Após cinco anos de debates no Congresso e meses de regulamentação na Ancine (Agência Nacional do Cinema), a nova lei da TV passa a valer em uma semana.
Mas o tempo de maturação da legislação não foi suficiente para dirimir dúvidas sobre mudanças cruciais em pacotes e programação de parte dos canais -que agora têm cota para produções nacionais e independentes.
Até 2013, com exceções como jornalísticos e esportivos, as TVs terão de exibir ao menos três horas e meia semanais de conteúdo nacional.
Ainda sem conhecer aspectos fundamentais da regulamentação, o setor audiovisual se mostra cético quanto à aplicação efetiva da lei a partir do próximo dia 2.
As TVs desconhecem, por exemplo, como será a fiscalização ou quais canais com ao menos 12 horas diárias de programas nacionais serão obrigatórios nos pacotes.
A última informação é essencial para a nova composição dos planos oferecidos aos assinantes. Para agravar o cenário, a Ancine enfrenta uma greve de funcionários.
Vice-presidente da ABTA, associação que reúne operadoras e programadoras do país, Oscar Oliveira aposta que não haverá nenhum canal novo em pacotes comercializados até 2 de setembro.
Manoel Rangel, diretor-presidente da Ancine, admite que esse é o principal atraso na implementação da lei.
“Nós devemos conceder um prazo adicional para o enquadramento das empacotadoras”, disse Rangel à Folha, sem fixar novas datas.
Detentora de canais que poderiam ingressar nos pacotes, a Globosat diz que ainda estuda a nova legislação.
A lei foi desenhada com o objetivo de desenvolver a indústria audiovisual do país em paralelo ao crescimento do setor de TV por assinatura -hoje com 14,5 milhões de assinantes (25% do total de domicílios do país).
O setor ganhou 1,8 milhão de assinantes no primeiro semestre deste ano. Se o ritmo persistir, o governo prevê que até o fim de 2014 o serviço atinja 50% da população.
Rangel estima que quando a nova lei estiver plenamente em vigor (setembro de 2013), haverá a criação de mil horas de conteúdo nacional ao ano.
Gargalos
De fato, a nova exigência impulsionou projetos inéditos (veja quadro abaixo). Mas o que se vê nos anúncios da nova grade é que parte da cota será preenchida por programas e filmes velhos.
Anthony Edward Doyle, vice-presidente regional da Turner International (dos canais Space, TNT e Cartoon Network), lista entre os problemas a demora da Ancine para liberar recursos de fomento à produção nacional.
“A gente precisará pegar projetos e produtos que já estão na prateleira para cumprir cota e não ser penalizado pela própria Ancine. É no mínimo irônico”, afirmou.
A nova demanda também expôs gargalos até então desconhecidos pelo setor audiovisual. Produtoras aumentaram equipes (a TV Pinguim cresceu 25%), mas esbarram em dificuldades como a falta de roteiristas e o aumento dos cachês de profissionais.
“Estou indo à caça de talentos. Sem falar de amigos que coloquei de olheiros em universidades”, disse Leonardo Dourado, diretor da produtora Telenews e conselheiro da ABPI-TV, associação das produtoras independentes.
A instituição prepara ainda uma espécie de vitrine para prospectar jovens talentos em São Paulo e no Rio.
Emissoras reclamam da força que a lei deu às produtoras. “Não quero generalizar, mas há ágio sobre alguns projetos”, diz Doyle, da Turner.
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Série (fdp) estreia para cumprir cota na HBO
A regra era clara. Mas mudou no meio do jogo. E o time antes considerado mais fraco ganhou um belo reforço.
Sorte da Prodigo, produtora da série nacional “(fdp)”, que estreia hoje na HBO no Brasil e, simultaneamente, na América Latina. À medida que a série se desenrolava em roteiros, as normas do mercado audiovisual mudaram.
“(fdp)” levou quatro anos para ficar pronta. Ficou 11 meses parada por causa da mudança das regras do jogo do mercado audiovisual, enquanto a Ancine definia que, se uma produção tiver dinheiro de incentivo fiscal, os direitos patrimoniais ficam para a produtora.
A decisão desagradou à HBO, que depende agora da Prodigo para definir o futuro da série. Ao mesmo tempo, “(fdp)” cabe perfeitamente nas cotas de conteúdo nacional da nova lei da TV paga.
No lugar de craques rebeldes, armadores pensantes ou técnicos estrategistas, “(fdp)” aposta em um juiz como protagonista, Juarez (Eucir de Souza). Vilão por excelência em jogos, aqui ele está mais para vítima na trama.
Divorciado, tem dificuldades para visitar o filho (a ex-mulher não perdoa o adultério). Sem dinheiro, volta a morar com a mãe (que namora um argentino) e se apoia no amigo Carvalhosa (Paulo Tiefenthaler), o bandeirinha.
Os 13 episódios da primeira temporada mostram a luta de Juarez para integrar o quadro internacional que o colocará em condições de apitar a Libertadores, principal torneio do continente.
Vários personagens do mundo da bola permeiam a trama, como o poderoso cartola, a maria chuteira, o comentarista… e a mãe do juiz.
Nomes importantes do futebol foram convidados para participar, como Rivelino (um padre), Juca Kfouri (que de jornalista passa a jornaleiro), Dentinho (repórter) e Neymar (o menino do filtro).
As participações foram improvisadas e escritas em cima da hora, como a Folha acompanhou no dia da gravação com Neymar.
Com Adriano Civita, Caíto Ortiz, Kátia Lund e Johnny Araújo como diretores, a equipe se sai bem no ponto fraco das produções de futebol: filmar o jogo corrido.
A regra que não muda em nenhum episódio é o final. Mesmo que Juarez vá bem, sempre tem alguém para encerrar o capítulo chamando-o de… “fdp”. (Sandro Macedo e Elisangela Roxo)