Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Contra-informações marcam semana de negociações

Estes foram dias de intensas negociações, em que as autoridades dos ministérios que integram o Comitê de Desenvolvimento do Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD)estiveram reunidos no Itamaraty com os japoneses que vieram acerta os detalhes da adoção do padrão ISDB por parte do Brasil. Os desdobramentos dessas reuniões, entretanto, ainda são nebulosos. Uma sucessão de informações desencontradas confirma a estratégia que o governo vem adotando, de deixar a sociedade civil fora dessa discussão.

Apesar de ter circulado pela imprensa nacional especializada uma série de notícias sobre o que estaria sendo acordado entre o Japão e o governo brasileiro, não há nada de conclusivo ainda a ser considerado, garante André Barbosa, assessor especial da Casa Civil da Presidência da República. ‘É tudo especulação, o que tem sido veiculado na imprensa. Nenhum detalhe das negociações foi divulgado e tampouco o padrão que o país vai adotar está decidido. Esta é uma conclusão que vai ser tomada pelo presidente Lula, e somente ele se pronunciará’, garantiu o assessor.

Barbosa relata que as reuniões desta semana foram exaustivas, que o grupo japonês era grande e as negociações muito difíceis, mas demonstra simpatia: ‘os japoneses têm uma forma bem diferente da nossa, de negociar. Eles são muito objetivos, só escrevem o que garantem – e este aspecto é até muito positivo, porque o que se consegue com eles a gente sabe que vai ser efetivo.’ Segundo Barbosa, nas reuniões foram tratadas questões industriais, de capacitação, tecnologia e investimentos.

Inflexibilidade nipônica

A Casa Civil recebeu dos técnicos do governo incumbidos da tarefa de cumprir as determinações dispostas no decreto presidencial nº. 4.901/2003 (que institui o Sistema Brasileiro de TV Digital – SBTVD) as conclusões dos estudos e comparou com as propostas do Japão. O que se sabe, efetivamente, sobre o resultado desse cruzamento de interesses, é que o Japão não flexibiliza os negócios, ou seja, não fará a revisão do padrão ISDB porque sequer terminou de implantá-lo. Isso pode representar que o Brasil tenha que se curvar sobre todas as exigências japonesas e abandonar a incorporação das soluções brasileiras.

Esta não deverá ser a atitude do governo, acredita Fernando Castro, coordenador das pesquisas na PUC do Rio Grande do Sul, que desenvolveu o sistema de modulação inovadora Sorcer e o sistema de antenas inteligentes para o SBTVD. ‘Acredito fortemente, por tudo que ouvi nas reuniões entre a academia e os representantes do governo federal, inclusive de ministros, que estarão garantidas as soluções das universidades nacionais, pelo menos uma parte delas, no sistema estrangeiro (seja qual for o escolhido) a ser tropicalizado.’

Na opinião de Castro, seria um suicídio político o governo negociar um padrão estrangeiro fechado, depois de ter investido R$ 50 milhões em pesquisas e desenvolvido tecnologia nacional inovadora. ‘Isso seria totalmente incoerente’, disse. Castro pensa que o que está sendo produzido agora é apenas uma evolução do memorando de entendimento assinado no Japão, em 13/4.

Incompatibilidade tecnológica

Existem várias razões para que o Brasil não compre o padrão japonês de ‘porteira fechada’. Segundo Takashi Tome, pesquisador da Diretoria de TV digital do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), o protocolo de comunicação do padrão ISDB, por exemplo, é diferente e incompatível do desenvolvido no Brasil. Por isso, assinar compromisso com os japoneses para depois acertar os detalhes seria dar ‘um tiro no pé’ em três aspectos diferentes: dos desenvolvimentos brasileiros, mais complexos que os do padrão japonês; das emissoras, que vão ter que se contentar com os limitados recursos oferecidos pelo middleware BML; e do Brasil como um todo, que vai perder a oportunidade de se tornar um grande produtor mundial de aplicativos para TV Digital Interativa, dado que não terá uma plataforma eficiente para rodá-los. ‘Se é para adotar o ISDB, pelo menos que se faça uma adoção decente, acertando esses enroscos e evitando termos um elefante branco. Isso está pior do que o acordo nuclear Brasil-Alemanha da década de 70’, avalia Tome.

Sociedade excluída

Apesar da inflexibilidade dos japoneses, foi mencionada durante a semana, nas matérias que circularam na imprensa, a idéia da criação de dois organismos, com técnicos brasileiros e do Japão, para tratar da transição e incorporação das tecnologias desenvolvidas no Brasil ao sistema japonês (caso seja este o padrão a ser adotado no país). Assim, seriam constituídos um Comitê de Especificações e um Instituto de Ciência e Tecnologia, para transformar em produtos as inovações tecnológicas brasileiras que serão aproveitadas no sistema de TV digital e acompanhar as evoluções da tecnologia.

Nestes fóruns, entretanto, não foi aventada a participação da sociedade civil, o que seria adequado, considerando o texto do decreto 4.901/2003. A proposta, segundo reportagem do jornal O Estado de S.Paulo de 21/6, partiu dos representantes da indústria nacional e agradou tanto o governo quanto aos executivos japoneses. Contudo, André Barbosa não confirma se essa idéia foi incorporada às negociações com o Japão.

Ausência de debate

Para Celso Schröder, coordenador-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), esta sucessão de contra-informações representa a atuação verticalizada, por parte do governo, na condução dos debates sobre o SBTVD. ‘Na verdade, um debate que não houve, apesar das boas intenções manifestadas no decreto presidencial. O que vem se observando é uma postura autoritária ao tratar dos assuntos da TV Digital, que se consolida, neste derradeiro momento em que o anúncio vem coberto de informações e contra-informações, demonstrando a ambigüidade do governo e a forma pouco transparente como vem conduzindo o assunto’, diz Schröder.

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Jornalista, da Redação FNDC