Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Exploração dominical do sofrimento

Em mais uma contribuição ao jornalismo e à população brasileira, o programa Fantástico, da Rede Globo, líder de audiência, demonstrou no domingo (16/4) todo o seu padrão de qualidade. Com reportagens carregadas de sensacionalismo, ‘a revista eletrônica semanal’ demonstrou descaso e falta de sensibilidade com a figura humana.

Uma das reportagens apresentadas foi chamada de ‘os quadrúpedes brasileiros’, ou, traduzindo, pessoas com possíveis danos cerebrais que se locomovem de quatro. A base para a reportagem foi um documentário realizado pela BBC na Turquia, onde foram descobertos alguns membros de uma família que apresentavam dificuldades de locomoção. Quatro deles somente se locomoviam com a ajuda das mãos, nos remetendo à forma de andar de nossos ancestrais.

Após uma tomografia computadorizada e ao consultar diversos especialistas, a reportagem da televisão britânica chegou à conclusão de que o problema era causado por má formação cerebral, possivelmente pela relação de parentesco entre os pais. O aspecto científico do documentário da televisão inglesa foi totalmente esvaziado na reportagem global e o foco da matéria ficou restrito à exploração do sofrimento e das dificuldades enfrentadas por uma família em seu cotidiano. Não houve na reportagem nenhuma preocupação em constatar-se, em exames, a causa do problema e nem mesmo ouvir a opinião de especialistas que pudessem confirmar a correlação dos casos. A única fonte médica consultada foi o clínico geral do hospital público da cidade.

Por onde andará?

Os avanços diagnosticais podem estar longe da pequena cidade de Carmo do Rio Verde, no interior goiano, como quis sugerir a reportagem, mas não pode estar distante da grande estrutura e alcance da Rede Globo. Neste caso a simplificação parece ter sido a solução, e o tom emocional da matéria mascara a exploração da imagem de pessoas doentes e simples que jamais tiveram acesso a um tratamento adequado para ao menos diminuir seus sofrimentos. O verdadeiro foco desta matéria deveria estar neste ponto, na falta de acesso e no caos estabelecido na saúde pública brasileira.

Outra reportagem desastrosa explorava um drama familiar. Um casal perde um filho e vê seu rosto exposto, em horário nobre, para todo o país. Como se já não bastassem as circunstâncias da perda, pessoas comuns vivendo um drama são submetidas a nossa imprensa necrófaga em busca de audiência.

De volta à polêmica da semana anterior, o programa festejou a volta de Suzane von Richthofen à prisão e garantiu que não editou a reportagem em que flagrou os advogados dando instruções à cliente para chorar. Alguém acredita? Pouco importa, o que fica é a demonstração de poder do veículo ao realizar a sua ‘justiça’ com as próprias mãos.

Faltou somente mais um furo, na ‘relevante’ matéria sobre a não-mais-santa Sandy e sua tatuagem, mostrada ao repórter com a câmera desligada. Por onde andará a tão utilizada câmera escondida? Parece o fim, mas infelizmente é só começo, afinal, no próximo domingo tem mais.

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Estudante de Jornalismo