Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Suzana Singer

“Sem nenhuma modéstia, a campanha publicitária do ‘TV Folha’, que invadiu até as sagradas páginas de opinião do jornal, decretou: o telespectador finalmente terá algo para ver nas noites de domingo.

Ainda é cedo para dizer se a promessa foi cumprida ou se cabe procurar o Procon. Uma estreia é pouco até para avaliar um restaurante.

Mas o que já ficou claro é que o ‘TV Folha’ tenta se diferenciar dos outros telejornais: não tem âncora alinhavando as reportagens, os colunistas aparecem ‘descontraídos’, a edição busca uma linguagem de documentário e o tom é de crítica -sobrou até para o Chico Buarque.

O primeiro programa começou com um assunto velho, a ação policial na cracolândia, que aconteceu há dois meses, mas serviu de recado aos que acreditam que a Folha, ao usar um espaço da TV Cultura, engatou um namoro com o governo do Estado. A tese da reportagem era que a operação, ineficaz no combate ao problema dos viciados em drogas, visava às eleições.

Louvável, a independência editorial não é suficiente para encerrar a discussão sobre a validade dessa parceria, em que uma empresa privada explora espaço de uma emissora pública.

O jornal não explicou direito as bases desse acordo. Trata-se de uma permuta: em troca dos 30 minutos na televisão, a Folha cede páginas de anúncios para a Cultura. As despesas do ‘TV Folha’ são do jornal, mas são compensadas pela receita publicitária. ‘A TV Cultura tem como ganhos um programa jornalístico de qualidade a custo zero, além de espaço de divulgação na Folha’, diz a assessoria de imprensa da emissora.

Não houve concorrência, mas a Folha não foi a única convidada. ‘Não cabe licitação, porque todos os grandes jornais de São Paulo foram chamados em condições de igualdade’, diz a Cultura. Segundo a emissora, o programa do ‘Estado de S. Paulo’ deve estrear no segundo semestre, o ‘Valor’ ainda não apresentou uma proposta e a revista ‘Veja’ desistiu.

A Secretaria de Redação diz que considera válida a terceirização de espaço em emissora pública, desde que seja um recurso para ‘melhorar e diversificar a programação’.

A audiência da estreia mostrou que ‘melhorar’ a televisão não é fácil. Mesmo com tanta propaganda, o programa obteve 1 ponto no Ibope, um aumento de 0,3 em relação ao da semana anterior (cada ponto equivale a 60 mil domicílios na Grande São Paulo).

O modesto crescimento e a ‘boa receptividade do público’ foram alardeados numa série de pseudorreportagens autopromocionais, que chamavam de ‘pesquisas Datafolha’ sondagens feitas com um número pífio de participantes. Só um texto crítico foi publicado, sob a vinheta ‘não gostei’, na ‘Ilustrada’.

‘Está exagerado, querem nos convencer de que o programa foi um sucesso. Mas isso tem que ser feito com conteúdo, não com essa espécie de merchandising’, reclamou o leitor Robinson Alves, 28, curador.

O jornal, que noticia com destaque cada perda de audiência da Rede Globo, será submetido agora a um teste de transparência. Para mostrar respeito pela inteligência do leitor, como prometeu na campanha publicitária do ‘TV Folha’, precisará ser duro com a sua nova criação, que já nasceu petulante, desdenhando a concorrência.

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Já que o assunto é vida inteligente na televisão, uma sugestão: o programa ‘Roda Viva’ (TV Cultura, 22h) entrevista amanhã o jornalista Alberto Dines, que completou 80 anos em fevereiro. Dines publicou a pioneira coluna de crítica de mídia, o ‘Jornal dos Jornais’, nesta Folha, de 1975 a 77.

Na sua estreia, escreveu: ‘Cabe à imprensa provar em sua própria carne que abrir-se à crítica não é prova de vulnerabilidade, mas de amadurecimento. O que prejudica é o silêncio’. Atualíssimo.”