O telespectador que recebe diariamente a informação de um conteúdo jornalístico em sua casa acredita que aquilo, tal como está vendo e ouvindo, é totalmente real. Há uma linha tênue entre a realidade e a ficção. Programas pseudo-documentais geralmente mostram a coragem e determinação de um intrépido repórter de TV que mergulha em águas geladas do Mar do Norte europeu, cruza pântanos infestados de crocodilos, passa noites em iglus improvisados na Groenlândia, como se ele estivesse ali, sozinho, à beira de uma hipotermia, testando seus próprios limites, quando na verdade está cercado por um grupo de técnicos que são fundamentais para a realização do documentário. Há sempre um cinegrafista, o operador de áudio, um produtor e um diretor. Uma equipe empenhada em mostrar as aventuras quiméricas do audacioso repórter, cujo objetivo principal é instigar o telespectador a acreditar que aquilo que ele está assistindo é realidade, e não ficção.
Quando há uma interferência fictícia em um documentário, este passa a ser um docudrama que essencialmente vai contar uma história real, através de relatos, material fotográfico, documentos, mas utiliza-se de recursos ficcionais, tais como simulação dos fatos, inserções de imagens e animações que não tenham compromisso direto com a realidade, mas com sentido único de amplificar a realidade a partir de uma visão e de um conceito arbitrário, fundamentado em um fato real.
No telejornalismo não é diferente. Em uma escala menor, depois que uma reportagem é gravada e segue para a ilha de edição, lá recebe um tratamento que altera sua forma cronológica e, consequentemente, perde a sua característica de veracidade, ocasionando o que eu chamo de subversão da imagem.
Sem interrupção, sem manipulação
Geralmente a equipe de reportagem utiliza apenas uma câmera na gravação do tema proposto pelo pauteiro. Além das entrevistas, que na linguagem jornalística chamam-se “sonoras”, o repórter cinematográfico grava também a introdução do repórter, que explica de forma resumida o teor da matéria, comumente chamado de “gravação de cabeça”. O cinegrafista faz imagens extras que poderão ser utilizadas na pós-produção, ou seja, na edição. As gravações extras incluem, quando necessário, registrar separadamente imagens de planos detalhes de um objeto ou personagens sociais que poderão ser inseridas posteriormente na matéria. Tecnicamente o procedimento é correto, mas se analisarmos do ponto de vista do que é realidade e o que é a ficção, a partir do momento em que as imagens captadas irão sofrer algum tipo de alteração de tempo e espaço na pós-produção, essencialmente, perde-se a totalidade daquilo que é real, transformando a reportagem em uma obra que beira a ficção.
É o caso também das câmeras de segurança, que hoje são estrelas de programas jornalísticos da TV por serem utilizadas pela polícia como prova substancial de um crime ou acidente, mas, não raro, são manipuladas inescrupulosamente antes que caiam nas mãos da justiça, o que ocasiona a perda do sentido documental, frustrando a opinião pública.
Para que uma reportagem esteja calcada na realidade e fidedignidade, a captação de imagem deve ser feita em plano sequência, cujo objetivo principal é a gravação, do início ao fim, sem interrupção e sem manipulação de um fato. Enquanto a realidade e a ficção forem inseparáveis, o conteúdo dos telejornais será apenas uma possibilidade.
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[Willy Schumann é jornalista e documentarista]