Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Séries para a web já incomodam redes de TV

No piloto de televisão que o ator Cheyenne Jackson gravou recentemente, ele faz o papel de um jovem e agressivo âncora cuja ascensão ameaça um colega mais velho em um noticiário de TV. É uma metáfora cabível para o próprio setor. Isso porque, apesar de Jackson já ter gravado pilotos para as redes ABC, NBC e USA anteriormente, esta foi sua primeira vez gravando um programa para uma nova ameaça a essas emissoras: a Amazon.com.

Quando a Amazon avalia o mercado de televisão, vê oportunidades – e não está sozinha nessa avaliação. A TV via internet, que até recentemente não tinha qualidade para disputar espaço com os veículos tradicionais, é hoje o novo front na guerra pelo limiar de atenção dos espectadores americanos. A Netflix entrou na onda com o drama de US$ 100 milhões House of Cards e outras quatro séries neste ano. A Microsoft está produzindo programação para o console de videogame Xbox com a ajuda de um ex-executivo da CBS. Companhias como AOL, Sony e Twitter, provavelmente, vão fazer o mesmo.

Na verdade, as companhias estão criando novas redes de televisão via canais de banda larga. Isso está provocando novas rivalidades – entre elas mesmas, como ocorre entre Amazon e Netflix, e também com as grandes, mas vulneráveis, redes de transmissão aberta.

“Estes são os primeiríssimos testes de laboratório de um experimento muito grande”, disse Jeff Berman, presidente da BermanBraun, empresa de mídia que produz programas para NBC, HGTV, AOL e YouTube.

A competição apenas começou. A Amazon está fazendo episódios pilotos para seis comédias e cinco programas infantis. Em algum momento do segundo trimestre deste ano, ela colocará os episódios em seu serviço Amazon Prime Instant Video e pedirá que seus clientes digam de quais eles gostaram e de quais não, e depois encomendará temporadas inteiras de alguns deles.

A Netflix, por sua vez, encomendou temporadas inteiras de seus programas sem antes ver os pilotos. Reed Hastings, presidente da Netflix, disse na semana passada que House of Cards, o thriller político com Kevin Spacey e Robin Wright, foi um “grande sucesso” para a companhia. Seu próximo programa, uma série de horror chamada Hemlock Grove, do diretor de cinema Eli Roth, estreia em abril.

As duas empresas estão encomendando programas de TV porque têm milhões de assinantes em planos de assinatura mensais ou anuais. Embora os programas possam dar prejuízo, executivos como Hastings dizem que ter conteúdo exclusivo – algo que não pode ser visto em nenhum outro lugar – aumenta a probabilidade de os assinantes atuais continuarem pagando e de novos se inscreverem.

Efeito na TV a cabo

A proliferação de programas é geralmente vista como uma coisa boa pelos espectadores, que têm mais escolhas sobre o que assistir e quando, e por produtores e atores, que têm mais lugares para serem vistos. Mas a tendência pode suscitar preocupações em companhias de cabo, com a evasão de assinantes que decidem que há coisas suficientes para assistir online. Ao mesmo tempo, a ascensão de programas só para a internet pode tornar os espectadores mais dependentes da banda larga por fio. (Em muitos casos, ambas as conexões são fornecidas pela mesma empresa).

Diferentemente das primeiras tentativas da televisão de internet, esses programas se parecem com os da TV tradicional. Isso ocorre, em parte, porque mais espectadores estão assistindo a conteúdo de internet em aparelhos de TV de tela grande, e principalmente porque as companhias envolvidas estão gastando muito dinheiro com isso. Cada piloto de comédia da Amazon custa à empresa mais de US$ 1 milhão, segundo pessoas envolvidas em sua produção, o que é menos do que os US$ 2 milhões investidos num piloto de comédia para transmissão aberta, mas mais do que é tipicamente investido em pilotos para TV a cabo.

Analistas dizem que esperam mais investimentos em TV no futuro, incluindo de companhias que não ganham dinheiro com assinantes. O YouTube, por exemplo, ganha dinheiro com anúncios, e não com assinaturas. Mas ele pagou a dezenas de produtores externos para criarem canais – assim, o site tem conteúdo profissional próprio.

Uma lógica similar está estimulando canais a cabo a produzirem mais dramas e séries que possam chamar de seus. Isso coloca um dilema, é claro: excesso de TV de boa qualidade para assistir e falta de tempo para isso.

“Os espectadores consideram um pouco estressante organizar e administrar todas suas amadas opções de TV”, disse Christy Tanner, presidente do TVGuide.com, que realizou uma pesquisa na qual as pessoas disseram “parecer trabalho” e “ter medo de perder alguma coisa” durante essa tarefa. Mas o número de empresas se acotovelando na TV está crescendo – provando uma vez mais a máxima de quase 20 anos de que o “conteúdo é rei”.

A DirectTV, a maior distribuidora via satélite dos Estados Unidos, está planejando introduzir seu primeiro programa feito em casa, um suspense intitulado Rogue, no mês que vem.

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Brian Stelter, do New York Times