Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A mídia colaborativa em grande escala

Entrou no ar na segunda-feira (1º/8) o Current TV, que tem entre os principais acionistas o ex-vice-presidente dos EUA Al Gore e o megaempresário John Hyatt. É a primeira grande proposta em televisão de mídia colaborativa. Pelo menos 25% da programação da emissora é criada pelo público – e o projeto prevê que essa proporção aumente nos próximos anos.


Todo o conteúdo da emissora tem o formato de pods. São módulos de menos de 10 minutos cobrindo todos os assuntos. Muitos a chamam de blog TV. É uma inevitável analogia com a sociedade dos blogs, mas principalmente com a sua evolução para os pods, e daí para os podcasts, porque permite a disseminação de conteúdo criado pelo consumidor para o meio televisão – no caso do Current TV, para 20 milhões de domicílios.


O espectador tem um espelho da programação instantaneamente, de uma forma que lembra o gerenciamento de programação desenvolvido pelas operadoras de DTH, mas com uma agilidade muito maior. Pode-se conhecê-lo com detalhes no site da emissora.


Ameaça real


A rapidez do avanço dos podcasts surpreendeu o mundo inteiro. É a bola da vez no cardápio dos aplicativos das evoluções tecnológicas. Podcast é uma forma de transmissão de programas de áudio utilizando feeds RSS para distribuir o conteúdo. Os programas são gravados em qualquer formato digital, como o popular MP3, e ficam armazenados em um servidor na internet. Eles são baixados pelo usuário por intermédio de um agregador – programa que reconhece os feeds que foram adicionados e os encaminha para a máquina. Sua invenção é creditada a um ex-VJ da MTV Adam Curry, que criou o primeiro agregador de podcasts e disponibilizou o código na internet para que qualquer um pudesse utilizá-lo.


A evolução a partir daí foi espantosa. Segundo dados da Pew Internet and American Life Project, publicados em abril, 29% dos adultos dos Estados Unidos que possuem um player de música digital já baixaram programas podcast da internet. Isso significa que mais de 6 milhões de pessoas já estão ouvindo uma forma de comunicação que surgiu no ano passado. Toda essa gente não consome apenas música. Precisa se entreter e também se informar. Mas não vê televisão nem lê jornais da mesma forma como se fazia na jurássica década de 1990.


O Current TV também está sendo desenvolvido há apenas um ano. No início se chamava INdTV. O marketing contido na escolha dos nomes aponta para uma busca por contemporaneidade e independência. A premissa é que a mídia é tão mais contemporânea quanto independente. Se a nova emissora vai observar isso na prática, é impossível prever. Mas a tecnologia que vem facilitando exponencialmente a produção e distribuição de conteúdo aponta a cada dia nessa direção. Este Observatório, por exemplo, seria impensável em qualquer mídia anterior à internet.


O caso dos celulares durante os atentados de julho, em Londres, somente fez convergir as atenções sobre um fato do qual já se tinha conhecimento: qualquer cidadão dispõe hoje de mecanismos para fazer e distribuir a notícia. E tanto a qualidade quanto a abrangência desses mecanismos evoluem com rapidez exponencial. Essa é uma ameaça real à mídia estratificada, e que não se resume ao volume de informação capaz de ser distribuído, mas diz respeito principalmente à sua qualidade – área em que a confiabilidade é sem dúvida um dos vetores principais.


Qualidade de diálogo


O jornalismo que se pratica na televisão brasileira é incomparavelmente melhor que há vinte anos. Ainda assim, a leviandade com que em muitos casos se trata a notícia num meio que se tornou mais massificado beira a ação criminosa.


Assistir aos vivo aos debates das CPIs é uma prerrogativa dos 7% dos brasileiros que podem se dar ao luxo de assinar uma operadora de TV por assinatura. É extraordinário que nenhuma das TVs abertas nanicas, que operam com menos de 2% do bolo publicitário, tenha se dado ao trabalho de colocar no ar este sinal – que é gratuito, não implica desfaturamento, aumentaria a audiência e significaria um bom serviço aos 73% menos favorecidos da sociedade brasileira.


É mais extraordinário ainda que as emissoras públicas abertas tenham seguido o mesmo caminho. Ao descrever o cenário do depoimento onde se encontrariam os deputados José Dirceu e Roberto Jefferson, um embate aguardado ansiosamente por toda a sociedade brasileira, O Globo de terça-feira (2/8) registra: "As emissoras de televisão que quiserem transmitir ao vivo poderão pegar o sinal gerado pela TV Câmara". O jornal cita a Globonews e a CBN, omite a Bandnews e complementa que "até ontem à noite, nenhum canal de TV aberta havia solicitado o sinal para transmissão ao vivo".


A principal razão para esse tratamento está na verticalidade da relação com o espectador. A TV é avaliada pelos padrões que ela mesma define. Por causa disso, suas piores distorções são lidas como predicados naturais. Não causa espanto que seja tão comumente vista como um veículo de segunda classe. Na mídia impressa, como se sabe, muitos jornalistas se defendem criando seus próprios blogs – e às vezes é impressionante a diferença de qualidade de informação entre o que está lá e o que é publicado nos jornais.


A horizontalidade da informação propiciada pelos podcasts pode ser uma das respostas à indagação sobre como as novas gerações se dispõem (e se disporão) a consumir informações. A grande mídia absorverá rapidamente todo esse novo instrumental. Desde o final de julho, a Fox passou a publicar podcasts atrelados a seus programas de televisão. As emissoras MSNBC, TBS e ABC já haviam feito o mesmo. Mas essa mídia hegemônica não tem como absorver a mesma postura de milhões de pessoas que de repente passam a produzir e distribuir informação.


É inevitável o surgimento, junto à melhor qualidade de diálogo com o usuário, de novos modelos de negócio que venham se somar ao ambiente de convergência com o setor de telecomunicações e com a implantação das plataformas de TV digital.


Modelos próprios


O diário Valor Econômico do último fim de semana (29, 30, 31/7) informa que a operadora de telefonia norte-americana NobelCom procurou a AllTV (TV via internet baseada em São Paulo) para chegar à comunidade brasileira nos EUA. É pouca coisa, mas seria um engano confundir ações assim com uma brincadeira. Não pode passar despercebido o fato de que a primeira grande emissora de televisão surgida nos EUA nos últimos dez anos não segue a estrutura convencional das emissoras de TV, mas a de um podcast.


Não é difícil sentir o cheiro de esgotamento de modelos. A inadequação do conteúdo é o primeiro sintoma. Por quanto tempo os mais jovens aceitarão trocar o depoimento do José Dirceu por uma pegadinha do João Kleber?


As novas gerações não buscam apenas modelos próprios de se entreter. Elas contam com modelos próprios de se informar – e nem a tecnologia e muito menos a observação empírica da realidade lhes dão qualquer razão para acreditar que esta informação continue sendo vertical e tenha apenas uma direção.