Pode-se refletir, expor idéias complexas e analisar o mundo na mídia eletrônica? A resposta é não. Pelo menos na grande maioria dos programas.
Essa é a opinião do filósofo Jacques Derrida, de 73 anos, expressa em longa e densa entrevista no primeiro número de abril da revista semanal Les Inrockuptibles, editada na França. Nela, Derrida falou de guerra e de terrorismo (conceitos que, segundo ele, devem ser redefinidos à luz da nova complexidade mundial), das relações do intelectual com o poder, da altermundialização, da televisão, dos intelectuais midiáticos, do conceito de politicamente correto e do documento ‘Apelo contra a guerra à inteligência’, que ele assinou com centenas de intelectuais franceses, para protestar contra a política do governo Chirac nas áreas de educação, cultura e pesquisa.
Como Pierre Bourdieu, que ele cita, Jacques Derrida faz uma análise da TV e do ritmo vertiginoso de ‘rapidez telegráfica imposta violentamente por alguns veículos’. Ele explica que sempre se recusou a participar de programas de TV por não querer se moldar a formatos e ritmos incompatíveis com o seu próprio ritmo e com sua reflexão.
Analisando o campo midiático francês, a crítica do filósofo não poderia ser mais direta e clara. Plenamente de acordo com Bourdieu, ele afirma que ‘todos os discursos aparentemente complicados, sofisticados, prudentes e com nuances foram, de alguma forma, excluídos da televisão’. Mas, constata Derrida, essa evolução não poupou a imprensa escrita:
‘Quantas vezes me explicaram que era complicado demais, que era preciso cortar porque as pessoas não ‘acompanhariam’?
‘Guerra implacável’
Sem condescendência, o filósofo continua :
‘Os responsáveis pelos meios de comunicação, que estruturam o campo do espaço público francês, empreendem uma verdadeira caça à inteligência, uma ofensiva contra tudo o que manifesta inteligência e o que é necessariamente complicado, circunspecto, que tem nuances, que tem seu ritmo, demanda tempo e lentidão’.
O que ele e Bourdieu dizem sobre a televisão é uma realidade que pode ser verificada não somente na França. A análise derridiana é válida (de A à Z) num certo país tropical, do samba e do futebol.
‘Pedem para ir direto ao objetivo, juntar tudo numa espécie de slogan ou palavra de ordem. Se tomo precauções, se começo a entrar em sutilezas, cortam-me, interrompem, me fazem compreender que os índices de audiência serão prejudicados. É melhor convidar outros, sempre os mesmos, que querem se adaptar a esta lei para extrair seus pequenos lucros. Esta obrigação de simplificar, o triunfo do simplismo, pode ser interpretada como uma guerra – consciente ou não, deliberada ou não, mas implacável – contra a inteligência, os intelectuais ou, mais amplamente, contra a intelectualidade. Tratando-se de literatura, de política ou de seja o que for, fazer passar um discurso complicado pela televisão continua a ser uma proeza. Com a multiplicação dos canais, por um breve momento sonhei com programas nos quais pudéssemos perder tempo, dar lugar aos silêncios, às hesitações (que considero, em alguns casos, mais fascinantes e ‘midiáticos’ que o contrário, mas deixemos pra lá). O ibope está alerta – e, portanto, a publicidade – e a concorrência trabalha em sentido inverso. Os canais públicos marcham no mesmo ritmo dos canais privados.’
Sem internet
Até uma certa época, o filósofo se recusou até mesmo a ser fotografado por considerar que o escritor ou o filósofo não tinham que aparecer na capa de seus livros. Depois, cedeu ao que ele chama de ‘coquetterie’. Hoje, depois de dois documentários dedicados a ele, aos quais se submeteu sob a condição de acompanhar de perto a edição, Derrida admite que é preciso ‘controlar essas aparições e aproveitar para confessar sua desconfiança em relação à midiatização’.
Para Derrida, o intelectual não deve resistir à mídia em geral, mas a alguns veículos. Ele cita um antigo programa de televisão francês no qual os entrevistadores, Desgraupes e Dumayet, conversavam com intelectuais, ouvindo-os, aceitando ‘seus silêncios e suas hesitações’. Ele diz que não tem nada a opor a esse tipo de televisão e que continua a esperar que um dia ressuscitem suas qualidades. E completa: ‘É preciso não se deixar usar pela mídia’.
No fim da conversa em torno do tema mídia, Derrida confessa que vê muito televisão e lê atentamente os jornais. Com um ritmo de trabalho trepidante, que o leva de um continente ao outro para conferências, seminários e colóquios, publicando uma media de três livros por ano, entre textos de conferências e ensaios, a gente se pergunta como ele encontra tempo de ver televisão. Vai ver que continua sem se render à internet, como confessou no workshop que deu no Rio, para psicanalistas, em junho de 2001. Sem e-mail e sem as tentações da rede, o tempo do intelectual do século 21 fica mais elástico.