Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Educação e a violência exemplar

O olhar “sempre atento para a educação” de Alexandre Garcia, em seu comentário, no Bom Dia Brasil de 29/04/2015 [http://glo.bo/1J8dBu8] sobre o quebra-quebra promovido por alunos do CAIC Presidente Tancredo Neves, em Valparaíso, na divisa de Goiás e Distrito Federal [http://glo.bo/1Gvr6RB], que resultou em destruição da escola, foi da profundidade de uma poça, uma fina lâmina de água, nem por isso incapaz de refletir difusamente o assunto, num deletério reflexo.

Mas antes que a grita geral arremeta com aríetes verbais, convém esclarecer que (quase) ninguém em sã consciência concorda com depredações ou vandalismo, em ondas gratuitas de violência (embora veladamente uma sanha sanguínea subsista em cada um), ainda mais em redutos que deveriam ser sagrados, nas palavras do comentarista, “templo do futuro” (em referência à escola).

Pressupõe-se que um dos resultados (ou instrumento) do processo civilizatório seria a capacidade de dialogar – fechada essa porta, haveria o recurso dos protestos (civilizadamente pacíficos?) e a necessidade da intermediação de agentes capazes e constituídos para tanto, quaisquer que sejam as demandas.

Todavia, parece que se desenha um futuro sombrio pela frente, senão um presente que exige mais perspicácia e reflexão. Diante da intolerância, da impossibilidade de diálogo ou de interesses (imediatos) contrariados ou não satisfeitos, irrompe a violência, também e principalmente na forma do poder coercitivo (de polícia), monopólio do Estado, quando necessário restaurar ou impor a ordem. Melhor se essa ordem fosse internalizada pelos processos de autocoerção (civilização, educação, cortesia, nas formas de convívio social, conforme apontam estudos, por exemplo, sobre o processo civilizador, de Norberto Elias).

Governo terceiriza serviços e favores

Sob essa perspectiva, talvez o professorado (tupiniquim) não venha desempenhando sua função (social e educacional) de modo a garantir uma educação adequada para o equilíbrio entre os interesses individuais e os coletivos de acordo com as regras da sociedade, numa convivência pacífica – razão pela qual os governantes, de um lado, têm dispensado à categoria um tratamento vilipendioso, com condições aviltantes de trabalho e salários indignos, e de outro lado a sociedade tampouco tem demonstrado seu melhor apreço ao papel do professor. Não são poucas as ocorrências e os casos de agressão e ameaças a docentes.

Ironias à parte, fique claro – bem porque não se chegaria facilmente a uma resolução ao dilema tostines dessa questão de valoração da educação, consequentemente dos professores sob a ótica dos governos e sociedade – o ilustre leitor que chegou até aqui deve estar se perguntando onde isso tudo vai levar, e o que tem a ver com as elucubrações de superfície do atento Garcia, enfim.

Atrelar a violência, o quebra-quebra dos alunos daquela escola de Valparaíso ao exemplo de vandalismo de supostos professores (mascarados) que tentaram invadir e depredar o prédio da Secretaria da Educação de São Paulo no último 23 de abril – diga-se, professores de um movimento grevista legítimo no estado; greve negada, como de praxe, pelo governador, mas que se estende a mais de 50 dias – é mais que forçoso e raso. Usando do mesmo raciocínio, por exemplo, se poderia questionar se os mascarados (supostos professores) não seriam infiltrados (pagos) no movimento para justamente promover tais atos e denegrir a imagem do professorado, bem porque um governo capaz de pagar por serviços de um blogueiro (sob a fachada de uma consultoria) para distribuir propaganda antipetista, também poderia terceirizar tais serviços e favores.

Um mergulho em poça d’água

Para além dos partidarismos raivosos e das ideologias de ódio, disseminada nas redes sociais e toda essa questiúncula, o que dizer do exemplo (que não é único, as lições do tucanato paulista já rendem afiliados) da barbárie promovida pelo governador do Paraná, no Centro Cívico para impedir que professores (cidadãos) participassem da sessão legislativa em que seria votado projeto de alteração previdenciária que os afetará, provavelmente subtraindo-lhes direitos e garantias. O que dizer de tal truculência (“verdadeiro massacre”, segundo a OAB do referido estado) e exemplo de plena democracia dos mais fortes?

Parece que as demandas sociais apontam para um lado e os interesses e vontades (coercitivas) dos políticos para o lado oposto, de modo nada exemplar. De nada ajudam análises como a referida de Alexandre Garcia, um mergulho em poça d’água, para apenas chapinhar no senso comum de uma indignação seletiva, mas que nos faz a todos vítimas da violência, da truculência (policialesca), da falta de uma educação realmente de qualidade e do cerceamento das liberdades.

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Afonso Caramano é servidor público municipal e escritor