Friday, 29 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Babá eletrônica para o consumidor precoce

As histórias em quadrinhos surgiram no Brasil em 1939, lançadas num suplemento do jornal O Globo, o Globo Juvenil, publicação que foi imediatamente chamada de gibi, o que significa moleque, negrinho, tornando-se sinônimo desse tipo de revista. Entende-se esse ‘apelido’, pois no canto superior esquerdo da capa via-se desenhado um menino negro que apregoava jornais.

A novidade espalhou-se por outros periódicos. Em 1945, Adolfo Aizem criou a Editora Brasil América, a primeira especializada em histórias em quadrinhos e responsável pelo lançamento dos estadunidenses Alex Raymond (Flash Gordon), Lee Falk (Fantasma), Hal Foster (Príncipe Valente), Chester Gauld (Dick Tracy), uma seção colorida de Walt Disney e de Charles Schultz, Peanuts, chamado no Brasil de Charlie Brown.

Em 1948, a ditadura de Getúlio Vargas havia terminado quase três anos antes. O Brasil, passada década e meia, tinha um presidente democraticamente eleito, Eurico Gaspar Dutra, e mais do que isso, uma Constituição, considerada até hoje a de maior espírito liberal, mas que não impediu a Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados de enviar ao plenário para votação um projeto de emenda que estabelecia a censura prévia às revistas em quadrinhos e a contos policiais. Tudo isso porque psiquiatras, educadores e pedagogos estadunidenses afirmavam como verdade absoluta que as revistinhas eram responsáveis por delinqüência, prostituição e desvio de conduta (homossexualismo) dos jovens.

Criou-se outra polêmica envolvendo escritores e intelectuais brasileiros. Uns sustentavam que gibis seriam prejudiciais ao hábito da leitura de livros, tese defendida por Elsie Lessa (1912-2000), Dinah Silveira de Queiroz (1917-1982 e Menotti Del Piccia (1892-1988). A corrente contra esse pensamento era formada por José Lins do Rego (1900-1957), Jorge Amado (1912-2001) e Silvio Rabello (1899-1972). Estes últimos tiveram o apoio do então deputado, sociólogo e antropólogo Gilberto Freyre (1900-1987). A cruzada e a censura prévia antiquadrinhos foi felizmente esquecida.

Tudo é negócio

A televisão surgiu no Brasil em 1950, logo se tornando mania nacional. Também teve início uma cruzada: a TV seria nociva aos jovens. Hoje, no Brasil, quem tem de 4 a 17 anos assiste televisão 4 horas e meia por dia. Cito o exemplo de meu filho, hoje com 34 anos, que, com pouco menos de 4, mesmo sem saber ver as horas sabia exatamente quando começariam seus programas preferidos. Cheguei até a pensar que seus sonhos tinham intervalo para os comerciais. Independentemente disso, formou-se em Engenharia e trabalha com supercomputadores. Nem os gibis levam à ignorância nem a TV à imbecilização.

Todavia, tudo tem limite. Tomo conhecimento de que chegou a televisão para bebês – servirá de babá. O serviço estará disponível 24 horas ao dia, e tem como objetivo espectadores de 0 a 2 anos. O canal oferece canções de ninar, histórias protagonizadas por brinquedos, uma seção de coisas para comer, um abecedário animado, canções, geometria, um espaço que pode ser colorido com as mãos e outro para exercícios de ginástica.

Se às duas da madrugada o bebê está com cólicas a mãe, enquanto ferve a água para um chá de erva-doce, liga a televisão para distraí-lo. A babá, enquanto lava as roupinhas de seu assistido, em vez de lhe dar para brincar um elefantinho azul passa-lhe o controle remoto… É uma TV educativa, afirmam os interessados. Mas a televisão educativa é uma coisa que realmente não faz mal, ou o que é dito sobre essa baby TV nada mais é que uma boa desculpa para pôr os filhos em frente à tela sem sensação de culpa?

Como isso acontece nos Estados Unidos, tudo vira negócio. Além do pagamento do canal Satelitar, está se criando, pela propaganda precoce, uma nova geração de grandes consumidores. Os gibis não prejudicam ninguém nem formam marginais, da mesma forma que a televisão. O excesso, esse sim, do que quer que seja, é que é danoso à humanidade.

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Jornalista