O programa de debates Na moral apresentado pelo jornalista Pedro Bial (12/7) discutiu um tema de grande relevância para a atualidade: a convergência entre a vida privada e a pública, de maneira superficial, diga-se de passagem, cujo título era: “Sorria, você está sendo filmado”. Queremos esclarecer que, embora façamos menção ao programa do Bial, o produto em si não é o foco da reflexão aqui pretendida; mas parte da temática discutida naquele dia é que nos interessa. Em especial, a participação dos convidados de um dos blocos, quais sejam: Felipe Panfini (proprietário de agência de paparazzi) e Pedro Cardoso (ator da Rede Globo), que ofereceram um toque apimentado à discussão. Quer dizer, este último protagonizou argumentações que nos fizeram pensar o quanto a vida das celebridades é tão corriqueira quanto as nossas. No entanto, em função de uma indústria que está em ascensão, o cotidiano privado dos artistas é vendido como um sonho a ser alcançado pela sociedade.
No final das contas, sabemos, por exemplo, que não existirá o belo dia em que acordaremos e seremos famosos em nossas áreas de atuação sem o devido empenho, que não desfrutaremos de uma vida permeada por glamour sem conflitos internos para resolver, ou que não existe a família perfeita que se constituirá e todos serão felizes para sempre. Contudo, a perspectiva ilusória de uma vida midiática muitas vezes paira no ar.
O ter e o ser, qual é o limite entre estas noções?
Apostas de vida
O universo das celebridades é vendido como a vida ideal. Em muitos casos, até mesmo a classe artística, que conhece os mecanismos trabalhados para estabelecer esse conceito, acredita nesse modo de viver a ponto de esquecer que o ser humano é uma coisa e o estar artista é outra coisa. Essa ilusão atravessa as diversas esferas da sociedade, muitas vezes os comportamentos sociais se fundamentam nessa lógica. Só poderemos obter felicidade se tivermos o corpo da “beldade” do momento ou se comprarmos o carro anunciado pela personalidade cuja imagem transmita, por exemplo, “estilo e personalidade”, já que a conquista deste bem poderá traduzir a nossa essência, conforme os conceitos trabalhados pela publicidade. Suponhamos que a mídia não exercesse nenhuma expectativa relevante para nossa existência, quais seriam de fato os nossos valores? Para responder esta pergunta, cabe a cada um de nós fazermos uma reflexão, de acordo com os nossos princípios.
À medida que pensamos sobre a temática, podemos perceber o quanto o desejo de ter suplanta o ser. Uma coisa é inegável: vivemos numa cultura capitalista, e negar isso seria ingenuidade, mas basear nossas vidas nessa lógica é nocivo a ponto de nos fazer esquecer que somos humanos e não produtos de uma idealização constituída. Citando Pedro Cardoso: “a vida dos artistas não é isto que estas publicações dizem que a nossa vida é, a nossa vida é banal e simples como a de todo mundo”. Esse raciocínio elucida o quanto vivemos (ou viveremos) cercados por dilemas impostos pela existência, independente de sermos pessoas públicas ou privadas.
Em suma, a idealização projetada pelas práticas midiáticas tenta instituir o conceito da vida feliz, com suas perspectivas textuais e imagéticas, que dita os modelos (ou as receitas) a serem seguidos pela coletividade. Dessa maneira, a mídia vai vendendo a ideia de que podemos viver sem frustrações com a sociedade, com a profissão e conosco. Até que ponto isso pode ser benéfico à nossa vivência? Temos que ter em mente a consciência de que somos singulares, tanto no âmbito sociocultural quanto no âmbito psíquico. Então, o que nos resta é a busca de sermos o que somos a partir de nossas apostas de vida e não da receita “bem-sucedida” apresentada pelos veículos midiáticos.
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[Rafaela Chagas Barbosa é mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos]