João Sayad leva para a TV Cultura novas ideias e, em especial, um novo projeto de gestão. Há exatamente um ano ele assumiu a presidência da Fundação Padre Anchieta (FPA), entidade mantenedora da TV Cultura e das rádios Cultura AM e FM. Para avaliar as mudanças ocorridas, entrevistei Sayad e assisti durante um mês à maioria dos programas dessa emissora – que vi nascer em 1969 e sobre a qual tenho escrito com frequência.
“Nosso objetivo é a audiência”, enfatiza João Sayad. Mas ressalva que esse não é o único nem o objetivo principal da emissora. O crescimento da audiência, entretanto, ainda está distante.
A economia
Do orçamento total de R$ 190 milhões da Fundação, R$ 85 milhões vêm do governo do estado; R$ 35 milhões das receitas de publicidade; e o restante de serviços de educação e ensino à distância e da Lei Rouanet. Só a folha de pagamento de pessoal consome R$ 140 milhões.
Com outras despesas, o que sobra para novos programas é relativamente pouco. Neste ano, por exemplo, serão aplicados apenas R$ 9 milhões para custear 15 programas novos. Para reestruturar sua economia, racionalizar os custos e melhorar esses números, a Fundação conta com o apoio de três consultorias de renome.
Passivo trabalhista
Ao longo dos últimos 10 anos, a Fundação Padre Anchieta deixou de cumprir alguns acordos trabalhistas originados de dissídios coletivos. Daí surgiu um passivo trabalhista que, na visão de Sayad, decorre muito mais de uma interpretação ambígua da Justiça do Trabalho, que ora considera o pessoal como funcionários públicos estatutários, ora como trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Como pagar essa dívida? Sayad explica que qualquer que venha a ser a definição da Justiça, caberá ao Tesouro estadual pagar o que for devido.
Desafio operacional
Música clássica é um dos produtos nobres da TV Cultura. Mas a captação de concertos como, por exemplo, os da abertura do Festival de Campos de Jordão ainda é cara, pois exige uma equipe de TV de até 60 pessoas, com bom conhecimento musical. Para baixar esse custo, Sayad conta com o apoio de gerentes profissionais dessa área, que esperam reduzir as equipes de 60 para 45 pessoas, com o uso de câmeras automáticas e de outros recursos.
Além de gravações de orquestras e artistas brasileiros, a TV Cultura adquiriu os direitos de programas de grandes orquestras internacionais, entre as quais a Concertgebow de Amsterdã, regida por Mariss Janson, bem como documentários sobre Tchaikovsky, Bach e Beethoven. Na grade atual, a música clássica deverá ter mais espaço, além de dois programas já lançados aos sábados e domingos à tarde.
TV na internet
Nestes tempos de convergência digital, a TV Cultura enfrenta desafios semelhantes aos de todas as televisões brasileiras e dos jornais. Mesmo assim, a emissora já vive a realidade da multimídia, com boa presença na internet. O número de internautas que visitam o novo site da TV Cultura cresce ao ritmo de mil por dia e o telespectador pode ver todos os programas na internet, até com alguma interatividade, com joguinhos e redes sociais, como Facebook, Twitter e outras.
A tecnologia digital permitiu desde 2009 um salto de qualidade na imagem da TV Cultura, que já transmite todos os programas em alta definição (High Definition ou HDTV). A digitalização possibilitou também a uso de mais dois canais na mesma faixa de frequência: os canais 2.1 para a emissora aberta tradicional; o canal 2.2 Univest, mantido pelas universidades públicas paulistas; e o 2.3, denominado Multicultura. Embora ainda quase desconhecidos dos telespectadores, esses canais adicionais prometem novas opções culturais para o público, mas precisam de uma estruturação mais completa.
As mudanças
A nova programação já revela alguns progressos. Os programas infantis continuam sendo um dos pontos fortes da emissora, tendo o superpremiado Castelo Rá Tim Bum à frente. Vale destacar, também, os magníficos documentários da BBC, gravados em HDTV, com a qualidade dos Blu-ray discs.
O programa Roda Viva – talvez o melhor programa de entrevistas da TV brasileira – é um bom exemplo das novas mudanças. Ganhou nova dinâmica com Marília Gabriela e dois jornalistas fixos, Augusto Nunes e Paulo Moreira Leite, que funcionam como âncoras auxiliares, além de dois outros entrevistadores convidados.
O Jornal da Cultura melhora a cada dia, com a espontaneidade de Maria Cristina Poli, uma hora de duração e dois debatedores de alto nível para analisar os temas mais atuais e polêmicos.
Três outros programas, que já eram de boa qualidade, estão ainda melhores: o Café Filosófico, o Metrópolis e o excelente Ensaio, de música popular brasileira.
No entanto, Sr. Brasil e Viola Minha Viola, programas tradicionais de música brasileira, precisam de uma boa renovação.
Finalmente, uma sugestão na área de telejornalismo, área de vocação comprovada da TV Cultura: a emissora talvez pudesse lançar mais dois programas semanais de entrevistas. Um deles voltado para as artes, a cultura ou a ciência. E outro, essencialmente político, ao estilo do Meet the Press, da NBC norte-americana, com os melhores jornalistas, numa espécie de entrevista coletiva com líderes do país.
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[Ethevaldo Siqueira é jornalista, colunista do Estado de S.Paulo]