A TV por assinatura no Brasil está numa situação semelhante à do protagonista do filme Quero Ser Grande – dorme certo dia com o corpo de um adolescente de 12 anos e desperta no outro com a envergadura de um adulto. E sofre para se adaptar.
O salto, no caso da realidade brasileira, deve-se à Lei da TV Paga, que abriu o mercado de televisão por assinatura às empresas de telecomunicação e impôs cota de canais e conteúdo nacionais nos pacotes das operadoras. Os efeitos da lei, aprovada em 2011, são tema do Fórum Brasil de TV, que acontece hoje e amanhã [4 e 5/6], em São Paulo.
A cota para programação brasileira, que a partir de setembro atinge o pico previsto na lei – 3h30 no horário nobre (18h às 24h) – aqueceu o mercado, mas o pegou desprevenido para o aumento repentino da demanda.
O problema dos “Es”
“Nossos problemas são os ‘es’: equipe, estúdio, equipamento, elenco”, diz Paulo Ribeiro, proprietário da Locall, locadora de infraestrutura para filmagens, como estúdios, trailers e equipamentos. Ribeiro diz que, antes da lei, “atendia muito pouco a séries de TV porque elas eram feitas pelas emissoras, que têm equipamento”. Em 2012, diz ele, a Locall forneceu infraestrutura para a gravação de sete minisséries. Neste ano, já atendeu a cinco. Pela primeira vez nos 29 anos da empresa, Ribeiro recorreu a um financiamento para expandir. Emprestou R$ 1,25 milhão do BNDES. “Estimamos crescer 30% em 2013 se nos adaptarmos adequadamente para atender à demanda”, afirma.
Atenta ao aquecimento da produção audiovisual, a Prefeitura do Rio pretende investir R$ 100 milhões na construção de um complexo de 14 estúdios, com 27 mil m², para estar pronto em julho de 2016. Também indicativa do aumento do volume de dinheiro no mercado é a estimativa do Fundo Setorial do Audiovisual de ter R$ 870 milhões para gastar neste ano. Em 2012, o fundo investiu R$ 205 milhões em projetos de cinema e TV. Parte da arrecadação do fundo vem de taxa do mercado, a Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional).
A dificuldade de encontrar profissionais é sentida tanto por empresas neófitas quanto pelas gigantes do setor. “Você não acha mais montador, fotógrafo, eletricista”, diz o cineasta Fernando Meirelles, cuja O2 Filmes realiza trabalhos para GNT (Beleza SA), HBO (Destino – Rio) e Fox (Contos do Edgar). “O primeiro time [de profissionais] está completamente ocupado. Aí você tem que apelar para um segundo time e para uma molecada que está estreando.” Ele avalia que “daqui a dez anos, vamos ter excelentes técnicos. Estamos formando uma geração”.
Entrave ao desenvolvimento
A carência mais citada, contudo, é a de roteiristas familiarizados com a narrativa das séries de TV. Além de lidar com o chamado “apagão técnico”, os produtores convivem com o que Roberto d’Avila, da Moonshot Pictures (Sessão de Terapia), chama de “movimentos contrários do mercado”. Enquanto “há uma inflação dos custos de produção, porque a demanda por profissionais é maior que a oferta disponível”, existe também “uma pressão dos canais pela diminuição dos preços, já que eles têm que produzir uma quantidade maior de horas com orçamento inelástico”, afirma o produtor.
Após Sessão de Terapia, o GNT agregou mais quatro séries nacionais a sua grade, com “resultado surpreendente”, segundo a diretora do canal, Daniela Mignani. Dados de audiência mostram, segundo ela, que “essas séries estão à frente de programas consolidados da TV por assinatura”. O presidente da Ancine (Agência Nacional do Cinema), Manoel Rangel, que fará a palestra de abertura do Fórum, não ignora os gargalos na aplicação da lei. “Há um esgotamento da capacidade de mão de obra técnica para a produção. Precisamos ter mais roteiristas e mais formatos, além de um sistema de financiamento menos rígido e mais ágil”, disse Rangel a representantes do audiovisual paulista.
A morosidade do Fundo Setorial do Audiovisual para analisar e aprovar projetos, assim como para liberar recursos, é vista por agentes do mercado como entrave ao seu desenvolvimento. A Ancine planeja reestruturar o fundo.
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TV paga busca soluções sem subir preço
Fernando Magalhães, diretor de programação da Net (líder entre as operadoras de TV a cabo no país, com 5,4 milhões de assinantes), diz que há “um esforço de toda a indústria” para se adaptar às novas regras da Lei da TV Paga “sem repassar os custos” ao consumidor do serviço.
Encarecer ainda mais as assinaturas de TV a cabo poderia ser um tiro no pé de um setor que tardou a deslanchar no país. O ritmo de expansão da TV por assinatura patinou até 2007, quando apenas 5,3 milhões de domicílios no país possuíam o serviço.
Atualmente, são 16,8 milhões de assinantes – quase 28% dos domicílios com TV. A estimativa da Ancine (Agência Nacional do Cinema) é a de que o número cresça para 50% do total de domicílios em 2016.
Contribuição
A equação que hoje desafia as programadoras é como elevar a produção de séries nacionais com qualidade suficiente para não afugentar o espectador sem aumentar exponencialmente seus custos. A Net decidiu oferecer “uma humilde contribuição nesse processo”, diz Magalhães, lançando hoje a iniciativa NetLabTV. Trata-se de um concurso para identificar bons roteiristas, que terão assessoria profissional para desenvolver e tentar vender suas ideias.
“Como estamos em 140 cidades do país e em todas as capitais, a meta é usar essa nossa capilaridade para identificar bons projetos e fazer a roda girar”, diz o diretor. Magalhães estima que a aprovação no NetLabTV irá funcionar como uma chancela de qualidade para os roteiristas e uma contribuição à tarefa de separar o joio do trigo para os canais. “Imagine quantos projetos o Discovery recebe por mês. Você acha que eles terão tempo de avaliar um roteiro enviado por alguém de Belém?”
Os canais Discovery recebem em média 25 projetos por mês, segundo sua assessoria. A promessa do NetLabTV é avaliar todos os projetos inscritos e selecionar 20 finalistas, dentre os quais sairão oito vencedores. Além de um prêmio em dinheiro – R$ 16 mil para roteiros de ficção; R$ 8 mil para documentários –, os autores terão direito a consultoria de especialistas, num chamado “laboratório imersivo”, em São Paulo. Os custos com transporte e estada de vencedores de outros estados serão pagos pelo projeto (www.netlabtv.com.br), que tem outros parceiros em sua realização e benefício das leis de incentivo fiscal à cultura. O sonho do diretor de programação da Net é que “daqui a cinco anos a gente tenha um roteirista famoso revelado pelo laboratório”. A ver.
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Raio X – Lei da TV paga
** Autoriza empresas de telecomunicação a operar no mercado de TV por assinatura (sem controlar conteúdo)
** Estabelece cotas de canais e programação nacional
** 3h30 – é a cota de programação nacional no horário nobre dos canais (exceto esportivos e jornalísticos)
** Em 2015 programas com mais de sete anos deixarão de valer no cumprimento da cota
** R$ 870 mi é o que o Fundo Setorial do Audiovisual (em parte alimentado com tributação do mercado de TV a cabo) deve ter para investir neste ano em cinema e TV
** 72 projetos para TV foram inscritos na Ancine desde que a lei foi regulamentada
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Silvana Arantes, da Folha de S.Paulo