Por muitos anos, o Jornal da Cultura serviu como contraponto e alento à ‘informação oficial’ transmitida pelo Jornal Nacional da TV Globo e os papagaios das demais redes. Se as notícias publicadas num jornal em papel e noutro são tão parecidas, já que todos bebem das mesmas fontes/agências internacionais, o que se dirá do jornalismo televisivo, cuja produção é ainda mais cara? Informação de qualidade, comentários equilibrados e histórias pesquisadas e colhidas nas ruas entre pessoas reais faziam a diferença no jornalismo público da TV Cultura de São Paulo.
E, de certa forma, ainda fazem. O problema é a sabotagem deliberada que vem sendo feita pouco a pouco, e que agora finalmente mostra a sua face de vez. Durante mais de uma década em que o PSDB vem governando São Paulo, a nossa rede pública de televisão tem passado por um processo contínuo de privatização. Não, a rede ainda não foi ‘vendida’. Mas o conceito de que o serviço público não deveria ficar a reboque de interesses particulares vem pouco a pouco sendo esquecido. Com isso, a frase ‘Apoio cultural empresa tal’, que era a única propaganda permitida na Cultura antigamente, foi substituída por uma política de abertura de intervalos comerciais idêntica à das demais redes de TV, oferecendo tônicos capilares, empréstimos bancários, eletrodomésticos etc.
Real economia de mercado
Pior, enquanto o espaço no intervalo do Jornal Nacional com certeza é caríssimo, como rede pública a Cultura provavelmente ofereça condições melhores ao anunciante. Com isso, os intervalos do Jornal da Cultura têm 3,5 minutos para cada período de 4,5 minutos de noticiário. As paradas constantes para os mesmos anúncios tornaram o jornal difícil de se assistir, mesmo para quem busca notícias alternativas.
A desculpa é a mesma utilizada agora pelo ombudsman da Cultura para pregar abertamente o fim do jornalismo na rede: ‘Consumo de dinheiro público’. Para que o estado ‘gastar’ com informação de qualidade, se o mercado pode tão bem informar aos consumidores sobre os melhores produtos disponíveis para quem tem dinheiro? E se a população não tiver dinheiro? Aí é fácil também: basta olhar no verso do cartão do novo bilhete único distribuído pelo ex-prefeito de São Paulo, que nos deixou nas mãos de um antigo secretário de Celso Pitta e agora vai disputar o governo do estado. Como o transporte da população também é ‘gasto’ do dinheiro ‘público’, a prefeitura vendeu o espaço nos bilhetes para uma empresa financeira privada anunciar ‘dinheiro fácil e sem complicação’, para o povo se endividar à vontade.
Aliás, alguém sabe a quantas anda o projeto de se colocarem anúncios nos uniformes dos estudantes da rede pública de ensino? Se liberarem a propaganda de McDonalds e Coca-Cola nas camisas da garotada, estaremos um passo mais próximos de uma real economia de mercado, com os políticos podendo comprar livremente o espaço público com dinheiro privado para anunciar o próprio nome. Por que não? Somente desta forma o dinheiro público deixará de financiar projetos em que a iniciativa privada possa também ter interesse e estará finalmente livre para comprar sem vergonha espaço editorial e de publicidade em revistas de acupuntura.
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Jornalista e fotógrafo da Media Quatro