A Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA) divulgou na última quinta-feira de abril (28) alguns números bastante positivos sobre o desempenho do setor em 2004. Segundo o relatório, a base de assinantes de TV paga no Brasil subiu para 3,76 milhões – um crescimento de 6% em relação ao ano anterior. O número de assinantes de internet de banda larga foi para 367 mil. Parece pouco, mas é um crescimento de quase 100% em relação a 2003. Entre os sistemas oferecidos, o cabo continua com 59% de participação, contra 35% do DTH (TV por satélite em banda Ku) e 6% em MMDS.
A receita da TV por assinatura no Brasil deriva em 86% das mensalidades pagas pelos usuários. Os usuários que compram eventos distribuídos pelo sistema de pay per view (campeonatos de futebol, por exemplo) respondem por outros 3%. Cabe ao mercado publicitário algo em torno de 5%.
Uma semana depois do informe da ABTA, na quarta-feira (4/5) a News Corporation divulgou um balanço de suas operações em todo o mundo, no qual revela que a Sky atingiu 868 mil assinantes no Brasil (contra 7,7 milhões na Grã-Bretanha e 14,4 milhões nos EUA, por exemplo).
Os números mostram que o mercado de TV por assinatura no Brasil está em discreta expansão, depois de uma estagnação de quase cinco anos que teve reflexos diretos sobre o desempenho financeiro das operadoras, de seus avalistas (entre eles a própria Rede Globo) e das programadoras. Mas que, principalmente, teve e continua tendo grande impacto sobre o público brasileiro. Isso inclui os 3,7 milhões que têm acesso aos serviços de TV paga. E também os outros 55 milhões de brasileiros que têm receptores de televisão e naturalmente gostariam de ter um cardápio maior de opções, mas ficaram à margem desse processo.
Tolice máxima
Algo não funcionou na implantação dos modelos de TV por assinatura no Brasil, há 13 anos. Os erros estão sendo reavaliados agora, pontualmente, para que o mercado possa apresentar alguma expansão: flexibilização dos pacotes, revisão da política de exclusividade e assim por diante.
É como limpar uma pequena praia em meio a uma grande lagoa poluída. Os maiores problemas estão em águas mais profundas. O modelo, que nasceu condenado a um crescimento muito lento, cobre hoje menos de 8% dos domicílios brasileiros com televisão. Na Europa, são muitos os países em que essa cobertura ultrapassa os 90%. O índice se repete para os Estados Unidos.
Não seria um grande problema se os únicos prejudicados fossem os prestadores de serviço de radiodifusão de massa. Mas, entre nós, o grande prejudicado foi a sociedade brasileira. Ela deixou de ter acesso a serviços essenciais de difusão de informações e foi privada de estabelecer, através desses serviços, laços mais fortes com a produção cultural brasileira.
O Brasil é um grande estranho no universo de duzentas redes de televisão de todo o mundo que trafegam nos satélites de comunicação estacionados sobre nossas cabeças. Estranho é pouco: o Brasil é um visitante indesejável. Tornou-se um importador de conteúdo e, pior, de modelos de conteúdo desenhados para alimentar redes internacionais que pasteurizam o gosto internacional e globalizam a produção no estágio máximo de tolice a que pode chegar a mente humana.
Próximo mandato
Muitas das instâncias que atualmente debatem a questão da construção de conteúdo estão esbarrando em dificuldades para fazer esse trabalho. Os debates no Conselho de Comunicação Social, agora sob nova direção, têm sido mais tumultuados do que a sociedade brasileira merecia. Os relatos que chegam de lá são assustadores – e é quase impossível avançar nesse clima.
Já a recém-criada comissão para a elaboração de uma Lei Geral das Comunicações, herdeira do encolhimento do projeto da Ancinav (e também de pelo menos outros três projetos similares preparados desde o governo anterior), vai por enquanto se restringir à regulamentação dos artigos 221 e 222 da Constituição – adiando mais uma vez os debates para a lei geral, que só ficarão para o segundo mandato do presidente Lula ou de seu sucessor.
Seis meses
Debate-se em profundidade neste momento o modelo de referência que será adotado, a partir de fevereiro de 2006, para a construção da TV digital no Brasil. Isso está sendo feito no âmbito do Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD), que é quem entregará ao governo a proposta final.
No campo tecnológico, a disputa se dá em relação ao padrão (ou à variante de padrão) a ser escolhido. A discussão de verdade, no entanto, gira em torno do cenário que se vislumbra para a utilização do espectro a ser liberado. Para ser bastante simplista: mais alta-definição com menos convergência de mídia, ou menos alta-definição com mais alternativas de integração de mídia e absorção de novos players.
Para o leitor desavisado, isso pode parecer mero tecnicismo, mas a verdade é que está neste momento em jogo o modelo de TV digital que será vigente no Brasil – e o impacto que isso terá sobre a produção brasileira de conteúdo.
Este jogo levará apenas mais seis meses para ser jogado. É o período que resta à sociedade brasileira para determinar se nos próximos 50 anos ela vai se tornar mais dependente dos modelos de conteúdo concebidos de Miami para o mundo, ou se o país vai dar o troco, diversificando sua presença entre os brasileiros de maneira original e independente e se tornando um elaborador de conteúdo de fato, em escala internacional.