Se há vencedores na longa disputa entre diferentes segmentos empresariais em torno do projeto de lei que dá uma nova roupagem para o serviço de TV paga no país (o PL-29, para os mais chegados) eles são, sem dúvida, os produtores independentes de conteúdo audiovisual que passam a contar com espaços próprios para a veiculação de sua produção. Como resultante desta política de cotas, prevista no projeto de lei, ganha também a identidade nacional.
Se este projeto, que tramita há mais de três anos na Câmara dos Deputados, tem o mérito de dar um único rumo para o mercado brasileiro de TV paga (que hoje tem regras diferentes para tecnologias distintas), tem como grande qualidade a de assegurar não apenas a produção, mas a distribuição do conteúdo nacional. O projeto reproduz o que a maioria dos países desenvolvidos o faz explícita ou de maneira subliminar, estimulando a expansão de sua indústria cultural e protegendo o seu mercado interno das ‘agressões’ culturais externas.
Pois o PL 29, ao estabelecer algumas cotas de espaço para o conteúdo nacional entre as centenas de canais de TV voltados, em sua totalidade, para a divulgação dos conteúdos estrangeiros, agora é barrado na Câmara dos Deputados pela Sky, conforme denunciaram o deputado tucano Julio Semeghini e o petista Jorge Bittar.
Ameaças
Essa empresa de TV paga é controlada pelo grupo News Corporation, corporação norte-americana reconhecidamente de direita, cujo megaempresário, Rupert Murdoch, foi recentemente taxado pelo porta-voz do presidente norte-americano Barack Obama como aquele que usa o seu conglomerado midiático para defender as posições do Partido Republicano de seu país.
Agora, a Sky ousa mandar comunicado a seus clientes querendo jogar os brasileiros contra sua própria cultura nacional. Avisa que, se forem aprovadas as cotas de programas nacionais para a TV paga, o preço de seus pacotes vai aumentar. Ora, convenhamos! Quanto a empresa manda de royalties pelos enlatados de discutível gosto para os países de origem?
Conforme a Ancine (Agência Nacional do Cinema), em 2009, de 12 canais de filmes e seriados da TV paga monitorados (canais como HBO, Telecines, Cinemax e Canal Brasil), foram apresentados 9.712 títulos diferentes, dos quais 6.961 eram estrangeiros. Ou seja, apenas 30% das milhares de horas de transmissão das TVs pagas no ano passado eram referentes ao conteúdo nacional. E essa estatística é ainda pior se considerarmos que a maioria da produção nacional ficou confinada no Canal Brasil e que há uma grande quantidade de títulos que se repetem pelas diferentes operadoras de TV paga.
Esses números referem-se a todo o mercado brasileiro, mas depois da resistência das operadoras de TV paga em geral, que chegaram a ameaçar com aumento de preço os seus clientes, acabaram rendendo-se à vontade do Legislativo. Agora, a Sky está isolada em sua campanha difamatória.
Monopólio
É bom lembrar que a Sky só começou a ser ameaçada em seu monopólio no mercado brasileiro de TV paga por satélite (DTH) em meados do ano passado, quando as operadores de telecom partiram para esta tecnologia como única alternativa de ingresso no mercado de TV paga, justamente por que estão proibidas por uma defasada Lei do Cabo, que o PL 29 quer atualizar, a usarem suas próprias redes para competir com os demais provedores deste serviço.
A Sky do Sr. Murdoch monopoliza o segmento de DTH brasileiro desde 2005, quando a Anatel aprovou a fusão da Sky com a Direct TV, empresas que eram concorrentes no mercado nacional, mas que se uniram no mercado latino-americano. Depois foi a vez do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) autorizar a operação. Mas as duas agências – de regulação e de defesa da concorrência – resolveram estabelecer algumas restrições que atingiam inclusive a questão vinculada ao conteúdo. A Anatel mandou, por exemplo, que fossem abertas as redes aos canais de programação produzidos por programadoras brasileiras não pertencentes aos grupos econômicos controladores das operadoras Sky e DirecTV; e o Cade determinou que os canais brasileiros de conteúdo nacional existentes na DirecTV permanecessem na base da Sky por pelo menos 30 meses.
A nova empresa passou a ter 72% de seu capital controlado pela News Corporation e os restantes 28% pela Globo. E agora que o próprio Legislativo brasileiro decide criar novas regras para o mercado de TV paga, esta empresa resolve ‘ameaçar’ seus clientes, enquanto tenta reverter a votação no Congresso Nacional. É uma posição insustentável.
***
Para Bittar, campanha da Sky contra PL 29 é ‘terrorista’
Mariana Mazza # reproduzido do PAY-TV, 8/6/2010
A campanha iniciada pela Sky no último fim de semana junto a seus assinantes, criticando o PL 29/2007, provocou reações na Câmara dos Deputados. Conforme divulgado na segunda-feira (7/6) por este noticiário, a operadora colocou no ar um site e encaminhou e-mails a seus clientes declarando que, se aprovado, o projeto irá gerar aumento no preço dos pacotes e afetará profundamente a programação comprada pelos assinantes. Chama a atenção o tom ameaçador do e-mail, que sugere também que caberá à Ancine decidir ‘o que é ou não `qualificado´ para que a sua família assista’.
A reação dos parlamentares foi iniciada na terça-feira (8) com uma carta do deputado Jorge Bittar (PT-RJ) à sociedade [ver íntegra abaixo]. Bittar, que foi relator do projeto e idealizou o sistema de cotas, principal alvo de críticas da Sky, chamou a campanha da operadora de ‘panfletária e terrorista’ ao ameaçar os clientes com altas de preço nos pacotes. Para o deputado, o e-mail da companhia é um ato ‘de desespero de causa’ e uma tentativa de ‘espalhar pânico entre seus assinantes, induzindo-os ao erro de acreditar que serão prejudicados pela aprovação do PL 29’.
O projeto tramita há quase três anos na Câmara e pretende unificar a legislação de TV por assinatura no país, além de criar uma política de fomento do audiovisual brasileiro. Eis a carta divulgada por Bittar:
Sky faz campanha panfletária e terrorista contra PL 29
Através de um panfleto de péssima qualidade enviado a seus assinantes, a Sky está fazendo uma campanha mentirosa e terrorista contra o PL 29. A exemplo do que já fez no passado, através de inserções na TV por assinatura sem dar oportunidade para que a verdade seja esclarecida, a Sky está disseminando pânico para indispor sua clientela contra o projeto.
Sem apresentar qualquer embasamento técnico, essa operadora internacional de capital estrangeiro afirma que a política de cotas vai encarecer o preço das assinaturas. Isso é mentira.
Junto com a política de cotas foi criada também uma política de fomento que irá agregar, anualmente, mais de R$ 400 milhões para que os produtores de audiovisual brasileiro possam realizar produtos de qualidade, como as séries ‘Peixonauta’ (filme de animação para crianças que está fazendo um sucesso extraordinário), ‘Filhos do Carnaval’, ‘Mandrake’ e tantas outras.
Além disso, foram estabelecidos limites para que as cotas não onerassem as grades de programação e, portanto, não viessem a causar qualquer impacto sobre o preço da TV por assinatura. A política foi calibrada exatamente para não onerar as empresas e, por via de consequência, os assinantes.
É importante lembrar que as cotas não se aplicam a todos os canais, mas apenas aos de conteúdo qualificado, tais como os de filmes, animação e documentários. Além disso, numa grade de pelo menos 35 horas semanais de horário nobre, a exigência de exibição de produto nacional se limita a três horas e trinta minutos por semana e é de absoluta liberdade dos programadores e produtores, ao contrário do que diz a Sky no panfleto quando veicula a falsa informação de que a Ancine vai determinar que tipo de produto será veiculado no horário nobre.
Ainda com relação ao preço, ao simplificar a licença de TV por assinatura o projeto permite que milhões de novos clientes tenham acesso a esse serviço, inclusive com pacotes populares, e propicia ganhos de escala. Dos atuais oito milhões de assinantes, o mercado poderá se expandir para mais de 30 milhões. Além do ganho econômico, isso significa levar conteúdos culturais nacionais e internacionais de qualidade e informações educativas para as crianças a preços decentes.
O que está por trás da campanha da Sky é uma tentativa desesperada de responder às denúncias que temos feito sobre sua atuação subterrânea no Congresso Nacional. Além de ser um distribuidor estrangeiro, defendendo seus interesses para continuar distribuindo conteúdos internacionais de qualidade discutível, a Sky representa também alguns programadores internacionais que fazem trabalho de qualidade duvidosa.
Os bons programadores internacionais têm dialogado conosco e reafirmado que não discordam de uma política criteriosa de cotas como a que fizemos. A Sky nunca se apresentou para o debate público, preferindo agir às ocultas na tentativa de cooptar parlamentares para a defesa de seus interesses meramente financeiros.
Em desespero de causa, frente às denúncias que fizemos sobre essa prática anti-ética, a Sky tenta agora espalhar pânico entre seus assinantes, induzindo-os ao erro de acreditar que serão prejudicados pela aprovação do PL 29.
Os efeitos do projeto, porém, saltam à vista de todos, uma vez que são extremamente benéficos para a cultura, para a geração de empregos e para os assinantes, que vão ter conteúdo brasileiro de qualidade, além do conteúdo internacional, a preços acessíveis.
Só temos a lamentar que apenas a Sky não perceba isso. E asseguramos que, a cada golpe baixo, continuaremos respondendo publicamente em defesa da democratização do setor de TV por assinatura no Brasil e do direito de todos os cidadãos à informação.
Jorge Bittar – deputado federal PT-RJ’
***
51 parlamentares mudam de posição e evitam PL 29 no Plenário
Mariana Mazza # reproduzido do Teletime, 9/6/2010
Foi apresentado no fim da tarde de quarta-feira (9/6), o Requerimento nº 7.037/2010, que pede a retirada do recurso que levaria o PL 29/2007 para votação no Plenário da Câmara dos Deputados. O autor formal da iniciativa é o deputado Eugênio Rabelo (PP-CE), um dos signatários do recurso apresentado na última semana de maio pelo deputado Régis de Oliveira (PSC-SP). Pela regra regimental, o requerimento de retirada de um recurso deve, obrigatoriamente, ser apresentado por um dos signatários que desistiu de dar continuidade ao pedido de votação no Plenário.
A lista completa dos deputados que aderiram ao requerimento ainda não foi divulgada pela Secretaria Geral da Mesa Diretora, que precisa conferir se as assinaturas apresentadas são válidas. Mas, segundo os deputados que participaram do movimento de convencimento dos parlamentares a desistir de levar o projeto ao Plenário, 51 deputados teriam assinado o documento.
O número é bastante superior às 38 assinaturas necessárias para que o requerimento de retirada pudesse ser apresentado. Importante lembrar que só são válidas as assinaturas de deputados que aderiram inicialmente ao recurso e agora retiraram o apoio à iniciativa. Ao justificar a apresentação do requerimento, Rabelo afirmou que mudou seu posicionamento diante de ‘novos esclarecimentos e análise minuciosa do tema’.
‘Por se tratar de uma matéria que foi, por três anos, discutida nesta Casa e aprovada, com notória discussão, podendo, ainda, ser apreciada e aprimorada no Senado Federal, refazemos nosso posicionamento em discordância dos argumentos elencados no Recurso nº 438/2010 e solicitamos a retirada de tramitação do referido recurso, requerendo que seja reconhecida a apreciação conclusiva do Projeto de Lei 29/2007’, declara o deputado no requerimento em nome dos demais signatários.
Após a confirmação das assinaturas válidas, a Secretaria Geral da Mesa deverá publicar o requerimento, pondo fim definitivamente à tramitação do recurso que levaria o PL 29 ao Plenário. A divulgação da lista válida deve ocorrer amanhã e a publicação também deve ser feita com rapidez.