Antes de mais nada, gostaria de demonstrar nossa satisfação por acolhermos entre nós o professor Rogério Buratti, o mais novo titular da disciplina ‘Ética na Comunicação’, agora rebatizada de ‘A Mídia e o Interesse Público’. O mestre vem se juntar ao corpo docente de nossa instituição e contribuir para a formação de nossos alunos numa das áreas mais carentes de especialistas. Como bem sabem, o advogado Buratti se distinguiu recentemente pela excelência da aula inaugural que ministrou, por ocasião de seu depoimento à CPI dos Bingos, no Senado Federal.
Lembro a todos que o novo colega corre o risco de ser recolhido à prisão a qualquer momento, como ocorreu recentemente, razão maior para que aproveitemos, enquanto for possível, cada gota dos profundos conhecimentos que detém sobre a disciplina que deixamos sob sua responsabilidade. Considero mais que acertada a decisão adotada por nossa congregação de que o professor Buratti, sozinho, substitua ao mesmo tempo dois ex-colegas professores, ambos com larga experiência profissional, adquirida nas redações do jornal Folha de São Paulo e da revista Época, afastados temporariamente do nosso convívio.
O professor Buratti deu recentemente uma prova de seus méritos para o exercício das funções que lhe são delegadas, ao se servir de um caso pessoal para pontificar com segurança e tranqüilidade sobre duas questões diretamente relacionadas à ética da imprensa: o comportamento que um jornalista deve ter quando lida com informações relacionadas à intimidade das fontes, e até onde pode ser estendido o conceito de interesse público.
Transgressão
Quanto ao primeiro caso, vale recordar que um repórter da Folha de São Paulo levou para a ex-mulher de Buratti o conteúdo de diálogos telefônicos gravados com autorização judicial e que expunham sua vida íntima. O advogado Buratti acusou o repórter de explorar seus ‘pecados pessoais’ para provocar sua ex-mulher ‘a falar mal do marido’, no que agiu corretamente, a nosso ver, uma vez que a exposição da intimidade de uma pessoa, sob qualquer argumento, jamais pode ser utilizada para forçar a obtenção de informação por parte de um jornalista. A Folha, em sua edição de 27/8/05, explica-se com o argumento segundo o qual, antes de entregar o CD à Sra. Elza Buratti, advertiu-a de que havia trechos pessoais que poderiam ser suprimidos, e que mesmo assim ela quis ouvir tudo.
A Folha considerou o procedimento correto, e seu ombudsman estranhou que um repórter da Folha, ainda assim, tenha procurado Buratti para pedir desculpas. Com isso, a Folha tenta se defender, mas não consegue, pelo simples fato de que o simples uso de conversas íntimas para a obtenção de informação caracteriza a prática de delito ético, e não apenas de uma ‘falha’, como o fato foi denominado em nota da redação da mesma data. A explicação de que a própria ex-mulher foi quem optou por examinar a fita com os trechos de tais conversas não absolve o repórter, pois cabe a ele, e não à fonte, a proteção da intimidade de uma pessoa sob investigação. O fato de a Folha não ter publicado nada igualmente não reduz o impacto do delito. ‘Não acho que seja eticamente correto, de respeito à privacidade, entrar na casa da pessoa e procurar provas contra ela dessa forma’, ensinou o professor Buratti, em sua aula inaugural durante a CPI.
O segundo caso caracteriza com mais clareza a transgressão das mais primárias normas éticas relacionadas à questão do interesse público. A revista Época atribuiu o fim do seu casamento de mais de 16 anos às esbórnias de Buratti com garotas de programa de Brasília agenciadas por Jeany Mary Corner. Mais uma vez, justificando plenamente nossa decisão de trazê-lo para nossos quadros e entregar-lhe a responsabilidade por uma das disciplinas mais importantes de nosso curso, o advogado e professor Rogério Buratti pontificou: ‘Que interesse público existe quando se diz que a farra acabou com o meu casamento? Isso me deixou indignado. Não foi isso que acabou com o meu casamento’.
Regozijo
A mesma revista avançou ainda mais, e na busca de um sensacionalismo mais rasteiro do que o dos tablóides britânicos, acusou Buratti de ter-se encantado com uma ex-prostituta mineira chamada Carla Cristina. Outra vez, o mestre aproveitou-se do deslize da revista para ministrar uma singela mas profunda aula sobre o comportamento ético da imprensa: ‘Disseram que eu larguei minha mulher para ficar com uma ex-prostituta que tinha um caso com uma autoridade de Brasília. Não é, mas passou a ser. Mesmo que fosse, as pessoas não têm o direito de melhorar de vida? Peço desculpas à Carla. Está todo mundo dizendo: ‘Olha lá a prostituta que namora o Buratti’’. Vale ressaltar que Carla, sua namorada, mora em Belo Horizonte, é dona de uma confecção e não é uma prostituta, como quis fazer crer a reportagem da revista.
Diante de provas tão contundentes da proficiência e segurança com que discute questões éticas da imprensa, e considerando a didática moderna de que se utiliza para a transmissão de conhecimentos, baseada em exemplos práticos, esta instituição se sente envaidecida por ter entre seus quadros mestre tão qualificado, ainda que tenha sido demitido pelo ministro Antonio Palocci do cargo de secretário de governo da prefeitura de Ribeirão Preto sob acusação de corrupção e mesmo que tenha sido preso sob a acusação de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e destruição de provas. O professor Buratti, sem dúvida alguma, tem muito a explicar à justiça, razão pela qual, como já ressaltamos, talvez não possamos gozar por muito tempo de seu convívio.
Ainda assim, gostaria de expressar, em nome de todos os membros de nossa congregação, o regozijo com a sua chegada, com os mais sinceros votos de que os repórteres da Folha de S. Paulo e da revista Época tenham aproveitado bem os ensinamentos contidos na aula inaugural dada por ocasião do depoimento à CPI. Tenho a mais plena certeza de que nossos alunos igualmente poderão aproveitar e usufruir da vastidão de conhecimentos sobre o tema que o nobre advogado de Ribeirão Preto tão bem domina e se dispõe, graciosamente, a compartilhar conosco. Seja bem-vindo, mestre Buratti!
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Diretor da TV Câmara, professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (http://caid.sites.uol.com.br/)