Próximo de completar quatro anos de instalação oficial da televisão digital terrestre (TDT) no país, a maioria dos telespectadores (ou pelo menos aqueles que têm acesso a esta plataforma midiática) ainda se pergunta pelas maravilhas anunciadas para este novo patamar tecnológico. A opinião e os desejos dos consumidores, base concreta de um dos maiores mercados de TV aberta do mundo, são fundamentais, pois deles depende uma consolidação mais rápida ou a prorrogação de prazos de implementação que, em última instância, serão responsáveis pela velocidade da migração do analógico para o digital.
O brasileiro tem exibido uma dinâmica capaz de vencer etapas tecnológicas com surpreendente celeridade, por seu interesse pela atualização na área e, mais recentemente, pela distribuição de renda e consequente inclusão sócio-econômica de classes até então excluídas. Tal disposição para a mudança tecnológica deu-se, por exemplo, na chegada dos CDs, os compacts discs, que substituíram a longa hegemonia dos LPs, os long plays da indústria fonográfica. Também ocorreu o mesmo em relação ao DVD (digital versatile – ou video-disc), que em pouco tempo remeteu os aparelhos de VHS (video home system) e suas bolorentas fitas para o museu do audiovisual.
O mercado televisivo e suas variadas tecnologias de operação constituem uma situação complexa, que depende dos próprios recursos técnicos empregados, de aspectos econômicos, geográficos e culturais. Foi no interior desta complexidade que se desenvolveu o mercado de televisão paga, cuja expansão é recente, essencialmente neste século, devido à ampliação da renda do brasileiro (permitindo que ele invista mais no seu próprio consumo cultural), exigências de níveis de programação diferenciada e aumento da oferta de canais.
Interatividade e múltipla oferta
Pesquisas têm demonstrado que parte significativa da clientela de TV por assinatura busca, acima de tudo, melhor qualidade de imagem na transmissão, sendo os canais abertos os de maior audiência, mesmo no sistema pago. Tomando em conta esse dado, seria natural um encolhimento do mercado de pay TV, após a chegada da TDT, com imagem e som digitais, anúncio de maior oferta de canais e promessa de interatividade. Entretanto, o que se verificou no período pós-TDT foi não só a manutenção, como a ampliação da televisão paga, cuja base de assinantes cresceu 30,7% em 2010.
A existência de um mercado de TV fechada forte, por si, não implica problemas estruturais e, de algum modo, atende à necessidade de múltiplas ofertas, mas, na comparação, explicita os limites e as perspectivas ainda não efetivadas da televisão digital. Até o momento, a TDT não representa aumento da quantidade de emissoras abertas. Ao contrário, os canais digitais são poucos, pois nem todas as operadoras hertzianas das cidades já em transição transmitem no novo sistema. Deve-se ainda considerar as más condições de recepção do sinal digital em zonas urbanas de cidades como São Paulo, verdadeiras manchas que se constituem em problema para sistemas de transmissão aberta.
Também permanece no nível das promessas a implantação de um canal de retorno baseado numa interatividade avançada, com opções para a realização de variados serviços de modo a ampliar o tipo de interação simplista presente em alguns programas da televisão brasileira, geralmente viabilizada através de uma linha telefônica ou de uso de internet. A interatividade efetiva, que municie o telespectador de ferramentas decisórias para o exercício de uma cidadania audiovisual, como também o atendimento a uma múltipla oferta que contemple um conceito amplo de diversidade, são dois desafios a serem enfrentados no aguardado esforço de remodelação das políticas públicas do setor. Caso contrário, a expansão e consolidação da TDT irá demorar, não permitindo a democratização deste setor, historicamente tão concentrado.
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[Valério Cruz Brittos e Luciano Correia dos Santos são, respectivamente, professor titular no programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos; e professor da UFS e doutorando no mesmo programa]