Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Folha de S. Paulo

PATRIMÔNIO CULTURAL
Ruy Castro

A bossa nova e a ararinha

‘RIO DE JANEIRO – A Prefeitura do Rio tombou a bossa nova como patrimônio cultural imaterial da cidade. Como homenagem, é bonito e justo. Por seu formato, espírito e temática, a bossa nova é uma variação do samba que só poderia ter nascido no Rio. Sua flexibilidade, no entanto, fez com que fosse logo aprendida e adotada por músicos de toda parte, e sua sofisticação garantiu que continuasse a ser produzida até hoje, de Tóquio ao Tatuapé.

Segundo o noticiário, o alcance prático do tombamento é ‘preservar’ o gênero. Mas pode-se preservar um gênero musical por decreto? Como não é atribuição das prefeituras abrir casas noturnas onde tal ou qual música seja tocada, imagino que, já neste verão, teremos shows gratuitos de bossa nova nos parques, praias e calçadões da cidade, com os artistas pagos pela Secretaria de Cultura. Isso, sim, seria contribuir para a preservação da bossa nova, além de atender as expectativas dos turistas, que chegam ao Rio esperando ouvir ‘Garota de Ipanema’ assim que botam o pé no Galeão, digo Tom Jobim.

Seria também uma forma de compensar os músicos pelo mercado, para eles, sempre insuficiente. Mas esse problema não é só da bossa nova. Quem chegar hoje a Nova York pensando ouvir jazz logo ao descer no Kennedy também se frustrará: uma edição recente da revista ‘The New Yorker’ listava apenas sete casas de jazz em Manhattan. No Rio, há um número equivalente de lugares onde se pode ouvir bossa nova.

Não, ela não está nas paradas. Mas tem surgido gente nova e competente, há 30 projetos de festivais ‘50 anos da bossa nova’ (que ela completará em 2008) disputando a Lei Rouanet e as lojas nunca tiveram tantos discos do gênero para vender. Entre a bossa nova e a ararinha azul, a ararinha está mais ameaçada de extinção.’

 

TROPA, COPYRIGHT E DENGUE
Fernando Gabeira

Problemas e campanhas

‘DOS TEMAS que interessam ao Brasil, três deles me estimulam a escrever esta semana. Um deles é o debate sobre violência urbana, impulsionado pelo filme ‘Tropa de Elite’. O outro é o temor das pessoas que dependem de direitos autorais, nesta época de grandes mutações tecnológicas. O terceiro é a declarada epidemia de dengue que atinge o país.

Num espaço tão curto, a fórmula ideal para tratá-los seria a técnica de carretel de John dos Passos, imitada por Sartre em sua trilogia ‘Caminhos da Liberdade’. Frases independentes entre si, do tipo: enquanto mosquito de dengue atacava em Mato Grosso do Sul, os tiroteios nas favelas do Rio matavam 11 pessoas e Madonna decidia abandonar a gravadora.

Busco outro caminho. Achar um traço comum nesses três temas, algo que possa realmente representar um vínculo. Os direitos autorais não serão preservados com campanhas de fundo moral contra a pirataria. Eles dependem muito do próprio avanço tecnológico, e o Google deu um passo, protegendo os filmes no YouTube.

Depois do filme ‘Tropa de Elite’, há uma grande carga contra usuários de droga. Eles seriam os culpados da violência urbana, sócios dos traficantes. A partir do próprio filme, surgiu a figura do estudante da PUC que lê filósofos franceses. Nos EUA, universitários leram os franceses, embora tenha sido moda passageira. Também fumam seu baseado. No entanto a tática americana é a de prender; as cadeias estão superlotadas de acusados de uso de droga.

Há um certo ressentimento social, já presente no livro ‘Elite da Tropa’, contra o playboy responsável por tudo isso, na visão do soldado da PM. É da mesma natureza do ressentimento contra os que usam Rolex e reclamam por serem roubados. Com a diferença essencial: os roubados estão dentro da lei, os fumantes contra ela.

A suposição de que as campanhas de fundo moral resolvem subestima a capacidade de um trabalho de inteligência policial e dos grandes avanços tecnológicos.

No caso da dengue, instalada a crise, surgem também as campanhas definindo a responsabilidade de cada um. Se todos se moverem, dizem os anúncios, o mosquito será derrotado. O índice de mortalidade no Brasil está sendo muito alto. Falta competência para o diagnóstico rápido. Falta governo. E um pouco de espaço para mostrar que até a liberdade de usar o próprio corpo depende do avanço do Estado para garanti-la. Reforma da polícia, proteção tecnológica ao autor e eficácia na saúde não eliminam campanhas. Mas podem iluminá-las.’

 

CONGRESSO DO PC
Cláudia Trevisan

China intensifica censura na internet

‘Acessar informações via internet na China ficou especialmente difícil durante o 17º Congresso do Partido Comunista, que começou na segunda-feira e termina amanhã.

O grau de censura online está bem maior que o praticado normalmente, mesmo durante eventos importantes, e sites como o do ‘New York Times’ e da ‘BBC’ não podem ser abertos. O Youtube foi bloqueado e nenhuma consulta à Wikipedia era possível, ainda que tratasse de algo tão inofensivo como a dinastia Tang (618-906).

E-mails com links para conteúdos ‘sensíveis’ também não eram abertos. Esta repórter recebeu a publicação ‘China Brief’, da norte-americana Jamestown Foundation, mas não conseguiu ler nenhuma das análises, duas das quais relacionadas ao congresso do PC. A página estava bloqueada.

O padrão adotado pela censura chinesa em anos recentes permitia a abertura de páginas, mas bloqueava determinados itens considerados sensíveis. Era possível abrir a página do ‘New York Times’, mas não uma reportagem sobre separatismo no Tibete, por exemplo. No congresso em que o presidente Hu Jintao defendeu o conceito de sociedade harmoniosa, os censores se encarregaram de impedir o acesso a informações que possam afetar a percepção do público sobre discussões em andamento.

O partido também decidiu manter distantes os milhares de corredores que estarão amanhã na Maratona de Pequim. O tradicional ponto de partida, a praça Tiananmen, foi substituído pelo longínquo Centro Nacional Olímpico. A idéia de ter milhares de pessoas em frente ao Grande Palácio do Povo, onde ocorre o congresso, e em um lugar emblemático como Tiananmen, era arriscada.

A censura e o rápido crescimento da internet são uma das maiores contradições do país. A China já tem 162 milhões de pessoas online, o maior número depois dos Estados Unidos.

É possível ver um número crescente de jovens com seus laptops nos cafés que oferecem conexão sem fio e o governo acaba de lançar um programa para aumentar a presença da internet na zona rural.

A expansão é acompanhada por um exército de censores, estimado em 30 mil. Há programas que bloqueiam o acesso a páginas por meio de palavras-chave e, para tentar contornar, os chineses utilizam expressões cifradas para se referir aos temas tabu, como democracia.

A ironia é que a expansão da internet e o suposto maior acesso à informação fazem parte da propaganda oficial.

Ontem, um dos textos do site de divulgação das atividades do congresso falava de uma delegada, Long Feifeng, 29, cujo sonho é ter um carro próprio do qual possa navegar em seu laptop. Long ainda não tem o carro, mas pode ‘usar seu computador para se comunicar com o mundo exterior de sua cidade natal’, dizia o texto.’

 

INTERNET
Márcio Pinho

Casais estéreis ‘criam’ seus filhos no mundo virtual do Second Life

‘Petit, de 6 anos, e Nenem, de 4, acompanham a mãe Alexya ao trabalho diariamente. Lá, eles aguardam até que ela acabe seus afazeres de administradora para depois poderem passear no parque. De vez em quando, todos saem juntos de bicicleta e fazem um pic nic.

A rotina seria algo normal para qualquer família real, mas acontece no Second Life, jogo on-line onde os participantes criam personagens. Nele, assim como no jogo de computador ‘The Sims’, casais estéreis encontram uma chance de ter os filhos que não podem gerar.

Alexya é na verdade Alessandra, 33, e mora em Campinas (a 95 km de São Paulo). Ela afirma que tem cisto no ovário e que seu marido tem excesso de ferro no sangue, o que os impossibilitaram de ter filhos até hoje. ‘Sou um mulher com 33 anos de idade e louca pra ser mãe.’

Como Alexya, ela encontra conforto com os filhos Petit e Nenem. ‘Mimamos os filhos, damos carinho, protegemos, educamos’, diz.

Segundo a especialista em reeducação emocional e diretora terapêutica do Centro Hoffman, Heloisa Capelas, como a prática é recente, ainda não é possível precisar se é saudável.

Ela afirma que pode ser um meio de aliviar a espera, mas também uma forma de compensar a frustração e a baixa auto-estima. ‘A pessoa precisa saber separar, saber que é virtual, um meio onde irá se distrair, mas não se satisfazer. É uma satisfação momentânea.’

Capelas diz que, conversando com pessoas que costumam usar o Second Life, vê que algumas têm um brilho no olhar ao falar da vida virtual, o que não ocorre quando falam da real.

Para evitar isso e ‘não se acomodar’ com o virtual, Alessandra diz que procura ‘separar as coisas’ e não pensar nos filhos o dia todo.

Adoção

Para o professor associado do Instituto de Psicologia da USP Francisco Assumpção, ter filhos virtuais ‘significa, ‘a priori’, incapacidade em viver uma vida real’. Ele diz que a família virtual traz demandas virtuais que podem ser ‘desligadas a qualquer momento’, mas que essa fuga traz à tona a solidão.

‘Isso independe da questão da esterilidade uma vez que é possível adotarmos filhos ou mesmo fazermos inseminação artificial. Assim, passa a ser uma opção querer ter essa vida só no território da fantasia.’’

 

LITERATURA
Folha de S. Paulo

Biblioteca Nacional retoma 385 livros furtados

‘A PF (Polícia Federal) recuperou ontem 385 livros que tinham sido furtados da Biblioteca Nacional. Contendo carimbos da instituição, eles estavam sendo descarregados de um furgão por funcionários do sebo Le Bouquiniste, no centro do Rio.

O proprietário da livraria, cujo nome não foi divulgado, foi preso por crime de receptação de mercadoria furtada (três a oito anos de reclusão).

Há algumas edições importantes no lote, como exemplares da ‘História da Companhia de Jesus no Brasil’, de Serafim Leite (1890-1969).

Mas a maior parte do material é de publicações recentes doadas por fundações privadas e instituições à Biblioteca Nacional, que as distribui por bibliotecas no país.

‘Comprovamos que os livros são da biblioteca, mas não sabemos como nem quando saíram’, disse a bibliotecária Célia Domingues, que fez a perícia.

Os livros doados são guardados no chamado anexo da biblioteca, prédio localizado na zona portuária do Rio -e não na Cinelândia, onde está a sede, inaugurada em 1910.

Servidores denunciaram as más condições do anexo, que não teria condições climáticas, elétricas e de seguranças adequadas, embora guarde cerca de 1 milhão de peças.

A direção da biblioteca não disse se há planos para reformar o anexo e, sobre os livros furtados, que vai aguardar comunicado oficial da PF. O advogado do dono da livraria não foi localizado. Segundo a PF, ele deve entrar com um pedido de liberdade provisória para seu cliente.’

 

SUBSTITUIÇÃO
Folha de S. Paulo

Silvio Da-Rin será o novo secretário do Audiovisual

‘O documentarista Silvio Da-Rin assumirá a Secretaria do Audiovisual do MinC (Ministério da Cultura) em novembro, substituindo Orlando Senna, que passará a ser diretor-geral da TV Brasil, emissora pública federal, cujo lançamento está previsto para dezembro.

‘Admiro muito o trabalho que vem sendo feito [na secretaria]. Orlando foi o mais efetivo secretário do Audiovisual que tivemos. Vou procurar contribuir com novas idéias, novas propostas e trabalhar numa linha de continuidade e aprofundamento das políticas em curso’, disse o futuro secretário.

Senna afirmou que Da-Rin ‘vem acompanhando de maneira muito próxima, desde a formulação, a política aplicada pela secretaria. É um crítico positivo e uma pessoa enfronhada na política audiovisual do governo Lula desde as discussões no Conselho Superior do Cinema’. Da-Rin foi nomeado conselheiro em fevereiro de 2004, época em que se discutia a proposta de criação da Ancinav (Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual), que o governo terminou por abortar.

O futuro secretário diz aprovar a diretriz de ‘aproximação com a TV’, estabelecida pela Secretaria do Audiovisual, e sua implementação por meio de ‘um tripé, formado pelo Ministério da Cultura, ou seja, o governo, a produção independente e a televisão pública’.

Outra ‘linha muito clara’ de atuação da secretaria que Da-Rin pretende manter é da ‘inclusão digital’, que ‘pensa o audiovisual na perspectiva da cidadania’. A gestão Senna instituiu o programa ‘Revelando os Brasis’, de produção de vídeos em comunidades com até 20 mil habitantes.

‘[Essa política da secretaria] É uma espécie de alfabetização audiovisual. Muita gente passou a lidar com as ferramentas do audiovisual e também a interpretá-lo de uma forma mais qualificada.’

Para evitar incompatibilidade com o cargo de secretário do MinC, Da-Rin renunciará à vice-presidência da Abraci (Associação Brasileira de Cineastas), que ele atualmente ocupa.

Nesta semana, o futuro secretário se reuniu em Brasília com Senna e com Juca Ferreira, secretário-executivo do ministério. ‘Estou trabalhando como Silvio nesse rito de passagem, para que não seja uma coisa abrupta para a secretaria’, afirmou Senna.

O atual e o futuro secretário agendaram para o próximo dia 26, em São Paulo, o lançamento de sete editais de produção, que distribuirão cerca de R$ 11 milhões para realização de longas-metragens de baixo orçamento, curtas e projetos de séries de animação para a TV.

Da-Rin lançou neste ano nos cinemas o documentário ‘Hércules 56’, que aborda o seqüestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick, em 1969, por militantes da resistência armada à ditadura. A edição da obra em DVD sairá no mês que vem.

Carioca, 58 anos, com carreira também como técnico de som, Da-Rin é autor de ‘Espelho Partido’ (Azougue Editorial), sobre documentarismo.

Além de Orlando Senna, também irá para a TV Brasil, como diretor de programação, o atual diretor da Ancine (Agência Nacional do Cinema) Leopoldo Nunes.

Sérgio Sá Leitão, nomeado na última segunda-feira assessor da presidência da Ancine, é cotado para substituir Nunes, segundo a Folha apurou.’

 

TELEVISÃO
Márvio dos Anjos

DVD inclui jogada de mestre do criador de ‘Law & Order’

‘Dick Wolf tinha entrado para a história dos sucessos de longevidade da TV americana quando criou ‘Law & Order’ -baseada em histórias de homicídio em Nova York, divididas entre o esforço policial e a batalha nos tribunais. Para muitos, porém, era uma propaganda do sistema de fiscalização das leis dos EUA. Sua jogada de mestre foi criar a derivação ‘Special Victims Unit’, a Unidade de Vítimas Especiais, dedicada a investigar crimes com fundo sexual -basicamente, estupro, pedofilia e, é claro, homicídio.

A série, que no Brasil é exibida no Universal Channel, finalmente ganha uma edição em DVD da sua primeira temporada -que só agora está sendo ‘recuperada’ no canal a cabo. A temática perversa, por si só, já seria suficiente para atrair a atenção do espectador. Mas Dick Wolf foi além, inserindo no contexto um casal de detetives, Elliot Stabler (vivido por Chistopher Meloni) e Olivia Benson (Mariska Hargitay, filha da diva Jayne Mansfield), com histórias além dos casos. Ele, um homem casado, pai de quatro filhos e católico; ela, filha de um estupro. No ar, uma certa tensão sexual, expediente que já dera certo em outro seriado, ‘Arquivo X’, enriquecendo a trama sem torná-la uma novela cujo fio da meada pudesse ser perdido.

Aos fãs da série na TV, a edição em DVD é preciosa: mostra mais do background familiar de Stabler e Benson -o que gera mais empatia- e um tom curiosamente mais leve que o atual. Coerente, já que a dupla ainda não sente o desgaste dos anos de tramas escabrosas.

A ‘leveza’ também se deve a uma valorização do personagem John Munch (Richard Belzer), que vive às farpas com colegas do distrito, numa época em que ainda não contracenava com Ice-T. Nesses diálogos, intencionava-se temperar o horror inerente ao tema. Mas o principal fator é a direção, com iluminação bastante clara, bem diferente das sombras que marcariam a série quatro temporadas depois. Os roteiros, por sua vez, ainda estão em fase esquemática.

Por fim, vale como origem de uma série que viria a ser a estrela da franquia de Wolf, graças ao engenho e à agilidade, para além do marketing da polícia de NY que marcou o original.

LAW & ORDER – SPECIAL VICTIMS UNIT – 1ª TEMP.

Produtor: Dick Wolf

Distribuidora: Universal

Quanto: R$ 129,90, em média

Avaliação: bom’

 

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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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