A televisão italiana vive em dois extremos: de um lado, a esquerda, que vê na TV privada um mal e na pública um bem; do outro, a direita, que confunde a defesa dos bons princípios de mercado com os interesses pessoais de Silvio Berlusconi (ex-primeiro-ministro italiano e dono da maior rede privada de televisão do país, a Mediaset) e considera qualquer tentativa de garantir a concorrência no setor um ataque ao sacrossanto direito da propriedade. Ambas as posições contrariam o bom senso e os fatos. A RAI (Radiotelevisone Italiana), televisão pública, controla 48% do mercado e está longe de representar um símbolo de progresso, mas é associada a corrupção, ineficiência, nepotismo e corporativismo, chegando ao absurdo de estabelecer cargos hereditários.
Qualquer setor em que os dois primeiros colocados controlam 90% da produção, como na TV italiana, não pode ser considerado de livre concorrência. Para evitar estas perigosas concentrações, os Estados Unidos, que não podem ser classificados como simpatizantes da esquerda, impõem rígidos limites ao número de redes que cada grupo pode deter a nível local. Por esse motivo, a concentração é baixíssima: as duas maiores sociedades, ABC (American Broadcasting Company) e CBS (Columbia Broadcasting System) controlam 18% do mercado.
Todavia, a questão de concentração da mídia não é somente de caráter econômico. Mark Fowler, diretor da Comissão Federal de Comunicações nos anos 1980, gostava de repetir que a televisão nada mais era que uma torradeira de pão com imagem, portanto seguia os mesmos mecanismos de mercado que qualquer outro eletrodoméstico.Trata-se de um equívoco, seja econômico, seja político. James Hamilton, em recente livro, explica como funciona a coisa: economicamente, os bens de informações e seus sistemas de oferta e procura diferem e muito dos outros bens. Politicamente, o uso de uma torradeira de pão não influência nas escolhas eleitorais, mas a televisão o faz.
A situação anômala italiana nada tem a ver com política. Três redes de televisão com mais de 40% do mercado é muito, não interessando quem as possua: Berlusconi, Cecchi Gori ou o Estado. Não constitui somente uma distorção da concorrência, mas também uma forte ingerência política. O pior ainda é quando há o risco de que quem controla 41% do mercado termine por dominar por vias políticos os outros 49%. Para que isso seja evitado e a concorrência favorecida, faz-se necessário dividir e privatizar a RAI. Seria uma forma de estabelecer limites também aos outros operadores, inclusive Berlusconi. Não se trata de uma invasão na propriedade privada, mas uma defesa da independência e da variedade das fontes de informações, que são o fulcro da democracia.
Mar de dinheiro
Existe um sistema na Itália meio diferente: paga-se para ver a televisão estatal mesmo que esta não seja vista. Todo ano o possuidor de um aparelho tem que pagar uma taxa de mais ou menos 120 euros, o que gera renda de 2,5 bilhões de euros (pouco mais de 6 bilhões de reais), importância que vai direto para a RAI, permitindo dessa forma que sustente as mordomias que ninguém sabe ao certo quais e quantas são. Poder-se-ia até entender esse pagamento se a TV estatal não tivesse propaganda, mas tem e muita. Mais, se der prejuízo não tem problema, o contribuinte cobre tudo.
Já numa rede privada a coisa não funciona assim. Por exemplo, na Mediaset: no primeiro trimestre do ano, os altos custo para transmitir o futebol e o Big brother fizeram com que o lucro fosse de apenas 2,5%. Mesmo não entrando no vermelho, o dinheiro é insuficiente para os investimentos com a melhora do sistema. O fato foi agravado pela entrada da RAI na transmissão das Olimpíadas de Inverno em Turim, o que obrigou a Mediaset a antecipar sua programação da primavera. Os índices de audiência não caíram, mas os anunciantes não acompanharam a novidade e assim o faturamento ficou muito aquém do esperado. Portanto, a sociedade deverá abrir seus cofres para injetar dinheiro que lhe permita continuar atualizada.
Esses problemas não existem para a RAI, que nada de braçadas no mar de dinheiro que recebe de mão beijada. Não tenho a mínima intenção de defender ou atacar Berlusconi, mas somente de constatar que algo de estranho acontece no sistema televisivo italiano.
Textos de apoio
Hamilton, James T., All the News that’s Fit to Sell, Princeton University Press, 2003
Zingales, Luigi – ‘Privati e concorrenza migliorano la televisione’, in Il sole 24 ore, 16/5/2006
Galbiati, Walter – ‘La frenata di Mediaste’, in la Repubblica, 10/5/2006
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Jornalista