O ano começa diferente para os chineses, ao menos em termos de sua programação televisiva. Uma nova política de controle do conteúdo da TV pelo Estado entrou em vigor no domingo (1/1).
As reformas econômicas, políticas e sociais na China, desde que ela resolveu entrar na experiência capitalista, são reconhecidamente cheias de contradições e idas e vindas. Não tem sido diferente no que diz respeito aos meios de comunicação, a TV em especial. Há cerca de 3.000 emissoras para atender aos 1,2 bilhão de telespectadores chineses.
O governo tem se esforçado para criar uma indústria de TV comercial para gerar riqueza. Mas sabe que essa abertura traz riscos para seu projeto político-ideológico, em que a comunicação pela TV é essencial.
Por exemplo: o programa de maior audiência no país em 2010 e 2011 foi um reality show chamado Se você for o escolhido, em que moças bonitas conversam com rapazes que tentam convencê-las a saírem juntos.
O problema para o governo foi que em algumas dessas conversas no ar os participantes entraram em temas controversos, como a política oficial de que cada casal só pode ter um filho, convivência sob o mesmo teto antes do casamento ou até onde jovens podem ir para enriquecer.
A série causou tantos aborrecimentos aos donos do poder que ela quase saiu do ar. Só se manteve depois de várias modificações (como a participação de convidados menos jovens e com cargos de direção no Partido Comunista) e o recrudescimento da ação da censura sobre o conteúdo veiculado.
Aprovação prévia
O objetivo geral da nova legislação é justificado, como todas as ações de censura na história da Humanidade, com os mais nobres ideais. O Partido Comunista Chinês, evidentemente, só pretende impedir “tendências vulgares” na programação televisiva.
Como tantas pessoas, seus dirigentes também ficam preocupados com o excesso de mitificação de celebridades, com o mau gosto na apresentação de conteúdo e a decadência moral.
Por isso, em defesa da população que fica exposta a essas baixarias, designaram um grupo de funcionários que decidirão o que não é exagero ao tratar de gente famosa, o que constitui bom gosto e o que é moralmente elevado.
Além disso, para evitar que até esse grupo de funcionários cometa erros, decidiu-se limitar a possibilidade de enganos. Assim, a partir desta semana, cada emissora de TV chinesa só pode colocar no horário nobre dois programas semanais de entretenimento – desde que no total, no país todo, eles não excedam a nove por noite.
Aparentemente, as autoridades acreditam que entretenimento demais (em 2011 esses programas chegaram a ser 126 por semana, em horário nobre) não faz bem ao espírito chinês. Por isso, a necessidade da redução drástica.
Ideias de novos programas devem ser previamente aprovadas pelos censores antes de a produção ter início. No lugar do entretenimento, devem ser feitas séries que promovam “as virtudes chinesas tradicionais” e “o sistema central de valores do socialismo”.
“Controle social”
A agência reguladora da TV chinesa, chamada Administração Estatal do Rádio, da TV e do Cinema, ganhou também poderes de determinar quando anúncios podem ser inseridos na programação e que tipo de enredo os shows de ficção podem ter (por exemplo, temas relativos a espionagem estão agora proibidos, não se sabe exatamente por que razão, já que a agência não precisa explicar as motivações de suas decisões).
Pragmáticas, as autoridades chinesas sabem que não podem proibir tudo que agrade ao público, por dois motivos: a audiência não pode cair demais porque isso poderia afetar a economia; e muita gente insatisfeita com a oferta da TV poderá procurar alternativas na internet, onde o poder de controle do Estado é muito mais difícil.
Quem se interessar pelos detalhes dessa nova forma de “controle social” da TV chinesa pode ler a íntegra da nova política pública na China, que tem o título de “Decisão do Comitê Central referente ao importante tema do aprofundamento das reformas do sistema cultural para promover o grande desenvolvimento e a prosperidade da cultura socialista” no seguinte endereço: http://cmp.hku.hk/2011/10/26/16743/. Infelizmente para quem não domina o idioma, o texto está em mandarim.
***
[Carlos Eduardo Lins da Silva é jornalista]