26/01/2012, fim de noite, me sentei diante da TV com a intenção de zapear e qual não foi uma surpresa ao deparar com Marília Gabriela entrevistando, de início não sabia se um padre paramentado de peão, ou um peão vestido de padre. Fiquei alguns segundos pasmo, boquiaberto. Pensava já ter visto de tudo e me aparece um padre peão. Depois do choque, o cérebro voltou a funcionar e me lembrei de outros padres midiáticos, a começar por Marcelo Rossi. (Quando era católico praticante, tinha amigos que imitavam seu terço bizantino: escada, escada, escada, ou então, pedra, pedra, pedra.) Enfim, me lembrei de toda a infestação pentecostal, de padres do movimento carismático, que proliferou com as bençãos de João Paulo II. Nesse quadro, um padre sertanejo pareceu plausível.
Marília Gabriela anuncia o padre Alessandro Campos como um fenômeno que arrebanha mais de 5.000 mil pessoas em suas missas no Distrito Federal. A entrevista envereda para o campo das amenidades, como a história de como Campos descobriu sua vocação ou sua vontade meio esdrúxula em construir uma igreja em formato de chapéu. A conversa fica mais interessante no primeiro bloco quando a entrevistadora pergunta a seu entrevistado se realiza esse tipo de trabalho para arrebanhar fiéis num momento em que a Igreja os perde para a concorrência evangélica. O padre peão responde: a Igreja perde os infiéis, uma vez que os fiéis continuam em suas fileiras. Reflete também que os católicos descobriram mais tarde o segredo para o sucesso TV e rádio. (Apenas esqueceu, ou não acha, ou não quis mencionar, que a programação das emissoras católicas é sofrível.)
A Igreja precisa de seus ídolos
No decorrer da entrevista, Marília Gabriela não deixa de tocar em assuntos como o celibato. Seu entrevistado, como bom funcionário de sua empresa, tenta dar respostas com algum sentido, como a justificativa de que um padre casado teria menos tempo para seus fiéis, para essa imposição a si e a seus colegas celibatários, mas é difícil tirar leite de pedras. Sua resposta mais sensata é que a Igreja como instituição milenar não vai abrir mão de seus valores. As mais constrangedoras foram do tipo: ouço falar, mas não conheço nenhum filho de padre (quesito em que perde para a apresentadora, considerando que esta afirmara que já havia inclusive namorado com um).
Também afirma que, em caso de queda do celibato, não se casaria, uma vez tendo decido ser padre ainda com a proibição. Ainda engole, um tanto seco, o sapo de ouvir Gabriela considerar sua instituição homofóbica. As grandes verdade são as mais doloridas e em alguns momentos da entrevista deixa a nítida impressão de se agarrar aos dogmas rezando para a racionalidade da crítica desses não lhe ecoar no fundo do coração. A atitude é de abandono. O entrevistado se abandona em uma zona de conforto que afirma ter anunciado desde de criança, o sacerdócio. Qualquer coisa fora dessa condição lhe é rechaçada, mesmo a possibilidade, como aspirante a grande “ídolo”, de ter a seu dispor um vasto estoque de mulheres disponíveis que dariam tudo para fazer um padre sair da batina. Já a pedofilia é vista pela Igreja como pecado e crime, responde Campos depois de inquirido sobre o tema, e tal assunto não se desenvolve mais.
Infelizmente, não sobra tanto mérito à entrevistadora. É fácil colocar a saia justa num entrevistado quando este se vê na obrigação de defender dogmas irracionais, por convicção ou obrigação. Talvez a convicção seja um bocado escassa, na defesa do indefensável. Nesse caso resta apenas ficar nervoso, perder a articulação das ideias, ou até gaguejar um pouco. Mesmo sendo, nesse caso, a falta desta seria mais meritória que a convicção pura. Ao que parece, a instituição católica conta com mais um possível ídolo. Embora a idolatria seja repelida de longa data na tradição judaico-cristã, a Igreja precisa de seus ídolos. Precisa dos padres cantores que arrebanham multidões como deuses, precisa que seus fiéis sintam o que sentia um egípcio antigo diante da aparição do faraó. Uma deliciosa ironia, quase tão boa quanto o fato do Deus cristão ser três em uma só pessoa.
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[José Alexandre da Silva é professor de História, Ponta Grossa, PR]