Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Lua de mel

A TV é hoje mais interessante que o cinema? Não! Talvez a pergunta pudesse ser esta: a televisão que você tem assistido hoje é mais interessante do que o cinema que você tem visto? Não sei por que o elogio muitas vezes é ligado à necessidade da comparação, como se o objeto não pudesse ser bom por si só.

Já ouvi essa frase várias vezes, sempre ligada ao cinema norte-americano, mas parece que agora se generalizou. Talvez esteja em voga no Brasil porque vivemos uma lua de mel com a televisão, graças à lei da TV paga. A medida está revolucionando o mercado para os produtores independentes e abrindo o caminho para novos olhares, o que é sempre muito positivo.

Ao mesmo tempo, temos a internet, Netflix, Now, AppleTv e, claro, os lançamentos em DVD. Isso possibilita vermos séries, americanas principalmente, de uma só vez ou conforme a nossa vontade.

Mas não é de hoje que as séries americanas são boas ou ousadas. É só lembrar do Agente 86 em plena Guerra Fria ou de “Mash” durante a Guerra do Vietnã. Também não é de hoje que a televisão brasileira tem programas com um ótimo padrão de qualidade.

Mas nada substitui o cinema. Os filmes antigos e também os atuais, que continuam, sim, muito interessantes. Claro, dependendo do que cada um se dispõe a ver. Ou do que cada um consegue ver por causa do pequeno circuito de salas exibidoras para o tamanho do país.

Experiência única

O nível de exigência e a atitude que temos quando vemos um filme não são os mesmos de quando vemos TV. As séries podem errar mais, porque no próximo capítulo você pode ser compensado. Isso não é possível no cinema, em que a relação tem que ser construída rapidamente e uma história tem que ser contada em poucas horas.

E, ainda assim, ele comporta vidas inteiras. Basta lembrar de “Nós que Nos Amávamos Tanto”, “1900”, “Era Uma Vez no Oeste” ou “2001 – Uma Odisseia no Espaço”.

Na Europa, a relação do cinema com a televisão sempre foi muito próxima, muitas vezes simbiótica. Por isso, essa afirmação não faria muito sentido por lá. Grandes nomes do cinema como Bergman e Fassbinder fizeram trabalhos para a TV e outros continuam fazendo.

Felizmente, no Brasil, parece que está acontecendo algo parecido: profissionais de televisão se tornaram também profissionais de cinema e vice-versa.

Grandes nomes do cinema brasileiro de hoje fizeram seus primeiros trabalhos na televisão, muitas vezes excelentes, mas foi no cinema que conseguiram a sua consagração. Então, esperemos que eles não abandonem o fazer cinema, que pode ser desgastante, levar anos e ser arrasado com uma frase leviana.

Muitas histórias não podem ser diluídas em vários capítulos. Se ainda tivermos o prazer de ver um filme em uma sala grande, o cinema se torna uma experiência única. Mas, se perdermos essa oportunidade, ainda poderemos contar com a televisão e seu maravilhoso poder de democratizar a informação.

Esperamos com isso que os diretores e produtores fiquem mais satisfeitos com o seu público, que tem que ser contabilizado em todos os formatos que hoje o cinema possui.

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Renata de Almeida, 47, é diretora da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo