Prevista para entrar em vigor no dia 2 de setembro, a nova lei da TV por assinatura ainda provoca muitas dúvidas em relação a um de seus itens mais polêmicos: as cotas obrigatórias de programação nacional nas grades dos canais. Produtores, programadores e distribuidores de conteúdo dizem estar confusos sobre o que terão de apresentar e, alguns deles, questionam se será possível cumprir todas as exigências. “Quanto mais eu tento entender essa lei, mais assustado fico”, disse Anthony Doyle, vice-presidente regional da Turner International do Brasil, que distribui canais como CNN e Cartoon Network.
Para Doyle, a Agência Nacional do Cinema (Ancine), que regulamentou a parte de conteúdo da nova lei, deveria ser mais flexível. A adaptação às novas regras, segundo o executivo, está sendo mais difícil do que se imaginava. “Há questões logísticas e econômicas que não nos permitem cumprir todos esses prazos”, disse Doyle na ABTA 2012, feira e congresso do setor que ocorre em São Paulo.
Anteontem (31/7) terminou o prazo para que os canais de conteúdo nacional independentes (não ligados a empresas de radiodifusão) fizessem o credenciamento no site da Ancine. Muitos deles perderam esse prazo por não saberem ao certo se enquadram nas regras de conteúdo qualificado. A Ancine não divulgou quais programadores perderam o prazo. O Valor apurou que eles são, em sua maioria, canais estrangeiros que, por força da nova lei, precisam constituir uma empresa no país e não tiveram tempo hábil para isso. Outros teriam tido dificuldades porque o site da agência teria ficado fora do ar, o que a Ancine nega. Segundo a agência, há cerca de 200 canais no país, que deveriam ter feito esse credenciamento.
Prestação de serviço terá apenas uma licença
A expectativa, segundo Manoel Rangel, presidente da Ancine, é que em duas semanas, a lista com os credenciados seja divulgada. Os que não fizeram o cadastro serão notificados. Para ser enquadrado como qualificado, o canal tem de ter de uma hora e meia a três horas e meia semanais de conteúdo nacional. Isso exclui telejornais, eventos esportivos, religiosos, infocomerciais ou programas de auditório. Além disso, a programação tem de ser produzida, em parte, por produtoras nacionais independentes.
A Net Serviços – maior operadora de TV paga do país, com 55% de participação de mercado – pretende informar à Ancine, no dia 28 de setembro, que canais entrarão em sua programação ajustada à lei. Mas, segundo Rodrigo Marques, diretor da Net, há dúvidas sobre o enquadramento de canais, entre outros detalhes. “Eu preciso saber quais canais cumprem essa exigência de qualificado para montar minha grade, e, então, comprar equipamentos, na maior parte importados, que demoram a chegar ao país, para aí então fazer o credenciamento na Ancine”, disse. Isso provavelmente vai levar mais de um mês.
A empresa planeja expandir sua atuação, que até agora se estende a 90 cidades, mas precisa adaptar as 43 licenças que detém atualmente para prestar serviço de TV paga. Essa adaptação tem de ser feita na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que concede as outorgas. Pela nova lei, a prestação do serviço terá apenas uma licença, vinculada a um único CNPJ, o que vai exigir da Net a reestruturação de sua operação. “Não queremos criar celeumas, mas que as empresas sejam proativas, venham até a gente para dividir suas dúvidas”, afirmou o presidente da Ancine. Segundo ele, como a lei foi aprovada há um ano, as empresas tiveram tempo para as adaptações necessárias.
Receitas da TV paga
Apesar de aprovada pelo Congresso Nacional em setembro, a regulamentação da Anatel foi feita em março, e a da Ancine, em junho. Na prática, argumentam as programadoras, elas tiveram menos de três meses para reestruturar suas grades, ir atrás de conteúdo nacional, pedir a licença na Anatel e registrar-se na Ancine.
Paulo Saad, diretor da Band, disse que outro agravante é que a compra de acervos brasileiros dobrou de preço. Ele não comentou valores, mas afirmou que os custos, a qualidade dos serviços e a realidade econômica do país estão em desacordo. “A classe C está com a capacidade de consumo se esgotando, os custos estão mais altos e a crise lá fora poderá ter impacto na hora de exportar nossa programação”, afirmou.
Para piorar o cenário, segundo as empresas, entrou em vigor, ontem, uma norma da Ancine que obriga os distribuidores de vídeo sob demanda a pagarem a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine). Isso significa que serviços como Netflix e o Now, da Net, terão de recolher R$ 3 mil por título adquirido para transmiti-lo nos serviços sob demanda.
As produtoras de conteúdo mostram-se mais otimistas. Luis Antonio da Silveira, produtor executivo da Conspiração Filmes, disse ter contratado oito roteiristas nos últimos meses, totalizando 16 desses profissionais na produtora, para dar conta da demanda por conteúdo nacional. “O cenário futuro é muito bom, e as portas para as produções independentes estão abertas”, disse. Nos três primeiros meses do ano, as receitas da TV paga – que incluem as assinaturas de clientes, publicidade e serviços agregados, como banda larga – somaram R$ 5,4 bilhões, informou a ABTA, que reúne as companhias de TV por assinatura.
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[Juliana Colombo, do Valor Econômico]