Desde a década de 70, a Globo anuncia no fim do ano que “todos os nossos sonhos serão verdade”, uma vez que “o futuro já começou”. No momento em que a emissora completa 50 anos, a otimista canção “Um Novo Tempo”, dos irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle e Nelson Motta, encara o seu mais duro teste de realidade.
Em nenhum outro momento de sua história, de fato, o “novo tempo” teve a aparência de ameaça, tal como ocorre hoje. As transformações em curso não estão apenas alterando a forma de ver televisão, mas têm o potencial de afetar todo o sistema sobre o qual está baseada a operação de TV aberta.
Videoteipe, satélite, TV a cores, cabo, interação… A lista das inovações ocorridas desde a invenção da televisão é enorme, sempre com duas características: aprimoraram o próprio meio e tornaram melhor a experiência do espectador.
A revolução digital, igualmente, oferece ao público grandes vantagens, mas carrega em si elementos que desestruturam, de forma séria, o sistema estabelecido.
O crescimento do número de assinantes na TV paga, a multiplicação de produtores de conteúdo, o YouTube, os serviços de programação à la carte e de “streaming” (Netflix) começam a colocar em xeque o modelo de negócios sobre o qual está baseado o funcionamento da TV aberta.
Opções qualificadas
Líder de audiência e de mercado há 45 anos, a Globo, naturalmente, é o foco do interesse de todos que acompanham estas transformações.
Na comemoração do seu cinquentenário, festejado neste domingo, as avaliações, em sua maioria, são otimistas, como mostrou a boa reportagem de Nelson de Sá e Fernanda Reis, publicada na “Ilustrada” de quarta-feira (22).
Aparentemente inesperado, este diagnóstico faz sentido. Principal produtora de conteúdo, a Globo estaria capacitada para enfrentar as mudanças, oferecendo seus produtos em qualquer plataforma.
Sobre a dificuldade de manter o modelo de negócios baseado em publicidade, os dados mostram que este não é um problema de curto prazo –ao contrário, a receita da emissora não para de crescer.
Por seu tamanho, e pelos números de balanço, é natural que a Globo seja cautelosa, ou conservadora. Apesar da queda de audiência, o número de pessoas alcançadas pela TV cresceu na última década. A emissora não é contestada quando afirma que anunciar nela ainda é a maneira mais eficaz de as empresas alcançarem os seus potenciais clientes.
Menos compreensível é a apatia de seus concorrentes diretos na TV aberta, que, em tese, teriam menos a perder se arriscassem e ousassem mais. A impressão que dá, para um observador externo, é que todo o mundo está satisfeito com a situação tal como ela se apresenta hoje.
Na visão de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, principal executivo da Globo por 30 anos, a TV aberta conserva uma longevidade maior no Brasil do que no exterior “por causa do formato da novela”.
Em entrevista ao “Meio & Mensagem”, Boni não desenvolve o raciocínio, mas suponho que ele esteja atrelando o sucesso deste modelo ao desenvolvimento econômico insuficiente do país. Quanto maior a renda das pessoas, maior a capacidade de optarem por opções de entretenimento mais qualificadas.
Em outras palavras, o futuro ainda não começou.
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Mauricio Stycer, da Folha de S.Paulo