Ano novo, tudo velho. É um recorrente paradoxo da televisão brasileira que a entrada de um novo ano, época de esperanças e de promessas de renovação para o cidadão comum, seja o período de reafirmação da sua timidez e da sua mesmice. Diante dos 365 dias que enfrentará, no novo giro da Terra em torno do Sol, o brasileiro pode não ter certeza de nada, mas de uma coisa está absolutamente seguro: a programação da TV será a de sempre. Pouquíssimas coisas vão mudar, aqui e ali, apenas para espanar as teias de aranha e assegurar que tudo seguirá exatamente como sempre foi, ou vem sendo, há décadas.
Tomemos a TV Globo, que é a líder de mercado e, naturalmente, guia os passos da concorrência, fazendo com que todas as grades sejam montadas em função dela. O que nos oferecerá em 2008 a Pérola de Jacarepaguá? De janeiro ao final de março, época das férias do elenco e de boa parte das equipes de produção, manterá a grade habitual de novelas, jornalísticos, filmes e programas de celebridades entre a zero hora e as dez da noite, aumentando um pouco a taxa de filmes. Na faixa das 22h, vai estrear mais um Big Brother Brasil, que por aqui já virou uma variante de folhetim eletrônico, ao contrário dos seus similares mundo afora, e é por isso que chega à oitava edição. Depois, virá com outra minissérie (Caros Amigos, de Maria Adelaide Amaral) e, claro, mais uma edição do seriado 24 Horas.
A partir de abril, com o ano já avançado, estréia a ‘programação 2008’. Com o quê? A próxima novela ‘das oito’, que começará sempre em torno das nove (no horário de Brasília), e mais tudo aquilo que você é absolutamente capaz de recitar de cor, dia a dia da semana, ao menos no horário noturno: Tela Quente na segunda, Casseta & Planeta na terça, futebol na quarta, A Grande Família na quinta, etc., etc., etc. Mais previsível do que filme policial americano. Mais conservador que a marca da Coca-Cola.
Parece que teremos alguma novidade no horário atual de Toma Lá, Dá Cá (terças, 22h50), que não decidiu se queria copiar Sai de Baixo ou os seriados gringos, e não granjeou exatamente a estima dos telespectadores. Parece também que Caco Barcellos vai emplacar o excelente Profissão Repórter como programa semanal, desfalcando o Fantástico. No mais, nada mais. Ou melhor, o de sempre. A grade da tradição, que ficará no ar com a sua regularidade habitual dos últimos 40 anos e só abrirá algum espaço à invenção na última semana do ano, quando testará novos formatos sob o rótulo de ‘especiais’, para não assustar muito (o pessoal interno, não o público). Isso, claro, depois do inevitável show de Roberto Carlos e antes do já rotineiro Reveillon do Faustão.
Tributo à velharia
Se examinarmos a grade das outras emissoras, também veremos que a taxa de inovação será baixa, embora consideravelmente maior do que a da Globo. Vicissitudes de quem não lidera e precisa ter flexibilidade tática para enfrentar as oscilações da audiência global, além de não ter dinheiro a perder com atrações que não funcionem. Daí aquelas novelas que acabam no meio, quando não suspensas, e aqueles tantos astros e estrelas que são incensados quando estréiam e depois perdem o emprego abruptamente, sem entender direito de onde veio a tsunami que os levou. A regularidade, aqui, é da irregularidade e nem dá para chamar de novidade os programas que surgem, porque, em geral, são fórmulas antigas recicladas ou clones descarados de algum sucesso.
OK, é quixotesco imaginar que a televisão possa ser o reino da criação. Enquanto o teatro é a arte do ator e o cinema, a do diretor, a televisão é a arte do patrocinador, como alguém brilhantemente definiu (não tenho à mão o Almanaque da TV, do Rixa, para precisar). Se é assim, a taxa de inovação será mesmo baixa, porque anunciantes não gostam de correr riscos e preferem jogar com times que já estão vencendo. Parece lógico, não? Mas é exatamente esse raciocínio que está levando o negócio televisivo, como um todo, para o buraco. Diante da inesgotável fábrica de novidades que é a internet, diante da fartura de opções que a pirataria de DVDs e videogames oferece, o público está girando o botão da TV – para desligá-lo. Busca novidades, não encontra, cai fora.
Se pensarmos essa situação em termos de diversidade cultural, aí é que o caldo engrossa de vez. Que diversidade pode haver numa mídia que é, em tudo, monotonia? Que diversidade se pode pretender se quem paga a conta – o anunciante – compra regularidade de audiência e não quer correr o mínimo risco de um novo programa derrubar 2 ou 3 pontos do Ibope do horário, até que o público se acostume com ele? Aliás, que raio de público é esse, que vive clamando por novidades, mas que ‘estranha’ os novos programas que lhe oferecem, mesmo quando eles se parecem com milhões de outros já exibidos anteriormente?
É de se lamentar, mas não de estranhar, que apenas uma semana do ano – a última – concentre toda a inovação de que uma rede poderosa como a Globo é capaz de oferecer. Deixam-se as novidades no ano velho, porque o novo vai se contentar com velharias. Apenas um, ou quem sabe dois, dos interessantes seriados exibidos na semana passada emplacarão a ‘grade 2008’. E eles trazem material adequado tanto para a audiência popular (Guerra e Paz e Faça Sua História) quanto para os telespectadores mais sofisticados (Os Amadores e Casos e Acasos). Veremos qual deles vencerá a corrida contra a mesmice, ou mesmo se algum terá êxito nisso.
Contra o tédio
A tendência natural da televisão comercial em preservar muito e inovar pouco, apenas ela, já deveria bastar para eliminar as dúvidas daqueles que não vêem necessidade na televisão pública. Que está consideravelmente viciada no mesmo conservadorismo, admitamos, até porque tem de recorrer ao financiamento privado para suprir o aporte financeiro que o Estado lhe sonega. Mas, ainda assim, é muito mais ousada e inventiva, e tem compromisso muito mais sério com a busca da diversidade. Se tivesse dinheiro para bancar o seu desejo de criar, dinheiro livre de injunções políticas ou comerciais, certamente promoveria uma revolução no bocejante quadro atual da TV.
A nova televisão pública federal, TV Brasil, anuncia o propósito de oferecer, a partir de março, uma grade de 16 horas diárias, das quais a metade será constituída de produções independentes e programas regionais. Isso promete ser uma injeção de diversidade na tela, ainda que a sua inoculação seja lenta, irregular e a meta demore para ser atingida. Uma grade de programação que seja mais surpreendente que previsível é o sonho de consumo do telespectador inteligente. Uma emissora pública está se dispondo a procurá-la, falta alguma comercial. Ou melhor: falta que todas, comerciais ou públicas, desejem a diversidade e a novidade, e as persigam como valor central.
Porque o público, em tempos de mídias interativas, não fica mais sentado no poltronão, amuando-se de tédio. Corre ao YouTube, ao Joost, e encontra a variedade que deseja. E tirá-lo da frente do computador, de volta ao televisor, não é tarefa das mais fáceis. A televisão, então, que reflita urgentemente sobre o que oferece em seu próprio tubo. Para não entrar, ainda mais, pelo cano.
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Jornalista