Um dos dados mais importantes divulgados recentemente é o de que somente 8% dos municípios do país geram todos os programas de TV assistidos no Brasil inteiro. O dado foi revelado pela Pesquisa de Informações Básicas Municipais, divulgada em 12 de novembro de 2003 pelo IBGE.
Informação muito grave para o jornalismo regional, pois nos diz que 92% dos municípios, a maior parte resguardando evidentemente as tradições culturais deste país, são apenas espectadores do processo. Os dados de fato nos dão um quadro fiel do que ocorre na nossa democracia formal, no qual a população é apenas objeto, e não sujeito de suas ações. A produção de informação é um dos pilares do desenvolvimento de uma nação exatamente por ser uma das mais importantes arenas de debate sobre os grandes temas culturais, políticos, sociais etc.
Outro acontecimento notório se deu em 4 de junho de 2003, quando o ministro das Comunicações, Miro Teixeira (ex-PMDB, ex-PDT, recém-filiado ao PPS), amigo de Roberto Marinho – como ele mesmo costuma dizer – declarou à Comissão de Comunicação da Câmara que não há concentração na mídia do país (CartaCapital nº 244, pág. 32, ‘Tudo como dantes’). O ministro não difere de seu antecessor, pois não há qualquer intenção de provocar grandes choques com os grandes grupos concentradores.
Na contramão deste quadro, há importantes ações, como o Projeto de Lei nº 59/03, da deputada Jandira Feghali (PcdoB-RJ), que regulamenta artigo da Constituição Federal sobre a regionalização da programação artística, cultural e jornalística das emissoras de rádio e TV.
Algumas mudanças foram feitas para que o projeto ganhasse sobrevida. O projeto original determinava a produção regional pelo critério de municípios e o texto atual estabelece o critério por regiões. Outra alteração é referente à ampliação da faixa horária de exibição do conteúdo local, que poderá ocorrer entre 5h e meia-noite. A proposta anterior previa a faixa entre 7h e 23h. O prazo para as emissoras de TV se adaptarem foi estabelecido em dois anos, e a punição passou a ser uma advertência, em vez do cancelamento da concessão pública. O projeto foi aprovado na Câmara em agosto do 2003 e agora está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal.
Além desta luta no Parlamento, muitos outros grupos atuam neste sentido. O Núcleo Piratininga (www.piratininga.org.br), do qual sou colaborador, por exemplo, atua com a imprensa sindical de todo o país. Esta é uma das mais importantes lutas, pois se trata de organizar a comunicação dos que sustentam a nação (os trabalhadores) para que a voz deles esteja cada vez mais presente nos domicílios brasileiros. A própria produção começaria a ser feita de forma independente, sem ter que passar pelas maldosas ou mal-informadas edições da grande imprensa. Portanto, temos este e outros grupos trabalhando neste sentido. Não estamos começando do zero.
Outra luta importante é a necessidade de conscientizar os próprios jornalistas e editores, para que possam ter cada vez mais a noção do quanto nosso país é rico do ponto de vista cultural, antropologicamente falando. O que vem ocorrendo há muito tempo – há pelo menos quatro décadas, diga-se – é a substituição da cultura local pela cultura alheia, impositiva e visivelmente pouco natural.
A própria cultura
Onde havia festas tradicionais e espontâneas aparecem eventos artísticos pouco comuns aos moradores locais, organizados por pessoas que determinam o que é bom e o que é ruim. Crescentemente temos visto nas praças públicas de cidades de pequeno e médio porte a TV no lugar das quermesses, as novelas no lugar das longas conversas etc.
Alguém há de questionar se novelas e programas de maior divulgação, seja na televisão seja no rádio, não são cultura e, portanto, válidas como expressão da nossa brasilidade. É certo que sim, e não devemos nos contrapor de forma gratuita a isso. No entanto, o nosso modelo de comunicação, desenvolvido em grande parte durante o regime militar (1964-1984), não levou em conta as particularidades do nosso imenso país. Havia uma ânsia por unir um país pouco inteligível sob o aspecto da coesão.
Esta nação é rica não somente em recursos hídricos e gêneros alimentícios, cujas terras férteis tudo podem nos prover. O que o Brasil tem de mais espetacular também não é, creio, o seu povo, que como qualquer outra cultura pode se enquadrar facilmente nos dados estatísticos ou avanços tecnológicos e econômicos. Temos, sim, um povo que sabe se expressar de forma única, de modo que em qualquer parte do planeta, seja qual for a situação, você consegue dizer: ‘Ele é brasileiro’. E o que nos faz brasileiros é o fato de esta pessoa não poder explicar o porquê.
Este valor que temos é desperdiçado quando meia dúzia de produtoras, sob a égide do Estado, pensam e formulam uma programação cultural que imaginam ser o Brasil. Mesmo sem contar as produtoras que não têm esta nobre intenção, o melhor e mais bem intencionado antropólogo, jornalista ou editor não saberia expressar o que sente e como vive nosso povo. O mais nobre erudito, tendo escrito dezenas de obras, perde, de longe, para uma única manifestação de um brasileiro cujas raízes só sobrevivem em solo nacional.
Valorizar a produção regional, fazendo com que cada vez mais municípios participem desta iniciativa, não é uma forma de preservação da cultura nacional nem de fortalecimento da democracia: é a própria cultura nacional, dentro de uma democracia viva e participativa.
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Editor da revista Consciência.Net (www.consciencia.net) e estudante de Comunicação Social da UFRJ