Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Agora ao vivo para todos os EUA

A entrada de um casal de jornalistas na vaga do falecido âncora Peter Jennings na rede americana ABC representou mais do que uma simples quebra de paradigma no tocante à apresentação de telejornais nacionais nos Estados Unidos – historicamente dominada por uma figura masculina emblemática. Desde o dia 3 de janeiro, quando Bob Woodruff e Elizabeth Vargas passaram a ser as novas caras do principal telejornal da ABC, o World News Tonight, outro paradigma tradicional do telejornalismo americano foi deixado para trás. Pela primeira vez em quase 30 anos, um telejornal passou a ser transmitido ao vivo para todo o país, com edições exclusivas para cada fuso horário. Até então, o telejornal era gerado a partir da sede da rede ABC em Nova York ao vivo somente para cidades da Costa Leste americana, como Miami, Washington e Boston. A transmissão única sempre acontecia às 18h30, horário local.


Neste modelo antigo, o noticiário era retransmitido gravado três horas depois pelo canal de satélite que gera a programação nacional da rede para a metade oeste do país, em fuso diferente. Este segundo canal transmite para as emissoras afiliadas do oeste a programação com atraso para que ela se encaixe nos respectivos horários locais. Deste modo, era operacionalmente complicada a inclusão de notícias importantes que aconteciam após a geração original do noticiário, bem como atualizações e modificações necessárias na retransmissão. Ou seja, o telespectador da ABC em centros importantes como Los Angeles, San Francisco e Phoenix tomava conhecimento de notícias que já haviam sido levadas ao ar três horas antes num telejornal considerado jornalisticamente velho.


A estrutura da ABC contava apenas com uma pequena equipe que permanecia em regime de plantão para incluir para os telespectadores da Costa Oeste algum fato jornalístico de grande importância que viesse a acontecer após o fim do informativo – modelo que as redes CBS e NBC ainda mantêm. ‘Por muito tempo nós estivemos ignorando um grande segmento da nossa audiência e eles merecem e exigem, num ambiente muito competitivo, as informações mais atualizadas’, disse o diretor do World News Tonight, Jon Banner, ao jornal Los Angeles Times.


O jornalista reconheceu que o formato operacional antigo era evidentemente desfavorável para o público do Oeste. ‘Estávamos mais ou menos enganando os telespectadores ao fazê-los aceitar um noticiário que já havia sido transmitido três horas antes’. Para implementar a novidade, 12 novos jornalistas foram contratados para a equipe do World News Tonight, que nesta nova fase também ganhou novos cenário e vinhetas. Outro objetivo da ABC com a mudança é causar um efeito de ordem psicológica no público, já que o telespectador tende a prestar mais atenção ao saber que os apresentadores estão ‘falando com ele’ naquele exato instante.


De Los Angeles


São quatro as zonas de fuso horário nos Estados Unidos: Leste, Central (1 hora a menos), Montanha (2 horas a menos) e Pacífico (3 horas). Historicamente, emissoras da faixa central exibem a programação de rede simultaneamente com as da faixa leste. Assim, o World News Tonight é exibido a partir das 17h30. O horário nobre da TV americana, entre 20h e 23h, vai ao ar das 19h às 22h para este público, que compreende importantes mercados como Chicago, a terceira maior cidade norte-americana. Nesta inovação da ABC, são três as gerações ao vivo do World News Tonight. A primeira e já conhecida, começando às 18h30 em Nova York para a faixa leste e central do fuso horário. A segunda, a partir das 20h30 para o fuso de Montanha e a terceira às 21h30, quando serão 18h30 na Costa Oeste propriamente dita.


Para que o telespectador brasileiro possa compreender essa operação, é como se o Jornal Nacional fosse transmitido ao vivo novamente uma hora depois especialmente para os estados do Norte e do Nordeste brasileiros, que tem fuso horário de uma hora a menos. E novamente duas horas depois do original para o estado do Acre – duas horas a menos em relação a Brasília. Nos primeiros dias, a medida surtiu pequenas modificações no panorama de audiência para o World News Tonight. Mesmo após a implementação da novidade, o informativo continua sendo o número dois da TV americana, atrás do NBC Nightly News por uma margem de mais de um milhão de telespectadores. Segundo o Instituto Nielsen, na medição de audiência em Las Vegas, por exemplo, houve aumento de 23% de audiência, quando comparado com os últimos três meses de 2005. Em Phoenix, o aumento foi de 17%. Entretanto, na cidade de Seattle aconteceu queda de 27%, e em Los Angeles os números se mantiveram iguais.


Para promover a novidade, nesta semana o World News Tonight está sendo gerado justamente de Los Angeles (a primeira geração às 15h30, quando serão 18h30 na Costa Leste). Outra estratégia para chamar a atenção do público é a veiculação de anúncios de rádio. ‘Você sabia que o seu noticiário nacional noturno não era ao vivo? Bem, finalmente isto está mudando’, provoca a propaganda da ABC. Apesar de toda a inovação, os concorrentes minimizaram a iniciativa do segundo mais importante telejornal dos Estados Unidos.


Afiliadas festejam


Rome Hartman, diretor do CBS Evening News (último na audiência) disse em entrevista à agência Reuters que as transmissões subseqüentes do World News Tonight serão basicamente repetições. ‘Eu ficaria pasmo se dia sim, dia não a transmissão do Oeste não fosse idêntica à original. Então eles vão ler os scripts de novo’, comentou o jornalista, que afirmou ainda que a CBS realiza atualizações no seu telejornal para a costa oeste sempre que necessário. ‘Nós estamos na posição de fazer atualizações quando os fatos nos garantirem isso’. Já uma porta-voz da NBC foi mais direta. ‘A ABC simplesmente está fazendo o que a NBC sempre fez, ou seja, estamos preparados para fazer atualizações no Nightly News para nossos telespectadores da Costa Oeste’, disse à agência Reuters. ‘Isso inclui manter a equipe de plantão, com produtores e correspondentes em serviço’. O diretor do NBC Nightly News foi mais além. ‘Fazemos um trabalho tão bom que desconfio que levamos a ABC a isso’, provocou John Reiss. CBS e NBC não retransmitem ao vivo seus noticiários. Segundo informações da Associated Press, a NBC chega a inserir atualizações no NBC Nightly News uma ou duas vezes por semana. A CBS faz duas ou três atualizações por mês no processo de retransmissão do CBS Evening News.


Apesar da empolgação motivada pela iniciativa da ABC, nem todas as afiliadas do lado oeste americano estão exibindo versão ao vivo do World News Tonight. Ou pelo menos não por enquanto. A Komo-TV, afiliada de Seattle (onde houve queda nos números), optou por gravar a primeira re-geração (20h30 em Nova York; 17h30 em Seattle) e exibi-la em videotape às 18h, horário local. O motivo seria um desentendimento entre afiliada e rede, por conta da cobertura do pouso de emergência de um avião da empresa JetBlue no aeroporto de Los Angeles em setembro passado. Com a noção de que o noticiário nacional estaria defasado e não incluiria a cobertura do acontecimento, a emissora decidiu ‘atropelar’ o World News Tonight obviamente gravado e estender seu noticiário local para exibir ao vivo as cenas da aterrissagem. ‘Achamos que a rede não cobriria o fato. Mais adiante deveremos modificar a grade para exibir o telejornal ao vivo’, disse Dick Warsincke, diretor geral da Komo-TV.


Entretanto, estima-se que nem sempre as re-gerações do World News Tonight serão ao vivo na sua totalidade. Na edição de quinta-feira 5 de janeiro, o primeiro, segundo e quarto blocos foram ao vivo. Mas o terceiro – que continha reportagens não-factuais – foi apenas reprisado. Sendo totalmente ou parcialmente ao vivo para os demais fusos horários, esta nova fase no jornalismo da ABC está sendo festejada pelas emissoras locais. ‘Estamos empolgados. Achamos que isso é bom para a nossa emissora, bom para o nosso mercado e, conseqüentemente bom para os telespectadores’, afirmou Therese Gamba, vice-presidente da KGO-TV, emissora da ABC em San Francisco ao Los Angeles Times. Para a diretora de jornalismo da KXTV-TV, de Sacramento, a medida demonstra respeito maior aos telespectadores fora das cidades da Costa Leste. ‘Nós queríamos algo como isso por algum tempo para ter certeza que a rede não privilegia somente Nova York e Washington, como já aconteceu no passado’, disse Stacy Owen à Associated Press.


CBS destronada


O apresentador Bob Woodruff elogia a nova cultura da ABC. ‘Muitas coisas acontecem depois das 18h30’, disse ao Los Angeles Times. ‘Os dias em que não tínhamos a edição da Costa Oeste eram nervosos, porque não tínhamos mais toda a equipe no estúdio e na redação e sempre havia a possibilidade de alguma notícia importante se desdobrar. Agora o risco para nós é pequeno porque estamos lá’. Na crítica especializada ainda existe ceticismo quanto ao sucesso pleno da idéia. Tim Goodman, colunista de televisão do jornal San Francisco Chronicle, acusou a demora para implementar o projeto. ‘Uma edição ao vivo não machuca ninguém. Mas foi muito pouco muito tarde, sinceramente’, avaliou.


Apesar de todos os fogos de artifício, a reformulação do World News Tonight reúne elementos que não são inéditos. Primeiro, porque casais no comando de telejornais noturnos não são novidade – a própria ABC o fez nos anos 70, quando colocou Harry Reasoner e Barbara Walters lado a lado no mesmo World News Tonight (1976-78) e a CBS juntou Dan Rather e Connie Chung no CBS Evening News em meados da década de 90 (1993-95). Segundo, porque, quanto ao aspecto do fuso horário, na década de 70 a CBS também chegou a ter uma retransmissão ao vivo do seu CBS Evening News para os telespectadores da metade oeste americana. E o atual diretor do CBS Evening News, Rome Hartman, reconhece o fato. ‘A ABC não reinventou a roda’.


Falando em troca de farpas entre as duas redes, na semana de estréia da nova formatação do World News Tonight, a ABC foi a mais assistida nos Estados Unidos, destronando temporariamente a sempre número 1 CBS. De acordo com dados do Instituto Nielsen, marcou média geral nacional de 12 pontos com participação de 19%. Também teve três dos cinco programas mais vistos da TV americana no período. A transmissão do evento esportivo Rose Bowl foi o produto mais assistido da semana, com 21 pontos e participação de 35%. A pré-transmissão do Rose Bowl ficou em terceiro, com 15 pontos e 25% de participação nos aparelhos ligados. Desperate Housewives (exibido no Brasil pelo canal Sony) seguiu em quarto, com 14,6 e 21%. Completam a lista do Top 5: CSI, da CBS, em segundo, marcando 16,7 pontos (25%) e a transmissão pós-jogo do AFC Wildcard, que teve média de 14,3 pontos e alcançou 23% dos televisores ligados.

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Jornalista