Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A mediocridade ganha terreno

Tive o prazer de assistir ao filme Boa noite e boa sorte (Good night and good luck), que na realidade era o slogan de despedida do programa do repórter Edward R. Murrow, na década de 1950, na TV americana CBS. O filme é praticamente dedicado a ele, mostrando parte de seu trabalho de jornalismo investigativo para desmascarar e desmistificar toda a loucura imposta à sociedade americana pelo senador do estado de Wisconsin Joseph McCarthy.

O que mais me chamou a atenção, independentemente do assunto abordado pelo filme, foi o fato de que numa cerimônia em sua homenagem em 1958 Murrow, no discurso de agradecimento [traduzido e publicado pelo OI, ver remissão abaixo], faz advertência direta e grave sobre o papel social da televisão como veículo de livre expressão, de independência de informação e de formação social.

Na realidade, o filme se desenvolve a partir daquela cerimônia. E o que ele falou lá em 1958, quase 40 anos atrás, é uma verdade tão presente nos dias atuais que a impressão que se tem é de que ele está vivendo nosso momento atual, porque se insere e é perfeitamente enquadrável nesse esquema de diversão e alienação social que nos é imposto pelas principais redes de TV aberta no Brasil – em que a mediocridade, o mau gosto, a falta de ética e até mesmo a subtração ou o desvio de informação colaboram de forma inequívoca para o empobrecimento cultural brasileiro, principalmente dos mais jovens.

A TV Globo exerce uma política de informação muito estranha e desigual, em que os fatos e acontecimentos não-cobertos por ela não são sequer citados em seus programas jornalísticos, a não ser que venham a ter muita repercussão. É o caso de assuntos esportivos como as provas de automobilismo que não sejam da Fórmula 1).

O programa OI na TV de 18/4, ao abordar a infeliz reportagem sobre a jovem Von Richthofen veio a calhar. O documentário de MV Bill é outro exemplo desse tipo de inconseqüência. A intenção foi jogar o filme no ar em primeira mão, sem se importar com os desdobramentos que o assunto requeria e depois captar, no Jornal Nacional, a impressão e a repercussão do fato entre algumas personalidades do cenário jurídico, político e artístico nacional, nada mais. Com um objetivo bem centrado, o ibope. Sim, esse era e é o verdadeiro objetivo. Mostrar o poder de penetração da emissora no país, e com isso aumentar os lucros do conglomerado.

Houve por parte da emissora a preocupação em fazer programas de debate com autoridades, políticos, estudiosos, jornalistas etc., por exemplo, para que um assunto tão grave fosse aprofundado, chamando quem de direito à responsabilidade? Ou, pelo menos, tentando colaborar para minimizar ou ajudar a solucionar o problema? Não, claro que não, isso não dá ibope. Aliás, o que foi mostrado já é passado, o imediatismo é que passou a nos orientar, o que menos se vê na TV é a preocupação de informar, esclarecer e difundir a nossa realidade pátria. A TV não poderia faturar com os famigerados telefones prefixo 0300, para que o público idiotizado se manifeste contra ou a favor, como nos BBB, Faustões e coisas do gênero, que nos são empurrados goela abaixo.

Estou citando a Globo porque, inequivocamente, é a rede de maior penetração nacional. Mas a receita do bolo é aplicada pelas demais, e para todas o importante é o cunho sensacionalista. A Globo passou a jogar nesse time mais recentemente. A mediocridade ganha terreno. A impressão é de que as emissoras não estão interessadas em informar, em esclarecer a população com programas e matérias de interesse geral, no intuito de melhor informar e formar opinião, mas unicamente alardear, bombardear e obter o aumento do famigerado ibope.

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Bancário, Rio de Janeiro