes consegue) fazer bom jornalismo.
Esse capital – qualidade técnica – a turma do Jardim Botânico tem conseguido manter. O que não ajuda: a política editorial, adotada por exemplo durante a posse de Dilma. Ironias desmedidas, falta de compreensão do momento histórico e uma arrogância de quem se acha no direito de ‘ensinar’ como Dilma deve governar. A seguir nessa toada, a decadência será mais rápida.
E o que mais pode entornar o caldo por lá? Grana.
A Globo tem custos altíssimos de produção. Quem conhece de perto o Projac diz que aquilo é uma fábrica de boas novelas e minisséries, mas também uma fábrica de desperdício. Empresa familiar, que cresceu demais. Cada naco dominado por um diretor, como se fosse um feudo. Até hoje a Globo conseguiu manter essa estrutura porque ficava com uma porção gigante das verbas públicas de publicidade (isso mudou com Lula-Franklin Martins) e com uma porção enorme da publicidade privada: o BV – bônus em que a agência é ‘premiada’ pela Globo se concentrar seus anúncios na emissora – explica em parte essa ‘mágica’; outra explicação é que a Globo detém (detinha!?) de fato fatia avassaladora da audiência.
Com menos audiência, as agências (ou as empresas anunciantes, através das agências) podem pressionar para que o valor dos anúncios caia. Se isso acontecer, a Globo vai virar um elefante branco. Impossível manter aquela estrutura verticalizada se a grana encurtar.
Mercado dividido
Qual o limite que a Globo suporta? Difícil saber. Mas dispensa da banda do Faustão é um indicador de que a água pode estar subindo rápido.
Outro problema sério: o risco de perder a transmissão do futebol, ou de ter que pagar caro demais para mantê-la.
Tudo isso está no horizonte. E mais: a entrada das teles no jogo. O Grupo Telefônica, por exemplo, fatura dez vezes mais que a Globo. Como concorrer? Só com regulação do mercado, assegurando nacos para os proprietários nacionais.
Ou seja: a Globo – que é contra a regulamentação (‘censura’, eles bradam) por princípio – vai ter que pedir água, vai ter que negociar alguma regulação para conter os estrangeiros. E aí pode entrar também a regulação que interessa à sociedade: critérios para concessões, e também para evitar o lixo eletrônico e os abusos generalizados na TV. Regulação, como em qualquer país civilizado. Até aqui a Globo tentou barrar esse debate. Mas vai ter que aceitá-lo agora, porque ficou mais frágil.
De minha parte, não torço para que aconteça nenhuma ‘hecatombe’, nem que a Globo quebre. Mas para que fique menos forte, e que o mercado se divida.
Parece que é isso que está para acontecer. Seria saudável para o Brasil.
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Jornalista