A TV Liberal comemorou, no mês passado, seus 37 anos com um anúncio de certa forma surpreendente: no início deste ano seu índice de audiência se tornou o maior dentre as 117 emissoras afiliadas da Rede Globo de Televisão em todo o Brasil.
É uma façanha realmente. Pouco tempo atrás a Liberal começou a perder o primeiro lugar em alguns horários para a Record, que chegou bem próximo de impor à Globo uma derrota inédita: passar à frente da sua afiliada do Pará em todos os horários.
Nessa época os equipamentos da emissora da família Maiorana estavam sucateados, os investimentos em qualidade eram mínimos, seu pessoal estava desmotivado e havia cisões internas. Temendo que o trunfo pudesse ser usado pela Rede Record nacionalmente, num momento delicado da concorrência então acirrada entre as duas empresas, a Globo resolveu aumentar o peso da sua mão na condução da Liberal.
A Globo já interviera no jornalismo da Liberal, deslocando um jornalista mineiro, Álvaro Borges, para o comando do setor. Não foi o bastante. A Globo decidiu que era a hora de entrar na parte técnica e financeira da afiliada. Exigiu a melhoria e atualização dos equipamentos, incitou a adoção da imagem de alta definição e forçou a compra de um helicóptero para a cobertura aérea diária da cidade e para os deslocamentos jornalísticos necessários.
Também esses investimentos não seriam suficientes. A direção nacional da rede passou a incluir o Pará na sua programação, do jornalismo às novelas. Escalou atores globais e jornalistas da sede para fazer chamadas da emissora do Pará na programação nacional. Criou estrelas locais, a mais brilhante das quais é Gaby Amarantos, por suas qualidades e pelo vasto empurrão da Globo.
Peças de decoração
Nunca a emissora da família Marinho fez tanto por uma afiliada. O risco, que era alto, exigiu esse envolvimento integral. Os resultados podem ser comemorados no aniversário dos 37 anos, mas o ator principal não aparece nos registros feitos pelo grupo Liberal, é claro. A história verdadeira jamais aparecerá em seus veículos. Se a TV Liberal fosse deixada à condução dos seus donos, provavelmente teria sido ultrapassada pela Record e não teria agora motivo algum para regozijo.
Os bastidores dessa intervenção deverão ser mantidos a sete chaves. Não resistem, porém, à mais superficial das apurações. A Globo, no momento em que decidiu intervir por completo na Liberal, se já não tivesse esgotado o número de emissoras próprias que a legislação lhe permite ter, talvez tivesse absorvido a Liberal.
Não podendo se tornar dona da afiliada do Pará, tivera que impor-lhe novas regras e meios de relacionamento. Tendo custado tão caro, a retomada da liderança deve ser mantida sob rédea curta. Ao tomar conhecimento em profundidade dos negócios internos da Liberal, a Globo deve ter constatado o quanto essa gestão escapava aos termos do contrato entre a central e suas associadas, inclusive quanto à partição do faturamento. Este jornal já revelou os canais clandestinos de transferência de capital da emissora de televisão para o deficitário jornal dos Maiorana.
Um dos primeiros impactos que a direção nacional da Globo recebeu foi quando soube que a afiliada paraense utilizava a rede de 78 torres de transmissão de sinal de TV do governo do Estado, pertencente à Funtelpa. Durante 10 anos a fundação, fornida por verba do erário, repassou 37 milhões de reais para a TV Liberal simplesmente usar os seus equipamentos, como se um dono de imóvel pagasse para o locador ocupar o seu bem. Algo original (e absurdo) na história mundial do comércio.
Na matéria que assinalou os 37 anos da emissora, o jornal O Liberal informou está presente em oito municípios do Pará, além da Região Metropolitana de Belém, e conta com 83 retransmissoras, que lhe asseguram presença em toro território estadual. Não precisava, evidentemente, da esdrúxula relação de parceria com a Funtelpa, que representa uma nódoa inapagável sobre as administrações dos governadores tucanos Almir Gabriel e Simão Jatene. Uma prova de servilismo a um grupo de comunicação e de desrespeito a regras elementares do dever no exercício de função pública.
Mesmo para a Globo, que entende e pratica bastante relações conspícuas com o poder público, surgiu como surpreendente e inaceitável o tal do “convênio” criado para que o governo, através do biombo da sua fundação de telecomunicações, ajudasse decisivamente os Maiorana a esconder sua pilhagem dos cofres públicos e incompetência profissional na condução da sua emissora de televisão.
Hoje ela funciona muito melhor e como deve agir uma empresa num sistema capitalista porque seus donos passaram a ser figuras decorativas na novela, agora escrita, dirigida e interpretada pela TV Globo do Rio de Janeiro. O resto é fantasia aguada ao tucupi.
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História censurada
Quando li o álbum de aniversário da TV Liberal me senti como Leon Trotsky sob Stálin. Uma fotografia de Lênin discursando às massas foi retocada para dar sumiço no comandante do legendário Exército Vermelho, que estava ao lado, na escada, o segundo na hierarquia do poder. Derrotado por Stálin, Trotsky sumiu da iconografia e da historiografia soviéticas.
Mal comparando, foi o que os Maiorana fizeram comigo ao comemorar os 30 anos da sua televisão. Nela, fui o primeiro apresentador do Bom Dia, Pará, ao lado de Linomar Bahia. Tive um programa de entrevistas, ao vivo, durante 40 minutos, na faixa das 22 horas. Fui comentarista do noticioso, debatedor e apresentador de debates. Tudo isso por iniciativa do dono, Romulo Maiorana, pai, que abriu janelas de inserção de programação local mesmo quando a grade da TV Globo não a previa.
O pai via jornalismo, além de cifrões. Não teve herdeiros nesse aspecto.
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Lúcio Flávio Pinto é jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)