Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A mediocridade de um produto cultural célebre

Miguel Falabella decretou que a idade mental dos telespectadores brasileiros é de nove anos. Mais que uma ofensa, a afirmação é um reconhecimento da mediocridade de alguns dos mais célebres produtores culturais do Brasil, incluindo nesse rol o próprio Miguel, pois somente pessoas com deficiência intelectual seriam capazes de produzir ‘obras’ assimiláveis tendo como alvo os débeis mentais.

A televisão, há muito tempo, com raríssimas exceções, tem o papel de idiotizar as pessoas, particularmente com as novelas, das quais Falabella é neófito autor. Não me lembro das novelas que ele escreveu; lembro-me, porém, de algumas novelas de muito sucesso da Rede Globo, nas quais os idiotas, inclusive este que escreve, fomos levados a inverter nosso senso moral para aplaudir bandidos e torcer contra os mocinhos por achar que uma pessoa honesta é ‘banana’, que o marido fiel à sua esposa é um ‘otário’, que se dar bem de qualquer maneira é a regra, e o respeito aos valores e princípios éticos é a exceção.

Das últimas novelas que meu estômago suportou digerir citarei adiante algumas a partir das quais a televisão brasileira, especialmente a Globo, com suas novelas, inventou um novo tipo de personagem: o vilão que nos faz rir e, entretendo-nos, leva-nos a concluir que vivemos em uma sociedade em que a única regra válida é a do lucro pessoal a despeito de interesses e valores que nos cercam.

Perversidade amenizada

Em determinado momento da telenovela brasileira, os autores globais concluíram que personagens como Odete Roitman, na novela Vale Tudo, vivido por Beatriz Segal, a gêmea malvada Raquel, interpretada por Glória Pires em Mulheres de Areia, ou mesmo a personagem de Cláudia Arraia em Torre de Babel, Ângela, por sua extrema maldade, causavam tamanho ódio nos telespectadores que muitos destes, ao verem os artistas na ‘vida real’, os hostilizavam a ponto de lançar-lhes insultos, quando não objetos, servindo-se desse instrumento radical e mal-educado para externar seu desejo de ver a justiça, que a muitos deixa impunes, na vida real ao menos na ficção funcionar.

Quem sabe para livrar os artistas de telespectadores ingênuos e indignados, insuflados pela mistura explosiva e perigosa desses dois ingredientes, os autores resolveram, sem diminuir a maldade dos vilões, conferir a eles também uma certa ingenuidade, ou não intencionalidade nas ações, tirando delas o dolo evidente pela maquiagem do humor e do gracejo de trejeitos, falas, caras e bocas, pelos quais se tornou possível que a perversidade de uma cena na qual o vilão esteja a engendrar um golpe, quiçá um assassinato, seja amenizada pelo tom jocoso da situação criada exatamente para esse fim.

Enchendo os bolsos de idiotas como ele

Viúva Porcina e Sinhozinho Malta, personagens de Regina e Lima Duarte em Roque Santeiro; Perpétua, de Joana Fomm em Tieta, Altiva, vivida por Eva Wilma em A Indomada, e atualmente a ‘santarrona’ Imaculada, personagem de Elizabeth Savalla em A Padroeira, são exemplos perfeitos de como os vilões antigos foram inteiramente substituídos pelos novos, os quais, mesmo fazendo maldades, planejando seqüestros, roubos e assassinatos, agora também nos fazem sorrir, levando-nos a aceitá-los sem nenhuma ressalva na consciência, nenhuma análise reflexiva sobre a maldade humana, parecendo mesmo que o mal dos homens não passa de uma simples obra de ficção, inexistindo na vida real, composta de telespectadores ávidos e prontos a consumir tudo aquilo que a televisão lhes queira ensinar, tal fato sendo já talvez um fruto dessa relativização da maldade e da idiotização de pessoas – que nem isso conseguem perceber.

Miguel Falabella acertou em cheio ao dizer que somos todos idiotas, pois somos nós que enchemos o bolso de outros idiotas, como ele.

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Professor, Belém, PA