Não se pode analisar o desempenho de estreia de um programa de televisão nos dias atuais com as regras de antigamente. O modelo de negócios das radiodifusoras de som e imagem sofreu forte impacto com o avanço da tecnologia, desde a produção à recepção pelo público. Além disso, hoje é robusta a competitividade dentro do próprio segmento, sem contar a concorrência de novas formas de se consumir produtos de entretenimento. Assim, analisar o desempenho de um programa apenas pela estreia, levando em consideração os índices de audiência auferidos, em muitos casos, pode ser um erro. Analisá-lo artisticamente em cima de uma exibição de 90 minutos? Talvez, forçoso.
Seria prudente, a meu ver, esperar no mínimo 30 dias porque não tem fundamento a tese generalizada segundo a qual um programa de TV que estreia bem será sucesso, assim como é descabida a ideia de que uma má estreia seja o prenúncio de um retumbante fracasso. Há vários outros fatores por trás dessa relação.
No último dia 25/6, estreou na Rede Globo o Encontros com Fátima Bernardes, um programa de variedades comandado pela jornalista que durante anos esteve na bancada do principal produto jornalístico da emissora, o Jornal Nacional. Ingrediente que, por si só, despertou a atenção do público e consequentemente da imprensa. O primeiro programa liderou o horário com o melhor índice obtido pela Globo naquela faixa nos últimos seis anos. Entretanto, a crítica especializada não esperou nem o segundo programa para esmiuçar um perfil da atração. Com certa ansiedade, grande parte deixou transparecer que não gostou do que viu. Não gostar, diga-se, é um direito. Mas jornalisticamente faltou solidez a algumas argumentações, tanto nas críticas positivas, quanto nas negativas. Algumas críticas negativas davam a impressão de terem sido preestabelecidas.
O que está por trás dessa forma de análise
Se não se brigou com os números da estreia, nem com a competência da apresentadora, o foco foi genericamente todo o resto. As pautas, a participação da plateia, dos convidados, dos colaboradores fixos, o cenário, em maior ou menor escala, tudo foi objeto de descontentamento. Quem esperou a terça-feira, tratou então de ir à jugular dos números. No segundo dia de exibição, a atração andou pela casa dos 7 pontos no Ibope, três a menos que na estreia, ou 30%, como preferiram os mais críticos. Parece que cada um queria o programa do seu jeito. Como não foram atendidos, nada de positivo pode ser detectado. Até mesmo os que criticavam o programa infantil que ocupava o espaço viram na sua mudança na grade – preencherá as manhãs de sábado do canal – uma virada de costas da emissora para o seu público infantil.
Em algumas resenhas, restava ainda latente o descontentamento com a agressiva campanha de divulgação escolhida pela Globo, através da qual a estreia foi pautada em todos os espaços possíveis nas empresas do grupo.
Ora, esqueçamos o currículo de Fátima Bernardes e olhemos para o mercado. Se uma empresa possui um novo produto e acredita no seu potencial, ela usa todos os meios disponíveis para promovê-lo. Então, não há nada de errado no fato de um conglomerado de mídia como são as Organizações Globo usar o que tem de melhor para a promoção dos seus produtos. Anormal seria fazer publicidade do fracasso.
Prefiro não depreender, ao analisar os argumentos, que as críticas foram contundentes por se tratar de Fátima Bernardes e da TV Globo porque estreias de outras emissoras também já receberam tratamento semelhante. O que levanto para reflexão, e isso não é um ataque aos críticos, é o que está por trás e quais são os parâmetros dessa forma de análise.
Mais uma opção
Não sou crítico especializado no assunto, mas diria que a novidade causou estranhamento, o que é normal, e a dinâmica do programa precisa ser melhorada. O cenário em 360º graus, que permite a todos os presentes participar de fato da atração, pede uma interação menos mecânica, mais azeitada, mais equilibrada. Isso se consegue com o tempo. A quantidade de colaboradores fixos querendo opinar sobre os assuntos precisa ser mais bem equacionada, algo que Fátima Bernardes, com a experiência adquirida no ao vivo do Jornal Nacional, buscou contornar da melhor maneira possível.
Enfim, do meu ponto de vista de telespectador, vou esperar um pouco mais para tecer maiores considerações. A produção precisa de tempo para identificar os desacertos, potencializar os acertos e trabalhar para conseguir um produto coeso e agradável ao público. Do mais, que ninguém se iluda. Em televisão, tempo é, de fato, dinheiro, e uma grande empresa não costuma desperdiçá-lo. A história mostra que a TV Globo tem sua faixa de tolerância e não tem o menor constrangimento em intervir em sua programação quando algum produto não atinge o resultado esperado.
Em todo o caso, trata-se de uma opção nas manhãs da TV aberta brasileira, opção esta necessária, na medida em que as emissoras costumam apostar com frequência numa grade de programação com gêneros de produção semelhantes na mesma faixa de horário. Abriu-se uma frente, e o público ganhou mais uma opção de escolha.
Assim, se vai dar certo só o tempo dirá.
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[Marcelo Feitoza é jornalista, Rio de Janeiro, RJ]