Quem é profissional de comunicação sabe: a chamada ‘entrada ao vivo’ de um repórter demanda uma série de preparos prévios, que vão dos testes técnicos para uma perfeita transmissão até o completo sincronismo entre equipe de externa e o controle master da emissora. Sem falar na coleta prévia de dados sobre o assunto a ser enfocado, be-a-bá básico de qualquer reportagem.
Dia desses, na novela Cobras e lagartos, da Globo, em meio a incêndio num galpão, a personagem de uma repórter mal descia do carro e de imediato começava a documentar ‘ao vivo’ o acontecimento. Até o ‘bater o branco’ (imprescindível para a qualidade final da filmagem) do cinegrafista foi dispensado.
A julgar pela improvisada cobertura do incêndio imagino que aquela equipe de reportagem com certeza jamais seria da própria Globo, reconhecida internacionalmente pelo rigoroso padrão de qualidade no jornalismo. Improviso é uma prática que não existe no manual Globo de fazer televisão.
Pura ficção
Em outra novela, Belíssima, também da Globo, outra situação desperta curiosidade pela visível desconexão com a realidade. O personagem Djulian, advogado da corporação Belíssima, vira e mexe envereda com exímia desenvoltura pelas mais diversas áreas do direito. Além de defender os interesses empresariais (muitos, creio!), o requisitado advogado também já demonstrou rara competência nas áreas de direito da família, cível e até criminal. Chama a atenção ainda a incrível disponibilidade de tempo do advogado. Sempre às ordens para qualquer eventualidade. A demanda de trabalho jurídico em empresa do porte da Belíssima não deve ser tão grande assim!
Tanto pelo volume de leis existentes quanto pela complexidade das questões da vida cotidiana, é humanamente impossível a um profissional do direito entender e, sobretudo, discorrer sobre as diversas nuances jurídicas. Hoje, a especialização é a própria condição para o profissional entrar no mercado de trabalho. Os dois exemplos ilustram o quanto as novelas brasileiras atuais estão em parte desconectadas com o mundo real.
Tudo bem, novela é por natureza uma obra de ficção. Porém, a ficção deveria ficar restrita a personagens, nomes e enredo. Ao desvirtuar nas novelas o caráter de profissões ou de práticas profissionais, o autor no mínimo considera Homer Simpsons toda a imensa audiência que assiste à televisão. E essa ‘maciça ignorância homogênea’ do brasileiro simplesmente não existe. É ficção da cabeça dos autores de novelas.
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Jornalista, São Luís (MA)