Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Carlos A. Sardenberg

"O PRESIDENTE TEM O DIREITO DE DECRETAR UMA REPORTAGEM OFENSIVA (OU PREJUDICIAL) A ELE E AO PAÍS?


O presidente do PT, José Genoino, disse que o que estava em jogo ‘não é a liberdade de imprensa, mas a atitude caluniosa e maldosa do jornalista’ Larry Rohter, do New York Times. Pois é exatamente o contrário.


O que o jornalista escreveu não interessa mais do ponto de vista político, embora tenha sido doloroso para o presidente Lula. O que sempre contou em toda essa história é o modo como o governo lida com a liberdade de imprensa (ou como lida com as críticas) e o seu processo de tomada de decisões.


Vamos supor que o presidente fosse Paulo Maluf e o jornalista tivesse escrito uma reportagem sobre contas na Suíça. O ‘presidente’ se diria ofendido, por si, pela sua família e pela pátria, e expulsaria o jornalista.


Podemos supor ainda que o presidente fosse, de novo, José Sarney e um jornalista francês escrevesse que os livros do chefe de Estado brasileiro eram lixo literário. Sarney, ofendido, cassaria o registro profissional do crítico.


Podem parecer situações diferentes, mas são exatamente idênticas. O que importa não é o presidente nem o teor da reportagem. O que está em jogo é saber se o presidente, qualquer um, tem o direito de julgar e decretar uma reportagem, qualquer uma, ofensiva (ou prejudicial) a ele e ao País, e, de imediato, emitir a sentença de expulsão do jornalista responsável.


Porque, se o presidente pode isso, então também pode tirar de circulação um jornal ou revista e fechar o sinal de uma rádio ou TV. E, se o presidente, qualquer um, pode isso tudo, então estamos longe de uma efetiva democracia.


Conclusão: estava equivocada toda a argumentação apresentada pelo presidente Lula e seus assessores.


O presidente sentiu-se pessoalmente ofendido? Que recorra à Justiça, aqui e nos Estados Unidos. Atenção, mais uma vez: só os tribunais podem decidir se houve ou não ofensa. Por mais injuriado que esteja o presidente – e até se compreende que se sinta assim -, ele não tem o poder legal nem político de decidir que houve ofensa. Muito menos o presidente do partido que o apóia.


Vale para qualquer cidadão chamado de bêbado. Não gostou? Aos tribunais.


Também não serve para nada dizer que o governo não cometeu nenhuma ilegalidade e que apenas utilizou seu direito de conceder ou negar vistos.


Jornalistas brasileiros precisam de registro profissional no Ministério do Trabalho. Mas está claro que o governo não pode negar o registro por discordar dos termos de alguma reportagem.


Ou seja, há poderes legais que não podem ser utilizados se a alma do regime é a democracia. Não esquecer: regimes autoritários tomam suas decisões com base nos chamados ‘instrumentos legais’, como o AI-5. O que importa é o espírito da lei e o modo como foi introduzida. Por isso mesmo, nos regimes efetivamente democráticos os tribunais têm a atribuição de decidir sobre a aplicabilidade (ou não) das leis.


Mas, além da questão das ofensas pessoais, o presidente e seus assessores disseram que a reportagem do New York Times foi um ato deliberado para atingir a liderança emergente de Lula. Ou, como o próprio Lula disse a um grupo de senadores, uma reação dos grandes do mundo ao fato de seu governo estar ‘mudando a geografia comercial do planeta’.


É o outro de uma mesma moeda.


O presidente e seus assessores revelam um sentimento autoritário (e, o que dá no mesmo, uma enorme falta de compreensão sobre o que seja o espírito da democracia e das leis), quando se colocam no papel de julgar e condenar jornalistas.


Quando dizem que a reportagem de Larry Rohter é instrumento de uma conspiração internacional contra o governo do PT, revelam o reverso do espírito autoritário, que é a visão conspirativa da história, tão própria da velha esquerda. Por ela, Lula e o governo do PT ameaçam o imperialismo americano, que reage colocando em ação os seus instrumentos, entre os quais o New York Times. É dessa visão, por exemplo, que decorre a tese segundo a qual a Alca é uma tentativa dos EUA de anexar a América Latina.


É difícil argumentar contra essas visões ideológicas, mas alguns fatos e certas perguntas podem pelo menos dar o que pensar.


A revista Time, igualmente americana, recentemente relacionou o presidente Lula entre as 100 personalidades do século, numa reportagem respeitosa e até elogiosa. O PT, aliás, não perdeu tempo em alardear o fato. E o governo citou a menção na nota de protesto contra a reportagem do NY Times.


Pergunta-se: por que o NY Times estaria na conspiração e não a Time?


A revista pertence à Warner, uma multinacional da mídia. O jornal pertence a uma família e, aliás, é considerado um veículo liberal lá nos EUA, adversário do governo Bush (e da guerra).


No cenário econômico internacional, o governo brasileiro tem se destacado pela forte luta contra os subsídios pagos pelo governo americano aos seus agricultores. Essa é uma das vias pelas quais Lula acredita estar mudando a geografia comercial do mundo.


Ora, uma das melhores reportagens recentes sobre os danos que os subsídios causam à economia americana e mundial saiu justamente no NY Times. Mostrou, inclusive, como um pequeno grupo de grandes proprietários absorve a maior parte desses subsídios.


Ocorre que o NY Times tem uma posição geral favorável ao livre comércio internacional e, por isso, uma visão mais positiva sobre a Alca.


Portanto, quando o governo Lula combate os subsídios agrícolas internacionais, encontra no NY Times um aliado. Quando rejeita a Alca, se separam.


Mas é um enorme equívoco pensar que a Alca está no plano conjunto dos EUA.


Começa que, hoje, se o projeto da Alca fosse colocado em votação no Congresso americano, seria derrotado. Prevalecem no momento os interesses protecionistas das empresas e dos sindicatos de trabalhadores que se sentem ameaçados com o que chamam de invasão dos produtos baratos fabricados na América Latina. Ou seja, entendem que a Alca é o triunfo da AL, uma conspiração contra os EUA, para usar os termos do pessoal petista.


Para esses setores americanos, Lula não é uma ameaça, mas um excelente aliado na oposição à Alca. Além disso, os mercados financeiros, suposto braço do imperialismo, têm apreciado muitíssimo o governo Lula. Não estão nem aí com essa história de mudar a geografia comercial. Mas isso é tema da próxima segunda."




Romoaldo de Souza


"Caso Rohter divide o Planalto", copyright Jornal do Brasil, 13/05/04


"Se tivesse levado em conta ‘o mundo do jornalismo e dos jornais’, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva certamente teria evitado uma briga indigesta com a imprensa mundial, ao pedir ao Ministério da Justiça a cassação do visto de permanência do jornalista Larry Rohter, do New York Times. A opinião é de assessores ligados à área de comunicação do governo que, desde a publicação da reportagem, tentaram demover Lula de qualquer atitude extrema.


– A decisão seria diferente se o presidente tivesse ouvido a opinião de pessoas ligadas ao jornalismo – concluiu um dos assessores.


Desde a tarde de sábado, quando tomou conhecimento da reportagem, Lula ouviu conselheiros, ministros e assessores. A todos, mostrou-se indignado com o teor do texto do NYT. Os jornalistas da equipe do governo consultados pelo presidente também consideraram o texto ‘injurioso’ e ‘sem fundamento’. E concordaram que o jornalista americano merecia punição à altura de sua irresponsabilidade. Ponderaram, contudo, que o fato deveria ser tratado dentro dos limites da liberdade de expressão.


– A reportagem, mesmo infundada, acabou atravessando fronteiras pela maneira com que foi tratada – avaliou um assessor do Planalto.


Enquanto aguardava um pedido formal de desculpas da direção do New York Times – que não veio -, o presidente conversou com os ministros das Relações Exteriores, Celso Amorim, da Casa Civil, José Dirceu, e com o secretário de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica, Luiz Gushiken. Separadamente, Lula ouviu a opinião do secretário particular, Gilberto Carvalho, do assessor especial, Frei Betto, do secretário de Imprensa da Presidência da República, Ricardo Kotscho, e do porta-voz da Presidência, André Singer.


Entre os consultados havia mais falcões do que pombos. O ministro Gushiken – que recentemente afirmou que a imprensa exagera em busca do contraditório – destacou-se no grupo radical que pediu a expulsão de Rohter. Ricardo Kotscho, jornalista com longa experiência no eixo Rio-São Paulo, liderou os moderados e defendeu as medidas judiciais de praxe (indenização por dano moral ou processo criminal por difamação), antevendo a forte repercussão internacional à cassação do visto. Foi voto vencido.


O que mais pesou na decisão de expulsar o jornalista americano foi a afirmação da porta-voz do New York Times, Catherine Mathis, de que ‘nós acreditamos que a reportagem é correta’. Além disso, o jornal americano publicou uma carta do embaixador brasileiro Roberto Abdenur, mas negou um direito de resposta ao governo brasileiro, que exigia o mesmo espaço dado ao texto de Rohter.


A expulsão do correspondente não gerou mal estar apenas entre os jornalistas. Grijalbo Coutinho, outro conselheiro do governo, manifestou ‘solidariedade’ ao presidente, mas repudiou ‘a medida escolhida para retaliar o jornalista’. Segundo Coutinho, que representa a Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, ‘no afã de resguardar o governo’, produziu-se ‘obra ainda mais triste’.


Para a presidente da Pastoral da Criança, Zilda Arns, o presidente foi ‘ultrajado’, mas a decisão ‘não tenha dúvida, é uma censura’. Assessor especial da Presidência, Frei Betto discorda. Segundo ele, ‘a honra do presidente foi ferida com a reportagem’. Betto afirmou que a expulsão ‘está longe de ser uma censura’."



Correio Braziliense


"Reação autoritária", Opinião, copyright Correio Braziliense, 13/05/04


"A decisão do governo brasileiro de cancelar o visto temporário do correspondente no país do jornal The New York Times, Larry Rohter, é, antes de tudo, inócua. Um erro não corrige outro. O texto do jornalista norte-americano que levanta suspeitas de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva exagera na ingestão de bebidas alcoólicas, com prejuízos para o exercício do poder, e de que isso teria se tornado uma preocupação nacional no Brasil, nem sequer merece a qualificação de jornalismo. Não passa de fofoca, baseada em suposições, no ‘segundo dizem’.


Ainda assim, por haver sido publicada em um dos mais respeitados veículos da mídia internacional, a matéria não poderia ser ignorada. O Palácio do Planalto reagiu de imediato. O presidente recebeu ampla solidariedade, inclusive de setores radicais da oposição. O embaixador brasileiro em Washington, Roberto Abdenur, enviou carta ao periódico, publicada no dia seguinte, expressando ‘perplexidade e indignação’. Também caberia – e cabe – ação jurídica para reparação de danos. Com tudo isso, o assunto estaria encerrado.


A decisão de, em última instância, expulsar o jornalista do país dá novo fôlego ao caso e o reveste, agora, sim, de conteúdo altamente prejudicial à imagem do Brasil no exterior. A opção por uma saída autoritária acabou por transformar o erro de um cidadão em questão de Estado. O centro dos debates já não é a má prática jornalística de um estrangeiro aqui residente. É a democracia brasileira que passa a ser questionada. É a liberdade de imprensa que é posta em jogo.


Ao contrário do primeiro momento do episódio, em vez de solidariedade, o Palácio do Planalto colhe protestos, até mesmo de aliados. Felizmente, a classe política demonstra maturidade na defesa da tradição democrática brasileira. Da mesma forma reagem entidades da sociedade civil organizada. É o dado positivo. É a imagem que o país merece ver divulgada lá fora: a de uma sólida democracia, forte o suficiente para perceber e repudiar excessos de eventuais ocupantes do poder.


Pena que o presidente Lula – recentemente incluído por outra publicação norte-americana, a revista Time, entre as cem pessoas mais influentes do mundo – se mantenha inflexível. A repercussão negativa, o estrago provocado pela decisão de cancelar o visto do jornalista, não o convenceram a voltar atrás. Poderia ouvir as vozes majoritárias. Um gesto de humildade certamente o engrandeceria."



Tribuna da Imprensa


"SIP associa Lula a Hugo Chavez", copyright Tribuna da Imprensa, 13/05/04


"A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) relacionou ontem a decisão do governo brasileiro, de cancelar o visto do correspondente do jornal ‘The New Yok Times’, Larry Rohter, a outros ‘incidentes contrários à liberdade de expressão’ que estariam ocorrendo na Venezuela.


O presidente da Comissão da Liberdade de Imprensa da entidade, Rafael Molina, disse que é preocupante verificar que enquanto na Venezuela um empresário do setor jornalístico teve uma propriedade expropriada e um jornalista enfrenta um tribunal militar, no Brasil ocorre o cancelamento do visto do correspondente americano. Molina considerou ‘inapropriada’ a atitude do governo brasileiro. ‘Com esta decisão se põe em dúvida a verdadeira existência da liberdade de expressão no Brasil’, disse.


O representante da SIP, que tem sede em Miami (EUA), lembrou a Declaração de Chapultepec, uma espécie de decálogo sobre liberdade de expressão e de imprensa, na qual se afirma que ‘nenhum meio de comunicação ou jornalista pode ser penalizado por difundir a verdade ou formular críticas ou denúncias contra o poder público’.


A desapropriação à qual o representante da SIP se refere é uma propriedade rural do empresário do setor de comunicações Gustavo Cisneros – inimigo político do presidente Hugo Chavez. Para essa investida, lembra a SIP, o governo apresentou como justificativa a necessidade de desarticulação de uma rede de apoio logístico ao grupo paramilitar detido na semana passada, sob a acusação de tentar executar um plano de desestabilização do governo.


A jornalista Patricia Poleo, do diário ‘El Nuevo País’, de Caracas, irá enfrentar no dia 28 uma audiência militar. Ela é acusada de instigar a rebelião contra o governo e ofender a Força Armada Nacional, com a divulgação, pela televisão, de um vídeo que mostrava a presença de cubanos em instalações militares venezuelanas.


Segundo Molina, que trabalha no jornal dominicano ‘El Nacional’, estas medidas têm a aparência de ações de represália política contra os meios de comunicação e os jornalistas, com a participação do governo venezuelano."