Quem assistiu ao Globo Repórter de 22 de fevereiro deve ter-se convencido de que o Brasil reserva uma alternativa segura de emprego e renda a todos aqueles que têm algum talento para o empreendedorismo e energia para trabalhar: a alternativa é a pequena empresa, apresentada pelo programa como um verdadeiro maná, o alimento que cai do céu e é capaz de saciar a “fome” dos que desejam ficar ricos e obter as glórias da realização profissional. Que ninguém, entretanto, se deixe iludir pelo “plim-plim”. Os caminhos do empreendedorismo são extremamente árduos no Brasil, onde a pequena empresa atua em cenários considerados os piores do mundo. O maná, portanto, pode ser muito indigesto.
O comportamento da TV, no caso, é mais um exemplo de um fenômeno que ao longo do tempo tem atrasado o desenvolvimento do empreendedorismo no Brasil: o desconhecimento amplo, geral e irrestrito que os agentes da política e da economia, inclusive de certas mídias, têm da pequena empresa, de suas demandas, dificuldades, de seu modo de agir. As micro e pequenas empresas são diferentes das médias e grandes mas, devido a esse desconhecimento, nunca foram tratadas por suas diferenças. Nada mais natural que no Brasil o segmento responda por uma participação no PIB (Produto Interno Bruto) pouco superior a 20%, quando em qualquer país desenvolvido essa mesma participação aproxima-se e chega a ultrapassar os 50%.
Se a TV tivesse uma compreensão maior do segmento não teria editado um programa como esse – a apresentação de inúmeros casos de sucesso – sem advertir para os riscos do fracasso que acometem a maioria dos que tentam empreender. Pedro Cascaes Filho, economista catarinense que lançou o movimento associativo nacional da pequena empresa há 25 anos, acredita que apenas 20% das firmas que são abertas hoje vão atravessar a barreira dos cinco anos de vida sob controle dos mesmos donos iniciais.
Nada contra o empreendedorismo
Nada é tão fácil a vida dos pequenos empresários, como sugeriu esse Globo Repórter; se existem créditos, ainda são caros, restritos, burocratizados e o que é pior – as fontes não oferecem aos pequenos um só mês de carência para pagamento. Programas como o Simples ou o Super Simples são também extremamente restritivos porque baseados na visão fiscalista dos três poderes – municipal, estadual e federal – que enxerga a pequena empresa exclusivamente como contribuinte. A Justiça do Trabalho ainda olha a pequena empresa apenas como “exploradora de mão-de-obra”, embora os encargos sociais da folha de pagamento sejam simplesmente asfixiantes.
Ao lado das agruras do cenário externo, conjuntural, perfilam as dificuldades do cenário interno. Existem pesquisas que apontam que a grande causa da morte da pequena empresa é a falta de “visão de marketing” do empreendedor, capaz de lançar-se na aventura de abrir uma firma sem antes planejar minimamente suas atividades. Não existem programas de capacitação dos pequenos na escala em que seriam necessários. Há também a previsão, feita por especialistas, de que a produtividade da pequena empresa poderia ser fortemente acelerada por sua inclusão nas novas tecnologias de informação e sua participação nos ambientes digitais. O acesso dos pequenos a esses novos cenários é lentíssimo pela falta de programas governamentais que o incentivem, assim como é feito em muitos outros países.
Nada contra que o empreendedorismo seja incentivado e todas as pessoas que carregam o desejo de empreender sejam encorajadas a seguir em frente com destemor. Não advertir para as dificuldades, não informar que o empreendimento deve ser minuciosamente planejado antes de darem a largada, é como conclamar todos a mergulharem numa piscina sem levar em conta os que sabem e os que não sabem nadar.
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[Dirceu Martins Pio é jornalista e consultor em comunicação corporativa]